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15/06/2016

Mulheres sofrem com desigualdade nas carreiras de Ciências

COC/Fiocruz


“Se a mulher produz tanto quanto o homem e participa das demais tarefas acadêmicas de maneira equivalente por que a representação feminina é tão baixa nas áreas mais nobres e nos cargos mais importantes da área da ciência e tecnologia?" A provocação da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jacqueline Leta durante a segunda parte do Seminário Ciência e Sociedade, que abordou questões relacionadas a gênero, ciência e tecnologia, tem razão de ser.

Jacqueline analisou dados de 72 programas de pós-graduação, 31 institutos de pesquisas, 2.362 docentes pesquisadores, e constatou que não há diferenças significativas entre homens e mulheres quanto à produtividade científica, mas a proporção de bolsistas do sexo feminino diminui conforme crescem os níveis hierárquicos da bolsa. “Apenas 8% de mulheres conseguem a bolsa de produtividade 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a de maior prestígio”, constatou. A pesquisadora tomou como exemplo a situação da Fiocruz, instituição técnico-científica do governo federal. “Existe uma equivalência na produção acadêmica e nas publicações, mas a presença de homens é quase total nos cargos de maior hierarquia”.

Em 2014, a tese da pesquisadora Jeorgina Gentil Rodrigues, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict) da Fiocruz, analisou a participação feminina na pesquisa da Fiocruz entre 1996 e 2010. A conclusão é que, se as mulheres ganharam espaço nos últimos anos – são 410 mulheres e 384 homens em cargos de chefia -, nos cargos de comando da Fundação, sua presença é ainda muito pequena. Das 37 cadeiras do Conselho Deliberativo da Fiocruz – composto pelo presidente, vice-presidentes, chefe de gabinete, um representante do sindicato dos servidores e pelos dirigentes máximos das unidades (técnico-científicas, técnicas de apoio e técnico-administrativas), apenas 9 são ocupadas por mulheres.

Para Denise Gonçalves, professora do Observatório do Valongo da UFRJ “Depois do mestrado e doutorado, é precisamente a hora de conseguir emprego, de avançar nos programas de pesquisa, e então existe um viés que orienta as escolhas das empresas e dos comitês”. Segundo a Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), do mestrado ao emprego, a participação feminina decresce em 14%.

A também professora da UFRJ e diretora do Gender Insite, Alice Rangel, afirma que além de existirem gargalos no processo acadêmico, há uma divisão de gênero que permeia a sociedade. O estudo Avaliações Nacionais de Gênero, desenvolvido em mais de 13 países, incluindo o Brasil, e que teve o Gender Insite como um dos condutores, concluiu que o número de mulheres nas áreas de ciência, tecnologia e inovação é baixo mesmo nas economias mais importantes do mundo, incluindo os Estados Unidos.

No Brasil, as cientistas têm a maioria dos titulos de mestrado, desde 1997, e doutorado, desde 2004. Apesar disso, em relação às bolsas de produtividade, a realidade é outra: elas são menos contempladas com bolsas de produtividade do CNPq, estão sub-representadas nos cargos administrativos de várias universidades e entre os acadêmicos da Academia Brasileira de Ciências. “O franqueamento ao acesso feminino deve ser uma solução política”, defendeu Alice.

Uma questão de educação e vontade política

Outro ponto que merece atenção é a diferença entre homens e mulheres em determinados campos da ciência. Maioria em ciências humanas (59%) e sociais (55%), as cientistas tem menos expressividade nas ciências exatas (36%), principalmente, engenharias e computação (34%). A busca da paridade feminina nessas áreas especificas está ligada a múltiplos fatores: maior influência econômica, acesso a recursos econômicos, produtivos e tecnológicos e um ambiente político favorável. “Além disso, é necessário começar a estimular mais cedo a curiosidade e o relacionamento das meninas com esse objeto”, ressaltou Alice Rangel.

Mas como avaliar se programas já existentes direcionados às jovens estão dando certo? A professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Oregon, Lynn D. Dierking apresentou um estudo que analisou a participação de meninas de seis a 25 anos de idade em seis programas que se propõem a promover o engajamento feminino em atividades relacionadas a STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática). “Encontramos evidências de que, desde que bem construídos, esses programas podem levar a experiências não apenas de curto prazo, mas impactar a vida futura e as escolhas dessas jovens mulheres em relação à carreira, interesses pessoais, além de levá-las a contribuir com a ciência”.

Vulnerabilidade feminina

Outro ponto abordado durante o seminário foi a questão do assédio moral e sexual sofrido pelas cientistas. A professora Denise Gonçalves apresentou um estudo conhecido como Lacan (Levantamento do Ambiente Científico na Astronomia Brasileira), que consultou 133 astrônomos brasileiros em todos os níveis da carreira, 67 homens e 66 mulheres. A mulheres no nível da pós-graduação sofrem 76% dos casos de assédio moral e 44% das pós-doutorandas são as vítimas mais frequentes do assédio sexual. A proposta da pesquisa é estabelecer um ambiente mais saudável para astronomia do Brasil.

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