13/04/2022
Ciro Oiticica e Hellen Guimarães (Agência Fiocruz de Notícias); Valentina Carranza (CUIDA Chagas)
Nesta quarta-feira (13/4), durante o evento Chagas Hoje: Quantos Somos e Onde Estamos?, promovido pelo Ministério da Saúde, a Fiocruz apresentou dois projetos conduzidos pela Fundação e patrocinados pela pasta com o objetivo de contribuir para a erradicação da Doença de Chagas. O IntegraChagas visa à ampliação da oferta de diagnóstico e tratamento na atenção primária, enquanto o CUIDA Chagas foca no controle da transmissão materno-infantil.
As discussões ocorrem em ocasião do Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas. A data é celebrada em 14 de abril e foi instituída em 2019 com o intuito de dar visibilidade às comunidades afetadas pela enfermidade, que integra o grupo de doenças negligenciadas, endêmicas em populações de baixa renda.
"Para a Fiocruz, a doença de Chagas constitui um grande desafio de saúde pública, desde os primórdios da nossa instituição, com a incrível descoberta científica de Carlos Chagas", recordou a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima, durante apresentação no evento. "É um desafio de saúde pública global, em que tivemos avanços, mas ainda temos importantíssimos desafios, daí a necessidade de uma inovação voltada a esse problema", complementou.
Nísia ainda reforçou o lema da campanha do MS. "Ajude-nos a saber quantos somos e onde estamos: esse é o propósito, e além desse conhecimento, é fundamental a intervenção, com base na ciência, na tecnologia e, no caso do Brasil, com base no [Sistema Único de Saúde] SUS. Em todo o mundo, os sistemas de saúde são um pilar ao lado da atividade científica e de inovação para superarmos esse problema de saúde global".
O coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Presidência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio da Cunha, detalhou as barreiras para o diagnóstico e tratamento da doença de Chagas no país. Ele lembrou que somente em 2020 a notificação da doença crônica passou a ser obrigatória, mais de 100 anos depois do agente causador da doença ser identificado, e destacou o impacto da pandemia de Covid-19 nos esforços de erradicação de Chagas.
“A Covid-19 não substituiu quaisquer outras enfermidades existentes, ela se somou a essa realidade. Um país que já sofria com o quadro sanitário anterior recebe uma pandemia e isso nos traz um trabalho ainda maior. O diagnóstico, além de tardio, tem percentual muito baixo: menos de 10% dos casos são diagnosticados. Essa e outras barreiras para o acesso ao tratamento geram complicações, que agravam o quadro. Menos de 1% dos casos são tratados. A atenção primária precisa ser revista, pois temos muitas dificuldades em algumas localidades do país pelo subfinanciamento histórico do SUS”, explicou Cunha.
IntegraChagas
Neste cenário, coordenado pelo Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), o IntegraChagas foi concebido a partir de pesquisas de implementação que caracterizaram os determinantes sociais da doença de Chagas. O produto final são modelos de intervenção capazes de ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento e com potencial de serem replicados em outras localidades.
A partir dessa análise técnica, foram definidos seis municípios atendidos pelo IntegraChagas, considerados prioritários para a vigilância dos casos crônicos: Espinosa e Porteirinha (MG), São Luís de Belos Montes (GO), Iguaracy (PE) e São Desidério (BA), sob a coordenação de Andréa Silvestre de Sousa (INI/Fiocruz) e Alberto Novaes Ramos Jr. (Universidade Federal do Ceará), e o IntegraChagas Amazônia, baseado em Abaetetuba (PA), coordenado por Angela Junqueira (IOC/Fiocruz).
“Iniciativas como o Integra Chagas devem servir de um norte para que possamos trabalhar de maneira muito determinada para combater a forma congênita de transmissão e as outras formas associadas a essa doença”, disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Ao todo, os seis municípios atendidos pelo projeto tinham em 2018 uma população estimada de 304.738 pessoas. A estimativa de infecção é de 6.402 pessoas. A partir da definição dessa população afetada, formulou-se uma metodologia de abordagem dessas pessoas, por meio de aconselhamento, acolhimento, testagem, avaliação clínica, tratamento parasitário e de suporte para casos em que haja necessidade.
“É um atendimento integral, olhando não a doença mas a população acometida por essa enfermidade. A partir desses estudos e cidades iniciais, poderemos oferecer à sociedade brasileira e ao SUS protocolos que, adaptados às suas realidades locais, têm grande potencial de serem replicados em outros cenários brasileiros em maior escala. É uma oportunidade histórica que nós temos para fortalecer o Programa de Controle da Doença de Chagas no Brasil, de forma que as localidades tenham participação ativa e não sejam apenas objeto de intervenção externa, contribuindo para a reconstrução do Brasil pós pandemia”, concluiu Cunha.
