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14/07/2022

'Representações de cientistas são pautadas em estereótipos romantizados', afirma pesquisador

COC/Fiocruz


Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), com ênfase nos estudos de representações de ciência e cientistas na cultura pop, geek e nerd, Fernando Alves é um dos autores do artigo Superaventuras e a representação da ciência: um olhar histórico para as produções cinematográficas sobre O Incrível Hulk nas décadas de 1970 e 2000, publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Assinado com a coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e professora da COC/Fiocruz, Luisa Massarani, e com o professor do Cooperstown Graduate Program/State University of New York (EUA), Erik Stengler, o texto busca analisar como as representações de ciência e de cientistas mudaram historicamente nos filmes do Hulk, desde as primeiras produções nos anos 1970 até as mais atuais do século 21.

Alves: as representações de ciência e cientistas são pautadas em estereótipos romantizados desconectados da imagem social do cientista como profissão, diminuindo a validade do cientista, colocando mais ênfase e importância nas instituições governamentais, nas forças armadas e/ou nas grandes empresas que utilizam do conhecimento científico para obterem ganhos econômicos, políticos e sociais (Foto: Divulgação)

 

Fã de histórias em quadrinhos e doutorando em Ensino em Biociências e Saúde no Programa em Ensino em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Fernando explica a escolha do personagem Incrível Hulk para se observar como eram e são tratadas questões relativas a ciência, tecnologia e saúde em filmes de super-herói. De acordo com ele, “as representações de ciência e cientistas são pautadas em estereótipos romantizados desconectados da imagem social do cientista como profissão”.

COC/Fiocruz: Por que a escolha do Incrível Hulk para pensar a representação da ciência e dos cientistas no cinema?

Fernando Alves: A escolha do Incrível Hulk para pensar a representação da ciência e dos cientistas no cinema foi porque a história de origem desse personagem é baseada em duas famosas obras literárias O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde ,de R.L. Stevenson, escrito em 1886, e Frankenstein, de Mary Shelley, publicado em 1818. E as narrativas do personagem Incrível Hulk são baseadas em questões relativas à ciência, tecnologia e saúde durante todas as publicações do século 20 e continuam presentes no século 21, em que o cientista e a ciência podem ser idealizadas para grandes feitos. No entanto, dependendo das aplicações, podem gerar medo, repulsa e sofrimento, pois abordam temas científicos controversos (genoma humano, clonagem, transgênicos, usos nucleares, segurança pública e políticas de sigilo), especialmente ligados a testes em seres humanos, que precisam ser debatidos em comissões de ética.

COC/Fiocruz: Qual era a representação da ciência e dos cientistas nos primeiros filmes do Hulk dos anos 1970?

Fernando Alves: As produções dos anos 1977 e 1978 exibem narrativas do gênero drama romântico, em que os cientistas encontram situações problemas a nível pessoal e cotidiano. A representação geral desses cientistas é de profissionais que trabalham em instituições, suas funções estão ligadas a pesquisas vinculadas a um empregador. Eles têm acesso a equipes, laboratórios bem equipados e recursos financeiros que os viabilizam a exercerem suas atribuições científicas para pesquisas que beneficiem a sociedade. Enquanto os temas científicos têm como foco pesquisas nas áreas de: (1) ciências biológicas, com ênfase nas questões básicas de genética, a sequência do DNA e a função das mitocôndrias; (2) física nuclear, em que a radioatividade gama age como influência na mudança do DNA e (3) a neurociência como uma possível terapia para problemas psicológicos.

Imagem da série de TV da década de 1970, O Incrível Hulk

 

COC/Fiocruz: Como esta representação se transformou dos primeiros filmes nos anos 1970 até hoje?

Fernando Alves: As representações nos filmes da década de 1970 são dramas românticos, enquanto a ciência nos filmes dos anos 2000 está mesclada em situações de ação explosiva e aventura. Os assuntos de ciência apresentados nos filmes coincidem com os assuntos de ciência efervescentes em suas respectivas épocas. Na década de 1970, o enfoque se deu nos efeitos radioativos das práticas de física nuclear e os estudos em saúde mental com a expansão dos centros universitários, dos movimentos sociais com ideais pacíficos contra a Guerra do Vietnã. Já nos filmes dos anos 2000, a ênfase foi dada à engenharia genética condizente com o desenvolvimento do Projeto Genoma Humano, formado por pesquisas colaborativas internacionais com objetivo de entender mais sobre o DNA e buscar possibilidades para cura e imunidade contra doenças que afligem os seres humanos.

COC/Fiocruz: Que estudos serviram de referência para a análise da relação entre super-heróis e ciência?

Fernando Alves: As referências para a análise da relação entre super-heróis e ciência foram várias. Para estruturar a metodologia foram utilizadas as Teorias de representação social, de Serge Moscovici; a Análise de conteúdo, de Lawrence Bardin; a Análise comparativa de filmes, de Lothar Mikos; e os Estudos de mídias e significados culturais, de David Kirby. Enquanto na parte de refletir as ligações científicas nas histórias de super-heróis foram trabalhos como A ciência dos super-heróis, de Lois Gresh e Robert Weinberg; A ciência dos superpoderes, de Juan Scaliter; e em especial, a dissertação e a tese do professor Robson Santos Costas, que pesquisa e analisa linguagens contemporâneas através da construção de memórias a partir de adaptações cinematográficas e histórias em quadrinhos de super-heróis.

COC/Fiocruz: Quais as principais críticas da academia às representações da ciência no cinema?

Fernando Alves: Não sei se podem ser consideradas como críticas da academia, porque o foco da pesquisa não foi a percepção dos pesquisadores sobre as representações de ciência em filmes, porém, dois aspectos chamam a atenção. Primeiro que os filmes são produtos de entretenimento, especialmente filmes de super-heróis, que por muito tempo foram considerados unicamente voltados para crianças e adolescentes, na maioria das vezes desvinculados da realidade e sem valor acadêmico. E, segundo, que as representações de ciência e cientistas são pautadas em estereótipos romantizados desconectados da imagem social do cientista como profissão, diminuindo a validade do cientista, colocando mais ênfase e importância nas instituições governamentais, nas forças armadas e/ou nas grandes empresas que utilizam do conhecimento científico para obterem ganhos econômicos, políticos e sociais.

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