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17/05/2007

Morro dos Macacos é alvo de estudo sobre a relação entre lixo e deslizamentos

Fernanda Marques


O Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi alvo de uma dissertação de mestrado defendida no Departamento de Saneamento da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). O trabalho desenvolvido pela arquiteta Cláudia Muniz mostra que o impacto produzido na saúde pelo despejo inadequado do lixo vai além da proliferação de animais transmissores de doenças. O acúmulo de lixo em locais impróprios também aumenta o risco de deslizamentos nas encostas, provocando mortes que poderiam ser evitadas a partir de intervenções públicas adequadas e articulação popular.


 O Morro dos Macacos, em Vila Isabel (Foto: Greatest Cities)

O Morro dos Macacos, em Vila Isabel (Foto: Greatest Cities)


Há registros de deslizamentos devido à ocupação irregular das encostas desde o final do século 19. Na década de 90 do século 20, houve, no Brasil, 256 deslizamentos com 815 mortes. Segundo dados coletados por Cláudia junto à Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio), os deslizamentos atingem, sobretudo, os bairros de Jacarepaguá, Tijuca e Rio Comprido e 17% deles estão associados à “corrida de lixo”. “O acúmulo de lixo constitui questão tão séria que ele já começa a ser considerado material geológico por alguns autores”, afirma a arquiteta, que pretende lançar um livro sobre o assunto com sua orientadora, a engenheira sanitária Débora Cynamon, chefe do Departamento de Saneamento.


Em 1992, a Geo-Rio mapeou as áreas de risco de deslizamento no Morro dos Macacos. A tarefa foi repetida em 1997, pelo programa Favela Bairro, e em 2006, por Cláudia. A conclusão da arquiteta é que pouca coisa mudou desde o início da década de 90. “O risco continua o mesmo em alguns pontos, ou seja, não foram feitas intervenções eficazes para reduzi-lo. Esse risco não diminuiu, principalmente, devido à falta de intervenções apropriadas relacionadas ao lixo”, conclui.


A necessidade de tratamento mais adequado para o lixo foi constatada por Cláudia ao comparar o que previa o projeto do Favela Bairro, em 1997, com o que realmente havia sido implementado no Morro dos Macacos, até 2006. “O projeto era fantástico, mas muita coisa não foi executada”, conta. Ele previa grandes tubos para a descida dos dejetos, abertura de vias carroçáveis para o recolhimento do lixo e caixas coletoras de resíduos sólidos. “Essas melhorias não foram feitas ou somente parcialmente implantadas. Das 24 caixas coletoras propostas, por exemplo, existem somente quatro no Morro dos Macacos. Além disso, os projetos de reflorestamento deveriam ser contínuos na região”, avalia Cláudia, que documentou os problemas encontrados com mais de 180 fotos. No entanto, a arquiteta reconhece que o Favela Bairro trouxe benefícios em outras áreas, como a construção de um reservatório maior de água, escadarias e alguns apartamentos para abrigar famílias removidas das zonas mais perigosas.


Por fim, Cláudia promoveu uma articulação entre os órgãos da prefeitura e os moradores da favela. Como resultado, organizou-se um mutirão. Durante um dia inteiro de trabalho o grupo removeu o lixo de áreas críticas para a comunidade, como sobre o Túnel Noel Rosas – que ficou fechado também para reparos na iluminação e no asfalto. “O mutirão serviu para provar que uma atuação conjunta entre prefeitura e moradores não só é possível, mas também vantajosa para ambas as partes. É uma pena que o lixo – que poderia até ser fonte de renda para as comunidades – continue sendo uma ameaça para tantas famílias que vivem nas favelas”, lamenta a arquiteta.


Perspectiva histórica


Atualmente, mais de um milhão de pessoas, ou seja, quase 20% da população do Rio de Janeiro vivem em favelas. Estas aumentam 2,4% ao ano, contra um crescimento anual de apenas 0,38% para o restante do município. Mais de 11 mil pessoas vivem no complexo que engloba os morros dos Macacos, do Jardim (ou Parque Vila Isabel) e do Pau da Bandeira.

No passado, a área que hoje abriga essas comunidades era uma fazenda que pertencia aos jesuítas. O Marquês de Pombal confiscou as terras para a Família Real e Dom Pedro 1º chegou a praticar caça na região. Quando a Corte voltou a Portugal, a propriedade foi comprada pelo abolicionista João Batista Viana Drummond, que batizou o Boulevard 28 de Setembro, em alusão à data da Lei do Ventre Livre.


As ocupações no Complexo do Morro dos Macacos começaram na década de 20, induzidas pelo processo de expropriação dos trabalhadores e motivadas pelo fato de que naquela área, longe do Centro e da Zona Sul, o risco de expulsão era menor. Os morros do Jardim e do Pau da Bandeira foram ocupados mais tarde, na década de 50, por pessoas expulsas da favela do Esqueleto, onde foi construído o campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Maracanã.


Antigas preocupações


Urbanizar as favelas e melhorar a qualidade de vida dos moradores são preocupações antigas de Cláudia. Aos 12 anos, morava no Humaitá, em frente à favela Macedo Sobrinho, que foi removida. Mais ou menos na mesma época, estudava no Colégio Estadual Gilberto Amado e viu sua escola tomada por moradores da favela da Praia do Pinto, quando esta foi atingida por um incêndio. “Tentei ajudar as pessoas a salvar alguma coisa do incêndio”, lembra. Essa experiência motivou a escolha de uma favela como tema do trabalho de conclusão do curso de arquitetura na Universidade Santa Úrsula.


“Durante dois anos trabalhei no Dona Marta. Fiz um mapeamento do morro, rua por rua; estudei a tipologia habitacional; e projetei o prédio da associação de moradores e a área dos tanques para lavagem de roupa. As obras, assim como a remoção do lixo, eram feitas por mutirões da comunidade”, conta. Ainda durante o curso de arquitetura, atuou em diversas comunidades e municípios de pequeno porte, por meio dos projetos Rondon e Mauá. Nessa época, monitorou o cadastramento físico-tipológico no Complexo da Maré para a implantação da Linha Vermelha.


Mais tarde, durante o curso de pós-graduação em sociologia urbana da Uerj, Cláudia planejou uma intervenção para o Morro da Lagartixa, na Avenida Brasil em Costa Barros. Já no curso de especialização em engenharia sanitária e controle ambiental da Ensp, a arquiteta apresentou uma monografia sobre o problema do lixo nas encostas dos morros do Rio de Janeiro.


Mas esse tema não faz parte apenas da experiência acadêmica de Cláudia. De 1982 a 1996, ela trabalhou na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDS), onde executou projetos relacionados a catadores e estações de tratamento de lixo, além de outros desenvolvidos em comunidades, como escolas e creches. De 1996 a 2005, na Defesa Civil, ela participou de vistorias de áreas de risco de deslizamento em quase todas as favelas da cidade. A partir daí, começou os estudos de mestrado em saúde pública na Fiocruz. Hoje, participa da elaboração e construção do projeto Espaços Urbanos Seguros, em comunidades, para o Pan 2007, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

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