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03/12/2021

Palestra apresenta retrospecto dos 40 anos da luta contra a Aids

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)


Aids 40 anos: lições aprendidas e o que esperar para o futuro? foi o tema de palestra apresentada (1º/12) pela pesquisadora Beatriz Grinsztejn, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), que realizou um amplo apanhado histórico da epidemia no Brasil e no mundo, além de destacar as diversas iniciativas para prevenção e tratamento desenvolvidas ao longo das últimas quatro décadas. A atividade, realizada de modo online, integrou a programação do INI/Fiocruz para celebrar o Dia Mundial de Luta contra a Aids. A data também contou com o tradicional Café Positivo, oferecido aos pacientes, familiares e trabalhadores da unidade da Fiocruz, além da testagem para HIV e hepatite, promovida pela equipe do LapClin Aids aos profissionais da instituição.

 

Diretora do INI/Fiocruz, Valdiléa Veloso abriu a conferência lembrando que, mesmo com todos os esforços realizados no mundo, a Aids continua com um número inaceitável de novas infecções e mortes a cada ano. “Estamos completando 40 anos da identificação dos primeiros casos da doença que veio a se tornar uma grande pandemia, e que persiste até hoje. Aqui no INI possuímos um trabalho, desde meados dos anos 80, contribuindo na resposta brasileira para o seu enfrentamento. Nossa palestrante está no Instituto desde 1988 e dedica sua carreira, nacional e internacionalmente, ao ensino, a pesquisa e a assistência em HIV e Aids, atuando em diferentes comitês, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), a Sociedade Internacional de Aids (IAS), além de chefiar o Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do INI. Vamos continuar trabalhando para que essa luta não perca a força e que a Aids não continue nessa invisibilidade que está tendo atualmente”, destacou Valdiléa.

"Vamos continuar trabalhando para que essa luta não perca a força e que a Aids não continue nessa invisibilidade que está tendo atualmente”, destacou Valdiléa (foto: Antonio Fuchs, INI/Fiocruz)

 

Aids 40 anos: lições aprendidas e o que esperar para o futuro?

“Ao propor esse tema, minha ideia é fazer uma linha do tempo da pandemia e inserir o trabalho desenvolvido na Fiocruz desde os anos 80. Vou falar de alguns aspectos históricos, o momento atual que estamos em relação à pandemia e a perspectiva para o futuro”, informou Beatriz.

Os primeiros casos de Pneumocystis carinii (uma das infecções oportunistas mais frequentes nas pessoas infectadas pelo HIV) foram descritos no início dos anos 1980, em homens homossexuais, e publicados pelo CDC Atlanta. “Foi muito impactante entender esse início da epidemia em um momento que não se tinha a menor ideia da dimensão que traria para a humanidade”, disse. A pesquisadora informou que o vírus do HIV já estava presente na África desde o início do século 20, tendo sido documentado na década de 1970, pois o HIV é uma zoonose que transitou dos primatas para os humanos, inicialmente descrito como tendo acontecido na República Democrática do Congo.

“Apesar de uma experiência muito traumática, foi também de grande aprendizado para todos aqueles que estavam envolvidos com a doença. Aqui no Hospital Evandro Chagas (HEC) não foi diferente. Quando vim para cá, em 1988, abrimos oficialmente um Serviço de Aids. Éramos todos muitos jovens e recém-saídos da residência médica. O primeiro paciente com Aids foi atendido no Hospital em 1986. A então diretora Keyla Marzochi teve essa visão de que o HEC poderia se inserir na pesquisa, no ensino e na assistência em HIV/Aids e isso transformou a história da unidade e da Fiocruz no combate à epidemia no nosso país”, lembrou Beatriz.

Descoberta do vírus e tratamento

A identificação do vírus ocorreu, de fato, pelo grupo francês liderado pela professora Françoise Barré-Sinoussi, que integrava a equipe de Luc Montagnier, ainda nos anos 1980 e, nos Estados Unidos, pelo professor Robert Gallo. “Essa disputa resultou em um acordo que fundou a organização World Aids Foundation (WAF), que passou a financiar projetos de pesquisa pelo mundo. Nosso grupo teve seu primeiro financiamento internacional através da WAF para treinar profissionais de saúde em transmissão vertical do HIV, já nos anos 1990”, lembrou. Já o pesquisador Bernardo Galvão foi o responsável pelo isolamento do vírus HIV no Brasil, possibilitando que a Fiocruz se engajasse no desenvolvimento de kits de diagnóstico para a doença.

