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12/05/2021

Avança pesquisa com crianças em condições crônicas complexas

Flávia Lobato (Observatório da Fiocruz em CT&I em Saúde)


Elas são acometidas por doenças crônicas graves ou até incuráveis. Sofrem com limitações para respirar, se alimentar, se mover, entre outras. Dependem da atenção e dos cuidados de uma rede especializada de profissionais, assim como da dedicação quase integral de suas famílias. Elas demandam muitos serviços e recursos do sistema de saúde. Contudo, muitas vezes as crianças com condições crônicas complexas de saúde (CCC) são invisíveis para a sociedade. Para melhor conhecer a dimensão deste grupo, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e do Observatório em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde da Fiocruz fizeram uma avaliação sobre o tema com foco em publicações acadêmicas. O artigo foi publicado no International Journal of Contemporary Pediatrics em março deste ano, e revela que “as publicações científicas nesta área têm crescido continuamente ao longo dos anos, na esteira dos avanços da medicina e das tecnologias médicas, bem como das melhorias na assistência à saúde”.

Ao nascer, Ariela foi diagnosticada com uma doença complexa. Em casa, ainda precisa de aparelhos hospitalares que exigem manutenção constante (foto: IFF/Fiocruz) 

 

O mapeamento da produção científica sobre CCC foi realizado em duas bases de dados científicas, a Web of Science e a Scopus. Após a identificação dos principais termos utilizados, da limpeza e harmonização dos dados, foram encontradas 3.271 publicações relevantes sobre o assunto. Segundo os autores do trabalho, o grande interesse pelo tema se deve ao aumento significativo da taxa de sobrevivência dessas crianças de acordo com as melhorias nos cuidados de saúde. Isto é: há cada vez mais pesquisas sendo feitas para conhecer, evidenciar e compreender os fatores que determinam riscos de vida e seus impactos na saúde pública.

Com este objetivo, uma nova etapa da pesquisa teve início em abril, explica uma das autoras do trabalho, a pediatra Lívia Menezes (IFF/Fiocruz). “No artigo recém-publicado, observamos o cenário internacional como um todo e confirmamos três hipóteses principais: a maciça produção dos EUA, Canadá e do Reino Unido; a produção majoritária de estudos dedicados aos cuidados hospitalares para estes pacientes; e a relação entre CCC na infância e gastos de saúde pelos sistemas daqueles países. Agora, sabendo que o Brasil aparece em quarto lugar, faremos um novo mergulho, observando especificamente o Sistema Único de Saúde (SUS)”, conta.

Mapeando os países líderes e a situação do Brasil

Ela lembra que, na primeira etapa, os pesquisadores se surpreenderam com a abrangência do tema, o que dificultou a busca inicial. Por outro lado, a distribuição geográfica das publicações já era esperada. O estudo mostrou que a produção de conhecimento sobre crianças com condições crônicas complexas de saúde é liderada pelos EUA, o Canadá e o Reino Unido, havendo um domínio absoluto dos países norte-americanos nessas pesquisas. “Do total de 3.271 documentos recuperados para este estudo, 2.372 foram realizados em instituições norte-americanas, 73% da produção mundial sobre o assunto, o que representa 10 vezes mais do que o Canadá, segundo país, com 232 ocorrências (7% produção mundial), seguido pelo Reino Unido (142) e Austrália (91 ocorrências)”, registram os autores no artigo.

As principais áreas temáticas das publicações foram relacionadas à hospitalização, necessidades de saúde, coordenação da assistência e saúde bucal – sendo esta última um ponto de destaque do estudo. “Sabíamos que realizar procedimentos odontológicos em crianças com CCC é mais complicado. Mas não esperávamos constatar que a saúde bucal é negligenciada em países norte-americanos. Observamos problemas comuns, como cáries, por exemplo”, diz Lívia.

Já em relação aos recursos dispendidos pelo sistema de saúde, nos EUA cerca de 14,2 milhões de crianças (19%) têm necessidades especiais de saúde, sendo que 52% precisam de seguro privado para ter acesso a tratamentos. Embora seja um pequeno grupo em termos quantitativos, estas crianças consomem quase 80% dos recursos alocados à saúde na infância, tornando-as prioritárias em saúde pública.

No Brasil, doenças infecciosas, desnutrição, agravos perinatais e anomalias congênitas continuam a ocupar lugar de destaque no que se refere à saúde infantil. Por aqui, as condições crônicas complexas foram incluídas na Agenda de Saúde da Criança em 2015, passando a ser o eixo estratégico IV de atuação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Vale lembrar que a adoção desta medida estratégica inclui vários desafios, em especial, contemplar de forma equitativa as múltiplas demandas assistenciais, organizacionais e de pesquisa desta prática pediátrica.

Quanto às publicações sobre o tema, o Brasil aparece com 62 publicações, o que equivale a 2% da produção mundial. No artigo publicado pelo periódico internacional, os pesquisadores do IFF e do Observatório de CT&I da Fiocruz comentam: “Essa produção ainda é tímida e muito dispersa no amplo campo das condições crônicas de saúde. Muitos desses artigos enfocam o atendimento de patologias específicas, notadamente doenças renais crônicas, cardiopatias congênitas e câncer. Esse resultado indica que pesquisas e estratégias políticas voltadas para o paciente e suas necessidades de saúde ainda são insuficientes”.

Condições complexas de saúde demandam mais atenção e investimentos

Na conclusão do artigo Crianças com condições crônicas complexas: uma avaliação do ponto de vista de publicações acadêmicas, os autores lembram que o grupo investigado abrange pessoas com diferentes condições de saúde, o que impõe desafios específicos aos sistemas de saúde, seus profissionais e usuários.

Para cuidar dessa população de forma adequada, é preciso adotar planos terapêuticos que não se limitem a tratamentos, mas que contemplem a manutenção e melhoria do seu estado de saúde e qualidade de vida. Por isso, os pesquisadores reforçam a necessidade de adotar uma abordagem multidisciplinar aliada a investimentos em pesquisa. Ou seja: é fundamental prover recursos para a comunidade científica, a fim de ampliar a atenção às crianças com CCC, famílias e profissionais de saúde. A geração desssas evidências permite priorizar investimentos e formular políticas públicas mais adequadas a nossa realidade.

É nesta perspectiva que se inicia a nova etapa do estudo, que terá como recorte o sistema público brasileiro de saúde. “Esse mapeamento da produção científica, com foco no SUS, nos permitirá conhecer as principais linhas de pesquisa no país. Poderemos, por exemplo, aplicar estes conhecimentos no âmbito interno do IFF/Fiocruz, atuando também como referência para outras instituições. Além disso, o trabalho contribuirá para mostrar as lacunas que existem em nosso país. Com isso, é possível projetar políticas públicas adequadas para crianças com condições complexas de saúde”, conclui Lívia. Ela conta que a expectativa é publicar os resultados da segunda etapa do estudo até o final de 2021.

Saiba mais

Acesse o e-book Desospitalização de crianças com condições crônicas complexas: perspectivas e desafios, disponível para download gratuito. A publicação apresenta uma síntese do conhecimento e da experiência de uma equipe multidisciplinar no cuidado às crianças e adolescentes com condições crônicas complexas de saúde em busca de caminhos para a desospitalização segura. Os autores abordam questões enfrentadas por profissionais e usuários de serviços pediátricos e neonatais brasileiros, estimulando uma reflexão sobre o modelo de assistência prestado, a fim de adotar práticas de saúde efetivamente transformadoras.

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