CUIDA Chagas
Iniciativa internacional que reúne instituições públicas, organizações da sociedade civil e comunidades em quatro países (Brasil, Colômbia, Bolívia e Paraguai), o CUIDA Chagas são Comunidades Unidas para Inovação, Desenvolvimento e Atenção para a doença de Chagas. No Brasil, o projeto é coordenado pelo INI/Fiocruz. As estratégias e estudos articulados pela iniciativa, inéditos pela sua abrangência e perfil integral, têm como meta contribuir com a eliminação da transmissão vertical da doença de Chagas. A iniciativa implementa abordagens inovadores que buscam consolidar-se como modelos a serem replicados futuramente em contextos de maior escala.
“Queremos demonstrar que, através da atuação de nosso Sistema Único de Saúde, o nosso SUS, é possível sim, mudarmos a história da doença de Chagas e salvarmos uma dívida existente com os milhões de brasileiros acometidos por essa doença”, disse Andrea Silvestre, pesquisadora principal do CUIDA Chagas. Durante o evento, a fala de Andrea foi complementada por um vídeo protagonizado por Joanda Gomes de Araujo, atual presidente da Associação dos Pacientes Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia de Pernambuco (APDCIM/PE).
Com mediação de Henny Heredia, gerente de dados de CUIDA Chagas, representantes das instituições consorciadas no projeto abordaram aspectos da notificação e vigilância conforme as realidades de cada país. Roberto Salvatella, da Organização Panamericana da Saúde (Opas), contextualizou os desafios técnicos e políticos no controle e prevenção da doença de Chagas nas Américas. Já a representante da FIND, Marta Fernández Suárez, complementou sobre os desafios do diagnóstico oportuno e apropriado para a doença de Chagas em comparação às outras doenças negligenciadas e não negligenciadas.
Elvira Hernández, presidente da Federação Internacional de Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS) também formou parte do debate. Ela contextualizou os motivos que levaram a escolher o slogan Ajude-nos a saber quantos somos e onde estamos e relatou o trabalho da associação como plataforma ativista, mas também de cuidado e acolhimento. “Vocês representam a esperança de um diagnóstico seguro, um tratamento em tempo e forma, mas principalmente, que nós, as pessoas afetadas, recebamos um tratamento digno. De vocês dependem nossas vidas e o bem-estar de nossas famílias. Ajude-nos a saber quantos somos e onde estamos”.
Nenhum bebê com Chagas
Outra iniciativa internacional visa à erradicação da transmissão materno-infantil da doença de Chagas. Nenhum bebê com Chagas: o caminho até novas gerações livres de Chagas é um projeto criado oficialmente na 27ª Câmara Iberoamericana de Chefes de Estado e do Governo de Andorra, em abril de 2021. Brasil, Argentina, Colômbia e Espanha são participantes plenos, e El Salvador, Guatemala, Honduras e Paraguai são participantes convidados no intuito de somar esforços e angariar recursos para cumprir os objetivos definidos.
O Brasil preside o projeto, que tem a Fundação Mundo Sano, da Argentina, como unidade técnica. A empreitada tem o respaldo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e está alinhado com a Agenda 2030 da ONU e o guia da OMS. O principal objetivo é contribuir com a eliminação da transmissão materno-infantil a partir de uma abordagem multidimensional, levando em conta as estratégias de controle e prevenção de outras formas de transmissão.
“Os objetivos intermediários que temos para o sucesso do programa são: fortalecer os sistemas e serviços de saúde em todos os níveis, com prevenção, acesso ao diagnóstico oportuno e tratamento a todos aqueles expostos à doença, com ênfase em mulheres com idade fértil, grávidas e recém-nascidos; expandir o acesso ao diagnóstico e tratamento da doença de Chagas, tendo em conta o binômio mãe-filho e os portadores crônicos assintomáticos, que tem a oportunidade de receberem diagnóstico antes de os sintomas se manifestarem; e reforçar os mecanismos de vigilância e entomológica para prevenir a transmissão por outras vias. Isso significa sustentar as conquistas alcançadas na prevenção de transmissão vetorial, transplante de órgãos e transfusão e não ter retrocessos”, detalhou o diretor executivo da Fundação Mundo Sano, Marcelo Abril.