11/11/2024
O projeto Poluição do ar em Salvador: uma abordagem em análise de riscos para tomada de decisão avalia, há quase 20 anos, a qualidade do ar da capital baiana. A iniciativa da Fiocruz Bahia partiu da ausência total de dados sobre o ar da cidade, realizando biomonitoramento através de análises de microscopia eletrônica em bromélias Tillandsia usneoides (conhecidas como barba de velho), em 2005, e alcançou uma agenda pública em poluição do ar e mudanças climáticas em Salvador. Este ano o estudo concorreu ao Prêmio Espírito Público, classificado entre os três melhores projetos na categoria Saúde.
O trabalho, coordenado pela pesquisadora da Fiocruz Bahia, Nelzair Vianna, detectou a presença de poluentes, como material particulado (MP), dióxido de nitrogênio (NO2) e dióxido de carbono (CO2) no ar da cidade. Análises específicas foram feitas para caracterizar o material particulado da atmosfera urbana onde foram detectados metais, a exemplo de cádmio, cromo e chumbo. Estas partículas de 2,5 micrômetros (MP 2.5), são tão finas que podem penetrar profundamente nos pulmões.
Com os resultados da pesquisa, a cientista buscou os gestores públicos municipais, que desde então passaram a implementar algumas medidas e a participar pelo C40 Cities Climate Leadership Group, da rede internacional de qualidade do ar, para desenvolvimento e implementação de políticas e programas que gerem reduções mensuráveis nas emissões de gases de efeito estufa e riscos climáticos. Em setembro de 2023, Salvador se tornou signatária do Programa Acelerador Cidade Ar Limpo do C40.
“Para redução da poluição do ar nas cidades, as principais medidas são melhorar o transporte público utilizando combustíveis menos poluentes ou veículos elétricos, investir na mobilidade ativa através de construção de ciclovias e arborização. Outras iniciativas devem ser estimuladas para interromper a cadeia de emissões como investir no processo educativo do cidadão para mudança de comportamento e mudanças no padrão de consumo, com resultados mais a longo prazo”, declara.
Foram instaladas oito estações automatizadas, a partir das articulações intersetoriais dessa agenda, que geram dados diários sobre a qualidade do ar e implementada uma rede de sensores de baixo custo, com projetos liderados pela pesquisadora, para avaliar a poluição em áreas de vulnerabilidade ambiental e social. Em Ilha de Maré, Ilha dos Frades e no Subúrbio Ferroviário, regiões de Salvador historicamente impactadas pela proximidade com fontes industriais, foram instalados 10 sensores em escolas e Unidades Básicas de Saúde, que medem a presença de material particulado MP 2.5, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e ozônio, além de umidade e temperatura.
“Utilizamos ainda o biomonitoramento nessas áreas e o que temos observado, para nossa surpresa, é que embora a Ilha de Maré seja uma área sob influência das emissões industriais, o subúrbio apresentou níveis mais elevados de contaminação por metais nas amostras analisadas, o que pode estar relacionado a emissão veicular, evidenciando o impacto do transporte como principal fonte emissora no continente”, afirma Nelzair. Os resultados devem servir de apoio para propostas de regulamentação para padrões de qualidade do ar e mitigação das fontes emissoras.
Ciência e tomada de decisão
Os pesquisadores fizeram uma análise de benefícios de uma ação climática considerando o Sistema de Transporte Coletivo de Salvador e entre 2014 e 2015 a frota de ônibus foi modernizada em 28% do total, mudando para veículos com padrão de emissões menos poluente, de Euro II para Euro VI. Também foram construídas ciclovias e elaborado um plano de arborização.
“Esse resultado mostrou o quão importante é a uma evidência científica para a tomada de decisão em política pública. A partir dos nossos estudos, apresentamos um dado científico que facilitou o diálogo com a gestão, pois eles entenderam que estes resultados demonstraram não só impacto na saúde, como também econômico”, conta.
Com a melhoria da qualidade do ar observada, os pesquisadores realizaram um estudo dos impactos na saúde, no ambiente e econômicos, desenvolvendo cenários para avaliar se a frota de ônibus da cidade fosse toda substituída por veículos Euro VI ou elétricos. A pesquisa, que utilizou dados de internamentos e mortes por doenças respiratórias e cardiovasculares, foi publicada no relatório do C40, Benefits of Climate Action Salvador: Benefits of Upgrading the Municipal Bus Fleet.
Em termos ambientais, quanto à emissão de MP2.5, o documento aponta que se toda frota fosse modernizada para Euro VI, a redução seria de aproximadamente 2,3% nas emissões. A redução nas emissões de CO2 em toda a cidade associada à modernização para conformidade Euro VI não foi significativa, mas reduziu o material particulado que é o principal poluente associado aos desfechos de saúde. No entanto a substituição pela frota elétrica pode ter impacto direto nas mudanças climáticas, pois acarretaria a redução de CO2 em cerca de 5,03%, já que os veículos movidos à energia elétrica não liberam CO2, principal gás de efeito estufa.
Os pesquisadores estimaram que cerca de 10 mortes seriam evitadas anualmente e a expectativa de vida aumentaria em 2 dias por pessoa, caso toda frota fosse Euro VI. Caso todos os ônibus fossem elétricos a quantidade de mortes evitadas seria de 39 por ano e a expectativa de vida aumentaria em 8 dias. No âmbito econômico, o gasto de 19,4 milhões de reais seria evitado devido à redução da mortalidade pela mudança nos níveis de MP 2.5, na substituição por Euro VI. Se toda frota fosse modernizada para elétrica o valor poupado subiria para 72 milhões.
Letramento em saúde planetária
O projeto de pesquisa também inclui educação médica em saúde planetária e trabalho em escolas. “Nós estamos discutindo muito o letramento em saúde planetária, que é fazer com que as pessoas tenham acesso à informação, compreendam essa informação, avaliem se elas fazem sentido para sua vida e tomem decisão informada a partir disso”, explica.
Uma parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora e a Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, em Minas Gerais, promove uma vivência no território, onde estudantes de medicina são levados para fazer uma imersão na Ilha de Maré para reconhecer riscos e vulnerabilidades. O objetivo é que os alunos percebam o quanto a poluição e as mudanças climáticas podem impactar a saúde da população. Já nas escolas secundárias a ideia é engajar os estudantes na ciência cidadã, onde são realizadas oficinas para apresentar os métodos utilizados na mensuração da poluição do ar, estimulando que os dados gerados pela pesquisa possam ser utilizados em trabalhos escolares.