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09/08/2023

Estudo aborda redução de casos de esquistossomose e ancilostomíase no Brasil

Fiocruz Minas


Inquéritos realizados no Brasil, entre os anos de 1947 e 2015, para verificar a prevalência de duas importantes doenças causadas por vermes, a esquistossomose e a ancilostomíase, constataram uma diminuição na ocorrência dessas enfermidades. Agora, uma pesquisa da Fiocruz Minas avaliou os fatores relacionados a essa redução, verificando, principalmente, a influência das melhorias sanitárias. Os resultados apontaram que a queda no número de casos de ambas as doenças está diretamente relacionada a um fator em comum: o acesso ao esgotamento sanitário. O estudo é o primeiro a caracterizar uma evolução histórica das condições de vida da população no decorrer de quase setenta anos e a traçar um panorama sobre os determinantes do declínio dessas doenças em todo o território nacional, ao analisar dados de municípios situados nas cinco regiões do país.

“Os inquéritos mostravam uma queda na prevalência das doenças, mas não investigavam o que poderia estar levando a essa diminuição. Nosso trabalho teve por objetivo estabelecer essa relação e, para isso, caracterizamos a evolução de uma série de condições da população brasileira, ao longo das sete décadas em que os inquéritos foram realizados. Confirmando nossa hipótese, o acesso ao esgotamento sanitário esteve associado à redução das duas doenças”, explica Mariana Cristina Silva Santos, que desenvolveu a pesquisa durante o doutorado realizado por meio do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Fiocruz Minas, sob orientação do pesquisador Léo Heller e coorientação da professora Sueli Mingotti, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para fazer a análise, Mariana se baseou em dados dos três inquéritos nacionais de prevalência das doenças já realizados no país, nos períodos de 1947-1953, 1975-1979 e 2010-2105, bem como em dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em que se obtiveram informações sobre aspectos demográficos, socioeconômicos e acerca de fornecimento de serviços. A pesquisadora também fez uma revisão bibliográfica destas doenças nos demais países da América Latina, por meio da qual foram levantadas outras informações conjunturais em relação ao período analisado. As associações entre a prevalência das doenças e os possíveis fatores foram feitas por meio de modelos estatísticos.

Na análise da esquistossomose, foram usados os dados dos três inquéritos, resultando em uma amostra composta por 1721 municípios, nos quais foram examinados 1.182.339 estudantes com idade entre 7 e 14 anos. Para a ancilostomíase, apenas o primeiro e o último foram utilizados, uma vez que a doença não foi incluída no segundo inquérito, contemplando 1428 municípios e um total de 745.983 escolares de 7 a 14 anos. Os anos de 1950, 1977 e 2013 foram adotados como período de referência para a análise dos dados.

Resultados

Entre os municípios que compõem a amostra da esquistossomose, a prevalência da doença foi de 8,3% para o período de referência 1950, 4,8% para 1977, e 0,8% para 2013. Para os componentes da amostra de ancilostomíase, a prevalência foi de 47,4%, em 1950, caindo para uma média de 0,3%, em 2013.

Fator mais fortemente associado à redução das duas doenças, a cobertura da rede de esgoto aumentou 12 vezes entre os municípios que compõem a amostra da esquistossomose, passando de 2,6%, em 1950, para 30,6%, em 2013. Entre os municípios constantes na amostra da ancilostomíase, o resultado foi bem parecido, passando de 2,6%, em 1950, para 31%, em 2013, representando um aumento de 11,9 vezes.

“Embora ao longo dessas sete décadas, as políticas de saneamento tenham sido instáveis e descontínuas, as intervenções voltadas para a melhoria do acesso à rede de esgoto contribuíram significativamente para reduzir a prevalência das doenças. Isso significa que, se tivermos políticas mais consistentes, os resultados serão ainda melhores”, afirma Mariana.

O pesquisador Léo Heller concorda que, mesmo com tantas limitações nas políticas públicas de saneamento, houve muito benefícios em termos de prevalência das doenças, mas destaca que ainda há muito a ser feito. “Porque o que a rede de esgoto faz? Afasta os dejetos da casa das pessoas, mas de nada adianta se forem levados para as coleções de água. É preciso tratar o esgoto, removendo os ovos dos parasitas causadores das doenças”, explica.

