25/01/2022
A hanseníase, conhecida no passado como lepra, é uma doença incapacitante e que pode trazer danos ao paciente mesmo após a alta médica depois de curado. Uma parceria viabilizada pelo Ministério da Saúde, por meio do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD – Fiocruz Amazônia) e a Fundação Hospitalar Alfredo da Matta (Fuham), unidade de referência no tratamento da doença, permitirá, pela primeira vez no país, a realização de um inquérito de incapacidades físicas ocasionadas pela hanseníase em mais de 200 municípios brasileiros mapeados pelo Projeto Inquérito da Hanseníase no Brasil (Inqhans). O trabalho de campo tem início previsto para março com atividades realizadas por equipes multidisciplinares formadas por profissionais de todo o Brasil e ao final permitirá a criação de um banco de dados nacional sobre as incapacidades físicas pós-cura da hanseníase.
Em alusão ao Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase (26/1) e ao Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas (30/1), a Fiocruz aderiu à campanha Janeiro Roxo. Por essa razão, o Castelo recebe iluminação especial na cor roxa de 25 a 27 de janeiro
“Hoje, esse é um número desconhecido no Brasil. O paciente sai de alta e sai dos registros. Com o tempo, a incapacidade motivada pela doença pode aumentar no pós-cura e é preciso termos políticas públicas para combater esse problema e ajudar as pessoas incapacitadas”, afirma a diretora de Ensino e Pesquisa da Fuham, Valderiza Lourenço Pedrosa, coordenadora nacional do trabalho. Segundo ela, o objetivo do projeto é estimar a magnitude das incapacidades físicas da hanseníase pós-alta por cura no Brasil, visando a implementação de políticas de cuidados voltados para prevenção, reabilitação e cirurgias, evitando piora e melhorando a qualidade de vida desses pacientes.
“A hanseníase é uma doença que ainda ocorre em diversos recortes geográficos brasileiros e esse estudo trará à tona uma realidade até então desconhecida do nosso sistema de saúde”, explica a coordenadora. Para viabilizar o projeto, a coordenação realizou um levantamento dos diagnósticos de hanseníase dos últimos cinco anos que tiveram alta por cura no Brasil. Foi feito um cálculo por amostragem que permitiu identificar os locais para realização das coletas de dados.
O paciente curado pode continuar a viver normalmente, sem as incapacidades físicas que são evitáveis se houver, em tempo hábil, diagnóstico e tratamento, que evitam a piora do caso mesmo após a cura da doença.
Além do Inqhans, o projeto Ação para Eliminação da Hanseníase (Apeli), também viabilizado por meio da parceria com a Fiocruz Amazônia, tem a finalidade de aperfeiçoar as ações de diagnóstico e tratamento da hanseníase, objetivando atingir a eliminação total da doença. Neste caso, o recorte geográfico escolhido é o da região Norte (os nove estados da Amazônia Brasileira), consistindo na capacitação de profissionais de saúde, por meio do sistema de Educação a Distância (EAD), em diagnóstico, tratamento, avaliação de incapacidade, baciloscopia da pele (parte laboratorial), estigma da doença, entre outros aspectos. As capacitações já estão ocorrendo e são feitas por médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e bioquímicos da Fuham.
“Mais de mil profissionais da rede pública dos nove estados da região Norte já estão sendo capacitados, contando inclusive com uma inovação na parte de capacitação laboratorial, que é o uso de uma ferramenta on-line que permite a leitura das lâminas de exames digitalizados, inovação trabalhada pela Fuham em parceria com a Controlab [Controle de Qualidade para Laboratórios], e que permitiu um avanço significativo no treinamento na área de laboratório”, afirma Valderiza.
Os dois projetos juntos permitirão uma visão panorâmica da hanseníase no Brasil e um combate efetivo ao avanço da doença, que continua a crescer e atingir as camadas mais pobres da população brasileira. A Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde tem demonstrado preocupação com a questão, dando apoio a projetos voltados ao controle da hanseníase e à atenção aos portadores em todo o Brasil.
“O Amazonas sempre foi referência no combate à hanseníase, por conta do trabalho da Fundação Hospitalar Alfredo da Matta, que conseguiu reduzir as taxas da doença no Estado e até hoje mantém um rígido controle na detecção e tratamento de novos casos, além das ações de conscientização sobre risco de contaminação. Hoje, infelizmente, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking da doença no mundo, perdendo apenas para a Índia, com uma estimativa de 30 mil novos casos por ano”, afirma a especialista.
A diretora do ILMD/Fiocruz Amazônia, a médica sanitarista Adele Benzaken, ressalta que as ações são de suma importância para uma maior visibilidade ao problema. “Estamos agora no Janeiro Roxo que foi instituído como o mês de sensibilização contra a hanseníase, apoiando projetos que farão frente à atual situação da doença, que enfrenta o agravante de nos últimos dois anos, ter tido os índices de detecção reduzidos à metade em função da pandemia de Covid-19”, observa.
Ela lembra também que essa é uma forma de se trazer à tona a problemática da hanseníase e estabelecer novas políticas públicas de respostas à infecção.
Indicadores
De acordo com o Boletim Epidemiológico 2020, da Fundação Hospitalar Alfredo da Matta, foram notificados 122 casos de hanseníase em Manaus, dos quais 85, o equivalente a 69,7%, foram casos novos, 23 (18,8%) recidivas, 11 (9%) outros reingressos e 3 (2,4%) transferências. Os 85 casos novos detectados em 2020 pela Fuham correspondem a 35,7% dos casos notificados em todo o Estado e 85% dos casos notificados em Manaus. Em todo o estado do Amazonas, o número de registros foi de 310 casos. Conforme explicita o boletim, o quadro aponta a necessidade de implementação cada vez mais efetiva do processo de descentralização das atividades no estado. Em relação a gênero, o predomínio de caso é em homens. O boletim também revela que a detecção de casos em menores de 15 anos é um dos indicadores utilizados para medir a transmissibilidade recente da doença. Em 2020, foram detectados sete casos (8,2%) nessa categoria. No Brasil, foram 17.979 casos.
Dia Mundial da Hanseníase (31/1)
Recordado em todo último domingo de janeiro, o Dia Mundial Contra a Hanseníase é um projeto de luta iniciado há 68 anos pelo missionário que inspirou o surgimento da Brasil Saúde e Ação (Brasa), Raoul Follereau, um jornalista francês que percebeu ser preciso haver compaixão, antes de tudo com aqueles que eram dispensados e isolados da vida em sociedade. Hoje, a doença é completamente tratável e curável de maneira gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma conquista que ainda passa por tribulações devido ao estigma e discriminação.
Desde 2016, o Ministério da Saúde oficializou o mês de janeiro para a conscientização sobre a hanseníase e a cor roxa para pontuar as campanhas educativas sobre a doença que ainda é vista com muito preconceito e desinformação. A hanseníase, anteriormente conhecida por lepra, teve seu nome alterado no Brasil no ano de 1976. Essa mudança ocorreu por uma iniciativa do médico dermatologista Abrahão Rotberg, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal São Paulo (EPM/Unifesp). A finalidade foi reduzir o preconceito em torno desta doença que, por muitos anos, teve seus pacientes sofrendo rejeição e exclusão social.