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16/10/2019

‘Movimento antivacina é resultado da falta de informação’

Haendel Gomes (COC/Fiocruz)


A poliomielite foi erradicada no continente americano há 25 anos, com a certificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) concedida em 29 de setembro de 1994. A luta do Brasil para se livrar da doença percorreu o século 20, quando foram registradas diversas epidemias, que vitimaram crianças, deixando graves sequelas. Para erradicar a doença, várias estratégias foram adotadas. As campanhas se tornaram decisivas, com a criação dos Dias Nacionais de Vacinação. Por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e outras unidades, a Fiocruz participou ativamente para o controle da doença. Além de produzir as vacinas, a Fundação desenvolveu formas mais eficazes de identificar o vírus da poliomielite, trabalho liderado por virologistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Os profissionais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), por sua vez, foram a campo coordenar a vacinação. 

No Brasil, especialistas defendem que as campanhas sejam mantidas para garantir que a pólio permaneça erradicada (foto: COC/Fiocruz)

 

Nesta entrevista, a historiadora Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), discorre sobre a trajetória da luta para controlar a pólio no país e a sua erradicação. Ela aborda as campanhas e as pesquisas sobre a doença, presente ainda hoje em países como Afeganistão, Paquistão e República Democrática do Congo, que enfrentam problemas decorrentes de guerras e do deslocamento de tribos nômades, que dificultam a vacinação. “A erradicação da pólio foi um grande feito’, afirma a historiadora. No Brasil, especialistas defendem que as campanhas sejam mantidas para garantir que a pólio permaneça erradicada. 

Passados 25 anos da erradicação da pólio no Brasil, por que é importante comemorar essa conquista?

Dilene Raimundo do Nascimento: Uma doença que atinge principalmente crianças e que pode deixar sequelas por toda a vida, a sua erradicação foi um grande feito da área da saúde. E deve ser sempre comemorado, primeiro, para enfatizar a importância da vacinação para evitar doenças imunopreveníveis; segundo, reafirmar a necessidade de uma decisão política séria e consequente, de forma a levar um programa de vacinação a uma conclusão bem-sucedida; terceiro, a rememorização da conquista pode contribuir para a eliminação ou minimização de outros agravos à saúde.

Qual foi o papel da Fiocruz no controle da doença?

Dilene: A Fiocruz, com expertise no campo da virologia, desenvolveu técnicas laboratoriais bastante avançadas para o diagnóstico; Bio-Manguinhos produziu a vacina; e a Ensp, com sua equipe de epidemiologistas, contribuiu na logística da vacinação.

Qual a importância de instituições como OMS, Unicef e Rotary International para o controle da pólio no mundo?

Dilene: Estas agências internacionais foram fundamentais para alcançarmos a erradicação da transmissão do poliovírus selvagem nas Américas e conseguir que a existência da pólio se restringisse a poucas localidades na Ásia. O Rotary International instituiu, em 1985, o programa Polio Plus, com o objetivo de colaborar na imunização de todas as crianças do mundo até 2005, mas o fazem até hoje. O Polio Plus contribui com vultosa ajuda financeira no processo de erradicação da pólio, além de centenas de milhares de seus voluntários no mundo todo atuarem na entrega de vacinas, na mobilização social e no planejamento logístico. O Unicef participou, por meio do seu programa Universal Childhood Imunization, do propósito de erradicar a pólio no mundo.

Quando houve o maior surto da doença no Brasil?

Dilene: Uma das epidemias reportadas como de grande importância foi em 1953, no Rio de Janeiro. 

Casos de pólio ainda são registrados em alguns países. Há risco de a doença se tornar um problema global, a partir de fluxos migratórios contemporâneos?

Dilene: Sim, por isso se mantém a vacinação até hoje.

Em que momento as autoridades sanitárias brasileiras começaram a encarar a pólio como um problema de saúde pública?

Dilene: É controverso. Apesar de médicos brasileiros terem a preocupação de registrar os casos de pólio, como é o caso de Fernandes Figueira, desde 1911, e a pólio se tornar de notificação compulsória em São Paulo, desde 1917, na primeira metade do século 20, a discussão sobre poliomielite se restringia ao âmbito médico. Com o surgimento de novas tecnologias, especialmente as vacinas Salk e Sabin, na segunda metade do século 20, estabeleceram-se estratégias de controle da doença. 

Como vê o crescimento do movimento antivacina no Brasil e em outros países?

Dilene: Na minha opinião é falta de informação sobre os benefícios de uma vacina e a ausência do Estado no esclarecimento sobre isso.

Surtos de sarampo têm sido registrados recentemente em São Paulo e outros três Estados. Diante desse cenário, o que as autoridades sanitárias e a sociedade brasileira podem aprender com a história?

Dilene: Primeiro que há determinadas vacinas que são altamente eficazes. Segundo, que as autoridades sanitárias brasileiras têm que cumprir com sua responsabilidade de proteger a população de danos à saúde que são evitáveis de forma rotineira, e não esperar que a epidemia se instale para tomar medidas sanitárias.

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