Nesse sentido, segundo o pesquisador, é motivo de preocupação as alterações sofridas pelo marco do saneamento, em julho de 2020, incentivando fortemente a prestação dos serviços por empresas privadas. “Esse novo marco é bastante economicista, e a implementação do tratamento do esgoto pressupõe investimentos que diminuem os lucros. Além disso, a tendência é que as empresas privadas se disponham a oferecer os serviços somente em regiões lucrativas, o que pode gerar ainda mais desigualdades, pois municípios pobres e pequenos poderão ficar descobertos. Isso tudo associado a uma regulação frágil é bastante preocupante”, avalia.

A associação entre a disponibilidade de rede de esgoto e a redução na prevalência das doenças verificada pelo estudo vai ao encontro dos resultados de outras pesquisas nacionais, realizadas até o momento em nível local, que também relacionam a melhoria em saneamento à menor probabilidade de infecções.

Os resultados também dialogam com um documento elaborado pela Fiocruz, por meio do Fio-Schisto, em que se ressalta a importância do saneamento para o controle das doenças. O documento, entregue ao Ministério da Saúde recentemente, analisa a viabilidade de aplicação no Brasil das recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que propõe, entre outras medidas, a medicação em massa para o controle da esquistossomose. Para a Fiocruz, essa recomendação não se adequa à realidade brasileira, uma vez que a prevalência é baixa, e, portanto, investir em saneamento é a medida mais eficaz.

Outros fatores

Outro aspecto que esteve associado à diminuição da prevalência das duas doenças é a urbanização. De acordo com o estudo, o percentual de municípios predominantemente urbanos foi de 25,6%, em 1950, a 68,4%, em 2013.

Em relação à esquistossomose, outro fator associado à redução da prevalência da doença foi a condição de ocupação do domicílio, sendo que morar em casa própria influenciou de forma positiva. Já a prevalência da ancilostomíase foi impactada pelo PIB per capita, que é a soma das riquezas do município dividido pelo número de habitantes. Um PIB mais elevado esteve associado à diminuição do número de casos da doença.

“Esses dois fatores, condição de ocupação do domicílio e PIB per capita, estão relacionadas ao status econômico e demonstram que a estrutura socioeconômica pode produzir e condicionar a distribuição das doenças entre a população. Nossos achados mostram, então, que a redução da prevalência dessas doenças, ao longo de sete décadas, pode ser explicada pela combinação de diversos fatores, que inclui questões ambientais, demográficas e socioeconômicos”, afirma Mariana.

Esquistossomose e ancilostomíase

A esquistossomose, também conhecida como xistose, é uma doença causada pelo Schistosoma mansoni, parasito que tem nos seres humanos seu hospedeiro definitivo, mas necessita de caramujos como hospedeiros intermediários para desenvolver seu ciclo evolutivo. A transmissão desse parasito se dá pela liberação de seus ovos, através das fezes de pessoas infectadas. Em contato com a água, os miracídios eclodem e infectam os caramujos, que, algum tempo depois, liberam cercárias, que penetram na pele ou mucosa das pessoas, reiniciando o ciclo.

A doença apresenta duas fases durante seu processo evolutivo: aguda e crônica. Na primeira fase, os principais sintomas podem ser vermelhidão e manifestações de coceiras e dermatite na pele, febre alta, fraqueza, enjoo, vômitos, tosse, diarreia e rápido emagrecimento. Na fase crônica, a mais grave, os sintomas são o aumento do abdômen e de órgãos como fígado e baço, hemorragias ao defecar, fadiga, cólica, prisão de ventre, cirrose e o aparecimento de ínguas em diversas partes do corpo.

Já a ancilostomíase, popularmente conhecida como amarelão ou doença do Jeca Tatu, é uma doença causada por vermes nematódeos das espécies Necator americanus e Ancylostoma duodenale. O ciclo de vida é direto e não possui hospedeiros intermediários, podendo os seres humanos servirem de hospedeiros definitivos. Nas fezes da pessoa contaminada com o verme adulto, existem ovos que se desenvolvem em larvas no ambiente e, quando em contato com o corpo humano, perfuram a pele e atingem a circulação. Pelo sangue, são levadas ao coração e pulmões, até chegar no intestino delgado, onde se fixam, se alimentam, crescem e se reproduzem.

Entre os sintomas da doença estão palidez, desânimo, dificuldade de raciocínio, cansaço, fraqueza, hipertensão, tonturas e dores musculares, abdominais e de cabeça. Caso não haja tratamento oportuno, a ancilostomose é ainda mais perigosa nas mulheres grávidas, afetando o desenvolvimento do feto, e nas crianças, podendo ocasionar retardo mental e físico.

Para saber mais sobre o estudo, acesse os artigos publicados nos veículos científicos Plos Neglectec Tropical Diseases e ScieneDirect

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