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14/05/2020

Covid-19: artigo questiona o uso de contêineres em presídios

Informe Ensp


Arquitetura prisional e saúde em tempos de Covid-19: o uso de contêineres se justifica? é o tema do artigo do Grupo de Projeto e Pesquisa Espaço Saúde Arquitetura, do qual faz parte a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Alexandra Sánchez. “O uso de contêineres em diferentes situações não tem demonstrado a necessária efetividade, a exemplo de alojamentos estudantis, salas de aula, restaurantes estudantis, restaurantes populares, abrigos para população em situação de vulnerabilidade, centros de treinamento e alojamentos para atletas”, afirma o grupo. Eles consideram que a solução através de contêineres tem se revelado um problema na medida em que constituem um ambiente nefasto à saúde de seus usuários. O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo.

O artigo lembra que, em abril de 2020, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou o documento em que defende a utilização de contêineres como solução para o enfrentamento da pandemia do Covid-19 nos presídios de todo o país. O uso de contêineres estaria indicado, segundo o Depen, tanto para realizar o isolamento daqueles presos integrantes do grupo de risco, como para abrigar aqueles contaminados pelo Covid-19, receber instalações temporárias para atendimento médico e, posteriormente à pandemia, serem utilizados permanentemente para triagem e admissão de presos.

Sob o argumento de servir-se de “aspectos construtivos, experiências nacionais e internacionais e análise dos normativos relativos às diretrizes de arquitetura prisional”, o estudo do Depen desconsidera, no entanto, que o uso do padrão de contêineres, ou alojamentos provisórios similares, apresentado é antagônico às diretrizes de qualidade ambiental, às diretrizes básicas para arquitetura penal.

Segundo o artigo, no Brasil, cerca de 750 mil pessoas estão encarceradas em celas coletivas, superlotadas e mal ventiladas, responsáveis por elevada frequência de doenças, especialmente as de transmissão aérea, como a tuberculose que apresenta taxas de incidência e de mortalidade nas prisões até 38 vezes e 9 vezes superiores às da população geral, respectivamente. "Essas condições de encarceramento, que sem dúvida serão agravadas em caso de utilização de contêineres, são altamente favoráveis à transmissão do Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19, transmitido por via aérea, por contato inter-humano e através de superfícies e objetos contaminados”.

De acordo com o artigo, embora a presença da Covid-19, inclusive óbitos, entre agentes penitenciários e pessoas presas tenha sido detectada em vários estados, a dimensão da epidemia é muito subestimada dada a quase ausência de confirmação laboratorial e subnotificação de casos nas prisões. “Entre outras medidas, é recomendada a quarentena de ingressos respeitando a separação entre sintomáticos e assintomáticos; o isolamento de casos suspeitos de Covid-19 visando reduzir a transmissão, assegurar a assistência de saúde; e a proteção dos grupos de risco de evolução grave ou fatal de Covid-19”. Neste cenário, dizem os pesquisadores, a promoção de saúde dos profissionais e detentos do sistema carcerário é de suma importância e impacta não só internamente, mas também no ambiente mais geral da sociedade.

Conforme aponta o artigo, o uso de contêineres como alternativa para a ampliação de vagas no sistema prisional não é a resposta ao problema. “A proposta não atende a pré-requisitos básicos de acomodação de pessoas, dentre os quais destacamos aspectos de suma importância para a qualidade ambiental: os ambientes propostos são destinados ao acolhimento coletivo, impossibilitando o isolamento social recomendado como medida de proteção contra o contágio pelo Sars-CoV-2; as aberturas dos compartimentos não obedecem a um mínimo de 1/6 da área de seu piso, não atendendo às normas da NBR 15220/2003 para as condições de ventilação natural por região bioclimática; e os ambientes não possibilitam regulação térmica, pois a localização das aberturas de entrada de ar não está posicionada na altura de seus usuários. Desta forma não é possível obter-se o resfriamento fisiológico dos mesmos, além da renovação do ar".

Eles condenam a proposta defendida pelo Depen, que não protege a população carcerária e propicia o contágio e propagação do Covid-19, não devendo ser utilizada para o isolamento de casos da doença (suspeitos ou confirmados), de pessoas pertencentes a grupos de risco de evolução grave ou fatal, nem para atendimento médico. “O próprio Depen reconhece a precariedade da ventilação no interior destas estruturas, propondo a instalação de aparelho de ar condicionado para melhorar o conforto térmico em seu interior. Porém, o uso de sistema de ventilação e refrigeração artificial impede a renovação do ar e não é recomendado”.

O artigo ainda observa, além de outras questões, o posicionamento das aberturas, de maneira que o ar circule em todo o ambiente, sobretudo nos locais de maior permanência dos indivíduos. “A corrente de ar não deve passar direto por um dos lados, ou por cima, tampouco ficar bloqueada por divisórias ou pelo mobiliário, como ocorre quando as camas beliche são construídas como nichos. As camas inferiores dos beliches, sobretudo quando é adotada apenas ventilação na parte superior da cela, são locais críticos quanto à renovação do ar. Consequentemente, com maior probabilidade de concentração de microrganismos”, aponta.

Por fim, o artigo afirma que, para ser implementada no atual cenário de pandemia do Covid-19, a proposta do Depen forçaria uma flexibilização das Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal, sob o risco de normalizar práticas que desrespeitam a legislação vigente e os direitos básicos do cidadão.

O artigo Arquitetura prisional e saúde em tempos de Covid-19: o uso de contêineres se justifica? é de autoria de Mauro Santos, professor da UFRJ, coordenador do Grupo de Projeto e Pesquisa Espaço Saúde Arquitetura; Eduardo Sanches Salsamendi, arquiteto, mestrando da UFRJ; Alexandra Sánchez, pesquisadora e responsável pelo Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões da Ensp/Fiocruz; e Bernard Larouzé, diretor do Recheche Emerite Inserm, e membro do Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões da Ensp/Fiocruz.

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