“Sempre que falamos de HIV, é importante lembrar que apesar de todos os avanços tecnológicos, de novas formas de tratamento e prevenção, nada vai caminhar se não tivermos uma luta incessante com relação ao estigma e a discriminação", destacou Beatriz (foto: Antonio Fuchs, INI/Fiocruz)
 
 

A azidotimidina (AZT) foi a primeira droga aprovada para combater a doença, também nos anos 1980. Em 1999, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) começou a produção de antirretrovirais, sendo um enorme marco para o Brasil na fabricação desses medicamentos, tornando acessível para a população uma forma de tratamento. “Como não seria possível o controle da infecção utilizando apenas uma medicação, vários estudos são iniciados pelo mundo avaliando terapias dupla e tripla e, em 1996, temos uma publicação com os primeiros dados da terapia antirretroviral combinada e altamente potente chamada Haart. Ainda nos anos 1990, um amplo ensaio clínico avaliou o uso do AZT na prevenção vertical perinatal do HIV da mãe para o filho, sendo um marco enorme para o controle da pandemia e chegando a uma redução de quase 70% da transmissão materno-infantil durante a gestação. O Brasil se engajou no treinamento das equipes de saúde para oferecer as estratégias de controle de transmissão perinatal do HIV, capacitando equipes e montando serviços que pudessem prover essa atenção às gestantes. O INI teve um engajamento muito grande nesse processo e que, posteriormente, se transformou em uma de suas linhas de pesquisa” afirmou a pesquisadora.

A demanda da sociedade civil, junto com os profissionais de saúde, fez com que o governo brasileiro começasse a distribuir o AZT na rede pública e, em 1996, a terapia dupla, de forma consistente, com a inclusão da Haart, tendo sido o Brasil o primeiro país em desenvolvimento a ter um programa de acesso universal feito através do Sistema Único de Saúde.

Nos anos 2000, a epidemia estava fora de controle na África, o que gerou a criação do Fundo Global de Luta contra Aids, Tuberculose e Malária para a distribuição da terapia antirretroviral potente. Com isso, uma nova era na luta contra a doença começou, com foco principalmente na utilização dessa terapia para o controle da transmissão sexual do HIV e qual seu impacto no organismo de casais sorodiscordantes. O INI/Fiocruz foi um dos centros participantes do ensaio clínico HPTN 052, considerado o estudo mais importante de 2011.

Outros estudos foram sendo desenvolvidos para avaliar a terapia antirretroviral potente na transmissão sexual entre homens homossexuais, e o Instituto fez parte do ensaio Os opostos se atraem, que analisou se o uso da terapia antirretroviral potente poderia evitar a transmissão sexual entre eles. “Cria-se o conceito importantíssimo que é a carga viral indetectável tornar essa pessoa um indivíduo que não transmite o HIV. A pessoa tendo a carga viral plasmática indetectável, ela tem também uma carga viral indetectável no líquido seminal e nos tecidos cervicovaginais e isso, de fato, impede que a pessoa transmita o vírus. Esse conceito é absorvido pela comunidade, mas precisa ser mais difundido porque diminui o estigma comunitário e torna a vida das pessoas mais leves, fazendo com que elas exerçam sua sexualidade de forma livre, sem causar mal ao seu parceiro”, salientou.

A partir de 2008 começam os estudos usando a terapia antirretroviral na prevenção da aquisição do HIV, sendo o iPrEX o primeiro ensaio a relatar os dados da eficácia sobre o impacto da profilaxia pré-exposição (PrEP) oral para a prevenção do HIV, realizado entre homens que fazem sexo com homens e mulheres trans, sendo o INI um centro importante na participação e coleta de dados. “Nos diversos estudos realizados sobre PrEP, a proteção é diretamente relacionada à adesão que o indivíduo tem ao uso da profilaxia e isso vai guiar as demais pesquisas desenvolvidas na prevenção do HIV por PrEP, usando esse conceito fortíssimo de que adesão é determinante para sua eficácia”, destacou Beatriz.

