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14/06/2018

Rei iorubá visita Fiocruz e estabelece parceria científica

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


A Fiocruz recebeu na quarta-feira (13/6) a visita do rei dos povos iorubá, Ooni de Ifé, que atende pelo nome de Oba Adeyeye Enitan Babatunde Ogunwusi, e sua comitiva. Ele veio conhecer a Fundação e participar da mesa de abertura do Colóquio Brasil-Nigéria, organizado pela Casa de Oswaldo Cruz (COC). Antes do Colóquio, o rei se reuniu no Castelo da Fiocruz com o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Marco Menezes, que na ocasião representou a presidência da instituição, para tratar de possível cooperação científica Brasil-Nigéria.

O Ooni de Ifé ao lado do vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação, Marco Menezes (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)

 

O Ooni de Ifé, é o rei da cidade de Ifé, considerada berço dos povos iorubá e o primeiro reino africano. Ele é também uma autoridade religiosa para os iorubá. Em sua primeira visita ao Brasil, ele veio trazer uma mensagem intercultural e contra a intolerância religiosa e também estreitar laços do que considera nações-irmãs. A viagem integra a Década Internacional dos Afrodescendentes, estabelecida pela Unesco de 2015 a 2024.

“A Nigéria é o país com mais negros do mundo. Em segundo lugar, está o Brasil”, reforçou o Ooni, destacando também que muito negros brasileiros têm origem iorubá, mas foram separados pela escravidão. Sua visita também teve o propósito de resgatar essa identidade e orgulho nos descendentes de seu povo.

Ao falar sobre a Fiocruz e da possibilidade de parceria entre a instituição e organizações nigerianas, como a Fundação Casa de Oduduwa, o rei demonstrou-se particularmente interessado na troca de conhecimentos tradicionais, especialmente sobre ervas e medicamentos fitoterápicos, e no aprendizado de estratégias de saúde comunitária.

Ao partilhar a visão sobre saúde e cura, o rei explicou que para os iorubá tudo que estamos vivendo, já foi vivido anteriormente por nossos ancestrais, inclusive as doenças. “Deus criou as doenças, mas também criou as soluções. E elas estão na natureza, cabe ao homem encontrar”, declarou, destacando a importância dos orixás nesse processo. Segundo a mitologia iorubá, Orunmilá é um doutor, que retém o conhecimento ancestral, e Osanyin (ou Ossanha) é o farmacêutico que guarda o conhecimento das ervas e suas curas.

“Eu sou um testemunho vivo da eficácia desse conhecimento. Desde que assumi o trono, nunca tomei um remédio que não fossem ervas”, reforçou o Ooni de Ifé.

Durante a mesa de abertura do Colóquio Brasil-Nigéria, que teve como tema “Conhecimentos Tradicionais e Saúde” e contou com a participação de cientistas e intelectuais nigerianos integrantes da comitiva do rei, a interlocução com a Fiocruz foi anunciada para os presentes como um dos maiores êxitos de sua visita ao Brasil. O caráter da Fiocruz como instituição de ponta na ciência é visto pelo rei como uma oportunidade de fazer com que essa parceria tenha impacto mundial. 

“É uma honra para a Fiocruz receber essa visita e estreitar as relações com o continente africano, em especial a Nigéria e o povo iorubá. A cultura tradicional iorubá faz parte do que reconhecemos como o conceito ampliado de saúde”, declarou Marco Menezes, que também reforçou que a Fundação já tem como prática respeitar o conhecimento tradicional na sua relação com a ciência.

Ooni de Ifé ofereceu à Fiocruz um presente que, em suas palavras, simboliza a proteção (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)

 

Para celebrar a parceria, o Ooni de Ifé ofereceu à Fiocruz um presente que, em suas palavras, simboliza a proteção. “O que vocês estão fazendo é para toda humanidade. Vocês são o agente de proteção da raça humana. Esse presente simboliza a proteção da cabeça, que, segundo acreditamos, é muito importante para proteger todo o corpo”, explicou.

Reunião de cooperação

Na tarde do mesmo dia, um grupo composto por intelectuais, cientistas e autoridades religiosas da Nigéria e representantes da Fiocruz se reuniu na Residência Oficial do Campus de Manguinhos para apresentar experiências de Promoção da Saúde da Fiocruz que incluíram ações nas escolas, em comunidades vulnerabilizadas e cursos de formação continuada para profissionais de saúde em áreas remotas do país.

A comitiva do rei de Ifé reuniu intelectuais, cientistas e autoridades religiosas da Nigéria (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)
 

Foram abordados temas relativos ao intercâmbio científico envolvendo pesquisa em fitoterápicos e em ações de promoção da saúde incluindo cursos de saúde comunitária.

A troca entre os saberes tradicional iorubá e dos indígenas brasileiros foi um ponto de particular interesse para os nigerianos. Os pesquisadores da Fiocruz concordaram, uma vez que essa também é uma área de interesse para a instituição. “Não conhecemos toda a biodiversidade brasileira, da Amazônia ou mesmo da Mata Atlântica”, destacou Carlos Eduardo Grault, assessor da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB).

A questão da documentação desse conhecimento também foi abordada. “Nosso conhecimento ainda é muito oral”, afirmou o representante da TV nigeriana Ojaja TV Ifé, que demonstrou interesse por alguns livros vistos durante a visita à Fiocruz.

O pesquisador Kola Abimbola, da Howard University, reforçou a importância da sistematização do conhecimento. “Toda pessoa que morre, um conhecimento importante morre com ela”, explicou.

Sobre isso, a Fiocruz esclareceu que, além da disponibilização do acervo, possui pesquisas e laboratórios na área de documentação de conhecimento oral que podem integrar a parceria. Nesse sentido, a assessora da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Luciana Garzoni, também estendeu para todos os presentes o convite, já feito anteriormente ao Ooni de Ifé, para o Encontro de Comunidades Tradicionais da América Latina, que está sendo organizado pela VPAAPS e acontecerá em 2019.

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