05/09/2016
"Um parafuso cai no chão / ?Nessa noite escura de hora extra / ?Mergulhando na vertical, tilintando levemente / ?Não vou chamar a atenção de ninguém / ?Como da última vez / ?Numa noite como essa / ?Quando alguém mergulhou para o chão"
A poesia de Xu Lizhi, do setor de produção da empresa chinesa Foxconn, que se suicidou em 2014, atirando-se do prédio onde trabalhava, chamou a atenção de publicações como Washington Post, Bloomberg Businessweek e Business Insider, e revelou ao mundo o sofrimento dos jovens e trabalhadores chineses. Mas, não são só eles, o problema mundial do suicídio afeta pessoas de diferentes etnias, idades, gêneros. Humanos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo ocorrem, anualmente, 804 mil mortes causadas por suicídio, representando 11,4 mortes por cada 100 mil habitantes. Os principais métodos utilizados são o envenenamento, o enforcamento e o uso de armas de fogo, gerando uma morte a cada 40 segundos.
A baixa renda, a falta de política de prevenção, o não controle de armas de fogo são alguns indicadores que fazem com que 75% dos casos sejam em países em que a renda de maior parte da população é considerada baixa ou média. No ranking mundial, a Índia lidera com 258 mil óbitos por ano, seguida da China (120,7 mil), EUA (43 mil) e Rússia (31 mil).
Nos dados extraídos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, é possível ver porque o Brasil é o oitavo na lista da OMS. De 2012 a 2014, foram 31.507 casos de suicídio no país. Na tabela abaixo, é possível ver, por faixa etária, os números: se não há um aumento expressivo, também não há um recuo forte nas taxas.
De qualquer forma, é importante ressaltar que o suicído é uma das causas externas de violência que, atrás dos acidentes de trânsito e homicídios, vêm tirando a vida de muitas pessoas, principalmente os jovens.
Dor e preconceito
Trecho do documentário 'Suicídio no Brasil', produzido pela VideoSaúde Distribuidora da FiocruzPara muitos, o suicidio e considerado “maldito”, “perigoso”, “contagioso”, “doloroso”. A incompreensão, a intolerância, o medo e o preconceito em falar sobre o assunto dificultam uma abordagem serena sobre o tema e muitas vezes até o atendimento a quem está sofrendo. Para a coordenadora da Comissão CVV-Comunidade, do Centro de Valorização da Vida (CVV), no Rio de Janeiro, Maria das Graças Araujo, quem liga em busca de ajuda, quer ser ouvido.“Qualquer pessoa que necessite falar, será ouvida. Não importa o sexo, a idade ou o nível sócio-econômico”, afirma. Há 54 anos, CVV trabalha com prevenção ao suicídio. Os mais de um milhão de pedidos de ajuda que chegam por ano ao Centro são acolhidos por telefone (141), chat, Skype, e-mail e até carta no plantão de 24 horas diárias. Dois mil voluntários se revezam em 72 postos espalhados por 18 estados e o Distrito Federal.
O sigilo com que trabalham os voluntários explica a ausência de estatísticas do CVV, que recebe o maior número de ligações durante a madrugada. “Não há câmeras no Skype ou bina nos telefones”, garante Maria das Graças. “O sigilo é uma questão de confiança. Não perguntamos nada”, afirma.
O trabalho desenvolvido pela instituição é reconhecido, tanto é que o CVV participou ativamente da elaboração da Política Nacional de Prevenção do Suicídio do Ministério da Saúde. A Política inclui os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que são cerca 2.128 unidades espalhadas pelo território nacional, para realizar assistência especializada e tem capacidade de 43 milhões de atendimentos anuais.
Tentativas muitas
Pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MS), no período de 2009 a 2014, foram notificados um total de 73.790 casos de lesões autoprovocadas compreendidas como tentativa de suicídio no país, sendo que 2.519 (6,3%) foram notificados em 2009, e 21.633 (10%) em 2014, o que equivale a uma variação relativa de 59,2%. Os dados publicados pelo Mapa da Violência 2014, fazem um comparativo entre as notificações de violência, como homicídios e acidentes de trânsito e os casos de suicídio, considerado também como uma violência. Confira na tabela abaixo:
Conforme dados de diversas fontes, para cada suicídio efetivado entre 40 e 60 tentativas ocorrem em todo o mundo. “De acordo com o último Mapa da Violência no Brasil, de 2014, diariamente no Brasil, 32 pessoas se matam por dia, uma a cada 45 minutos, e isso é muito grave”, alerta Maria das Graças Araujo. “Segundo a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], 17% dos brasileiros pensaram seriamente em cometer suicídio no decorrer de suas vidas”, destaca a coordenadora do CVV.
Para compreender melhor o que isto representa, veja a relação entre o número de tentativas e a efetivação do suicídio no infográfico abaixo. É importante observar que em 2011, houve uma mudança da Declaração de Óbito, com maior detalhamento das informações coletadas (veja o documento sobre a Consolidação da Base de Dados de 2011, do SIM/MS, feita pela Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica (CGIAE).
"Quem tenta suicídio pede ajuda, ao contrário do que diz o mito. O Brasil alcançou, o triste posto de país da América Latina com maior número de suicidas. É preciso falar sobre isso”, enfatiza a coordenadora do CVV. O psiquiatra e professor de Medicina da Universidade de Campinas (Unicamp), Neury Botega, concorda e também defende a necessidade de se desmistificar o tema para evitar novos casos:
Setembro amarelo
Uma das formas de lutar pela prevenção é o movimento mundial Setembro amarelo, campanha da OMS, que estimula a prevenção ao suicídio vinculada ao dia 10 do mês no qual se comemora o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. O objetivo da campanha é colocar na mesa o debate de um assunto ainda hoje considerado tabu para os brasileiros: o suicídio.
No Brasil, o CVV apoia a campanha da OMS, que visa a dar apoio as iniciativas para ajudar as pessoas que já tentaram alguma vez tirar a própria vida e, “por isso, fazem parte de um grupo maior de risco”. Segundo a OMS, a meta é, até 2020, reduzir em 10% a taxa de suicídio.
Dentro desse quadro preocupante, a Fiocruz entra na campanha, iluminando desde 1º de setembro seu Castelo com a cor amarela. Para o psiquiatra e psicanalista, Carlos Estellita-Lins, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz) e coordenador do Grupo de Pesquisa de Prevenção ao Suicídio (PesqueSUI/Icict/Fiocruz), “a Fundação, seguindo outras iniciativas de prevenção e recomendações da OMS, entende que é preciso colocar a prevenção do suicídio na agenda de saúde mental e saúde pública brasileira, observando cuidados imprenscindíveis com jornalismo responsável, arquitetura segura, transporte cidadão”, afirma.
Com esta matéria, o Icict/Fiocruz inicia a sua colaboração para debater o tema com a série Não há lirismo no suicídio, que mostrará que o suicídio acontece em diferentes faixas etárias e que ser indígena no Brasil pode significar um sofrimento que leva à morte.
Confira a série do Icict/Fiocruz e outras reportagens sobre o tema no Especial Suicídio da Agência Fiocruz de Notícias.
Créditos:
Infográficos e produção fotográfica: Vera Lúcia Fernandes de Pinho (Ascom/Icict/Fiocruz)
Edição de vídeo e fotografias: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Apoio: Raíza Tourinho (Ascom/Icict/Fiocruz) e João Paulo Cofir (Secretaria/Biblioteca de Manguinhos/Fiocruz)
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