“Com os resultados do iPrEX, criamos no INI o PrEP Brasil, que foi um estudo de demonstração de como a profilaxia pré-exposição com tenofovir e entricitabina é possível de ser implementada nos serviços de saúde do SUS”, disse. O ensaio incluiu um número importante de indivíduos em diversos centros pelo país, envolvendo homens que fazem sexo com homens e mulheres trans, e acabou se tornando uma importante estratégia de prevenção contra o HIV no Brasil a partir de 2018. “A experiência que o grupo do INI desenvolveu em estudos de profilaxia pré-exposição, fez com que criássemos o estudo ImPrEP, envolvendo o Peru e o México, sendo um dos maiores ensaios de implementação de PrEP no mundo. Aqui no Brasil ele serve para o acompanhamento da implementação da profilaxia pré-exposição no [Sistema Único de Saúde] SUS, nos dois outros países busca construir evidências para que os governos possam avaliar a incorporação de PrEP”, destacou a pesquisadora.

HIV em números

Estima-se que em 2019 existam 38 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo, com 1,7 milhão de novas infecções por ano e quase 700 mil mortes no mesmo período. “É um número inaceitável de mortes. Nos últimos 20 anos, não tivemos mudança em relação ao número de novas infecções identificadas por ano na América Latina, que está em torno de cem mil. Embora a taxa de mortalidade na região tenha diminuído 21%, quando comparada globalmente, essa redução foi menor. A redução de mortes por HIV no mundo está em torno de 50%. Há também a questão do diagnóstico tardio da doença. No Brasil, em torno de 30% dos novos diagnósticos por HIV ocorrem tardiamente, o que mostra uma falta de controle em relação a epidemia e traz uma dificuldade grande para a redução da mortalidade em nosso país”, informou a médica infectologista

“Tivemos ainda 10 milhões de novos casos de tuberculose no mundo em 2019, e 1,4 milhão de mortes relacionadas a esta doença, sendo que 1/3 das mortes de Aids é causada pela TB. É extremamente importante entender que, ainda hoje, a tuberculose é a maior causa de adoecimento e morte em pessoas com HIV no Brasil e no mundo”, afirmou Beatriz.

Novos tratamentos

A adesão à profilaxia pré-exposição é um dos principais pontos para o controle do HIV, entretanto os pesquisadores seguem trabalhando ativamente no desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente no campo da prevenção, com diferentes estratégias como produtos de longa duração injetáveis ou implantes subdérmicos, por exemplo.

Uma dessas estratégias é o uso de uma injeção a cada oito semanas com a droga conhecida como cabotegravir. O INI participou da liderança do projeto HPTN 083 e foi o site de maior inclusão de participantes no mundo, que comparou a utilização dessa estratégia com o tenofovir e entricitabina, que é combinação disponibilizada para PrEP. “Conseguimos demonstrar uma superioridade do cabotegravir injetável quando comparado ao esquema diário da PrEP. Isso ocorreu porque a adesão ao uso de uma injeção a cada oito semanas se mostrou mais fácil para as populações envolvidas no estudo do que a forma oral. Com uma futura aprovação dessa droga pela Food and Drug Administration (FDA), o Brasil já está engajado em desenvolver um ensaio clínico de demonstração e implementação no SUS, como o feito no PrEP Brasil, para gerar dados nacionais e avaliar uma possível incorporação dessa medicação no nosso sistema de saúde”, afirmou Beatriz.

Outras drogas também estão em desenvolvimento com o mesmo perfil de longa ação como o islatravir, sendo testado com uma pílula única ministrada uma vez ao mês ou na forma de um implante, sendo trocado uma vez ao ano, ou o lenacapavir de forma injetável a cada seis meses. O INI participará de ambos os estudos. Beatriz citou ainda o caso do paciente de Berlim, a primeira pessoa curada do HIV após uma transfusão de medula, o que pode abrir inúmeras possibilidades de novos tratamentos.

