17/05/2023
Clarissa Viana (Cidacs/Fiocruz Bahia)
Quais os impactos dos quadros mais graves da Covid-19 na gestação? Segundo artigo publicado na revista BMC Pregnancy and Childbirth, a chance de morte do feto foi quatro vezes superior em gestações durante as quais as mulheres tiveram Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Esse risco aumentou ainda mais quando o quadro de SRAG na gestante foi acompanhado de parto vaginal (risco 7,06 vezes maior), ou quando houve necessidade de internação da gestante na Unidade de Terapia Intensiva UTI (risco 8,79 vezes maior) ou uso de ventilação mecânica (risco 21,22 vezes maior).
Segundo a investigação, quanto maior a gravidade do quadro clínico, maior a chance de perda do bebê (imagem: Cidacs/Fiocruz Bahia)
Para investigar a associação entre o risco de morte fetal e a SRAG durante a gravidez, os pesquisadores acompanharam gestantes que precisaram de internação hospitalar com sintomas respiratórios, no estado da Bahia. O estudo foi realizado a partir da integração dos dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sivep).
Segundo a investigação, quanto maior a gravidade do quadro clínico, maior a chance de perda do bebê. “O risco foi crescente de acordo com a gravidade do quadro clínico, por exemplo, se a gestante necessitou de internação em UTI, ou de respirar com ajuda de aparelhos, a chance de morte fetal foi de 8 até 21 vezes maior”, explica a pesquisadora que liderou a pesquisa, Rita Carvalho Sauer, servidora da Vigilância Epidemiológica no Núcleo Regional de Saúde Leste, da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia e doutoranda em Epidemiologia no Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia.
Por conta da maior demanda metabólica de gestar um feto, em geral, as mulheres grávidas são menos tolerantes à falta de oxigenação no sangue. “Se o funcionamento pulmonar da gestante está prejudicado pela síndrome respiratória aguda grave, a oxigenação do feto pode ficar deficiente, levando ao sofrimento fetal e até o óbito”, explica.
Os achados indicam a necessidade do monitoramento cuidadoso dos casos de infecção para evitar possíveis complicações, bem como de adoção de medidas preventivas no parto. “O parto vaginal em mulheres com síndrome respiratória aguda grave também elevou a chance de morte do feto, provavelmente porque o trabalho de parto demanda um grande gasto energético do organismo materno”, afirma a pesquisadora. O parto cesáreo em gestantes com SRAG não se associou ao óbito fetal, mas novos estudos são necessários para avaliar a sobrevivência destes recém-nascidos.
Importância da prevenção
Os pesquisadores alertam para a necessidade de se priorizar as gestantes nas ações preventivas contra o Sars-CoV-2 e outros vírus respiratórios. Ações como evitar contato com pessoas doentes, estar com a vacinação atualizada e utilizar máscaras sempre que precisar estar em ambientes aglomerados são cuidados simples que podem prevenir grandes problemas para as gestantes e seus bebês.
“A Covid-19 pode ser perigosa em qualquer momento da gestação, mas esse estudo mostrou que a maioria dos casos de síndrome respiratória aguda grave ocorreu no terceiro trimestre da gravidez. Este achado alerta para a necessidade de maiores cuidados, principalmente a partir das 27 semanas de gestação”, destaca Rita.
As gestantes são mais propensas às complicações das infecções virais, como infecções bacterianas secundárias, coagulação intravascular disseminada e falência de múltiplos órgãos. Além disso, a Covid-19 durante a gestação pode favorecer a ocorrência dos problemas de coagulação na mãe e elevar os riscos de lesões na placenta.
“Caso a gestante apresente sintomas respiratórios, mesmo que leves, é muito importante que procure por cuidados médicos e que seja adequadamente avaliada, tratada e monitorada até a cessação desse quadro clínico. E diante de qualquer sintoma de desconforto respiratório ou falta de ar, a mulher grávida precisa procurar o pronto atendimento o mais rápido possível, para que a equipe médica avalie quais intervenções serão necessárias para evitar complicações mais graves”, ressalta.
Metodologia
Durante o período analisado (janeiro de 2019 a junho de 2021), foram reportados 479.038 nascimentos, 333 mortes de gestantes, 6.841 mortes fetais, além de 13.077 mulheres em idade reprodutiva que tiveram SRAG. Foram descartados os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave que ocorreram em período anterior à pandemia de Covid-19 e de mortes fetais que ocorreram simultaneamente à morte da gestante.
Após o processo de integração dos dados, foram identificadas 765 mulheres que apresentaram SRAG durante a gestação, na pandemia de Covid-19, consideradas como “grupo exposto”. Estas mulheres apresentaram sintomas respiratórios intensos como febre e tosse, acompanhadas de dispneia, baixa oxigenação e insuficiência respiratória. Já o “grupo não exposto” foi formado por mulheres que tiveram a gestação no período anterior à pandemia (em 2019) e não tiveram problemas respiratórios graves (SRAG) – um total de 200.214 gestantes.
Imagem: Cidacs/Fiocruz Bahia
Os dois grupos participantes – com e sem SRAG – foram formados principalmente por mulheres com idade entre 20 e 35 anos (65,9% e 70,1%), pardas (75,5% e 76,6%), com ensino médio incompleto (59,3% e 62%) e solteiras (64,4% e 52,7%), respectivamente. Entre as 765 gestantes que foram internadas com Síndrome Respiratória Aguda Grave, 37,38% (286) foram encaminhadas para a Unidade de Terapia Intensiva e 16,6% (127) precisaram de ventilação mecânica.
Foram incluídas variáveis sociodemográficas como anos de escolaridade, raça/cor, estado civil e índice de desenvolvimento humano (IDH) do município de residência. Além disso, foram analisadas as características da gravidez como tipo de gestação (um único feto, gêmeos ou mais); quantidade de gestações anteriores; sexo do feto; tipo de parto (vaginal ou cesáreo), presença de anomalias congênitas fetais, idade gestacional em semanas, e se houve morte fetal.
O estudo contou com a participação de pesquisadores da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), da Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB) e da London School of Hygiene and Tropical Medicine.