A equipe do LapClin Aids ofereceu testagem para HIV e hepatite aos profissionais da instituição (foto: Antonio Fuchs, INI/Fiocruz)

 

Outra frente importante contra a doença é o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV. “Esta é uma pauta bastante complexa. Em 40 anos de pandemia ainda não conseguimos chegar a ela, apesar dos inúmeros estudos e dos enormes investimentos feitos. Atualmente, o INI está participando de um estudo internacional de vacina para a doença, utilizando a tecnologia de mosaico, através do adenovírus 26. O ensaio clínico está sendo conduzido em homens gays, travestis e mulheres trans, mas ainda não houve evidências de que a vacina não está sendo efetiva na prevenção da doença”, destacou.

Por fim, Beatriz Grinsztejn falou sobre uma questão inesperada nessa trajetória de 40 anos da Aids, que foi a pandemia de Covid-19 e as inúmeras consequências que ela trouxe como os impactos social e econômico, de insegurança alimentar e aumento do número de pessoas em extrema pobreza na América Latina. “A ampliação do tratamento antirretroviral sofreu um impacto global e no Brasil isso se traduziu no início do tratamento contra a Aids, que teve uma queda em 2020. Em relação ao uso de PrEP, também percebemos um certo impacto, apesar de pequeno, entretanto, a ampliação do uso da profilaxia pré-exposição no Brasil vem sendo bastante lento”, ressaltou.

“Sempre que falamos de HIV, é importante lembrar que apesar de todos os avanços tecnológicos, de novas formas de tratamento e prevenção, nada vai caminhar se não tivermos uma luta incessante com relação ao estigma e a discriminação que permeiam essa epidemia em suas mais variadas faces. Cada um que está envolvido no cuidado das pessoas vivendo com HIV, tem que estar imbuído no espírito de lutar para que pessoas com menos recursos, e mais vulneráveis socialmente, possam receber os mesmos benefícios que temos disponíveis no SUS, que conta com um programa absolutamente sensacional de controle de HIV no Brasil. Meu desejo é que todas as pessoas vulneráveis ao HIV ou vivendo com a doença possam se beneficiar de tudo que nós temos a oferecer”, encerrou.

Ações do INI pelo Dia Mundial de Luta contra a Aids

O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas promoveu algumas ações para marcar o Dia Mundial de Luta contra a Aids. A manhã começou com o tradicional Café Positivo, oferecido pela Associação Lutando para Viver-Amigos do INI/Fiocruz, aos pacientes e seus familiares, e trabalhadores do INI, na varanda do Pavilhão Gaspar Vianna (Hospital Evandro Chagas). Ao longo do dia, a equipe de educadores comunitários do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids orientava sobre estratégias de prevenção ao HIV, com distribuição de folhetos informativos e preservativos. Por fim, o INI/Fiocruz recebeu um número expressivo de colaboradores da unidade, e da Fiocruz, que se testaram para HIV e hepatites B e C. Todos que foram ao contêiner do LapClin Aids passaram por uma breve entrevista e eram orientados sobre como se prevenir das doenças sexualmente transmissíveis.

Data também contou com o tradicional 'Café Positivo', oferecido aos pacientes, familiares e trabalhadores da unidade da Fiocruz (foto: Antonio Fuchs, INI/Fiocruz)

 

“A pandemia de Aids começou nos anos 1980 e continua até hoje. Mais de 40 milhões de pessoas já morreram por conta da doença no mundo e, em 2020, tivemos 75 mil novos diagnósticos apenas no Brasil. A pandemia continua e é importante se testar, por isso resolvemos fazer essa campanha neste dia 1º de dezembro. HIV e hepatites b e c têm tratamento. Temos também que destacar o trabalho da nossa Associação na busca contínua para acolher e ajudar os pacientes aqui atendidos, principalmente nesse contexto de covid-19, que muito prejudicou a nossa sociedade. O trabalho comunitário que fazemos para disseminar conhecimento com as comunidades e evitar novas infecções pelo HIV, além do acolhimento das pessoas trans aqui no INI são outros pontos fortes do nosso Instituto. Temos que nos orgulha de tudo que realizamos aqui”, destacou Valdiléa Veloso, diretora do INI/Fiocruz, durante o Café Positivo.

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