12/11/2024
Isabella Motta (Icict/Fiocruz)
“Passamos pelo menos cinco anos tendo que iniciar nossas apresentações explicando que as mudanças climáticas, sim, existem”. A lembrança é da pesquisadora Renata Gracie, integrante do Observatório de Clima e Saúde, que completa 15 anos em 2024. A fala remete a um momento (não muito distante) em que as alterações no clima do planeta ainda não eram encaradas com a urgência necessária, mas o Observatório já estava constituído e trabalhando.
Ligado ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), o Observatório foi criado em 2009 com o objetivo de reunir e analisar dados gerados por diferentes instituições a fim de relacionar as mudanças climáticas e ambientais com a saúde. As informações coletadas resultam em sistemas, mapas e gráficos, além de subsidiar o Observatório na publicação de livros, artigos científicos e notas técnicas e na elaboração de cursos e oficinas.
“Nossa ideia sempre foi ter representantes de várias áreas no Observatório, como pesquisadores, gestores e sociedade civil. O primeiro encontro serviu para que todos contassem o que faziam, para que pudéssemos começar a trabalhar de um ponto comum”, lembra Renata, que participa do projeto desde o início.
A iniciativa nasceu a partir do desenvolvimento de um sistema de qualidade de água, saneamento e doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI), com financiamento do Programa de Indução à Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico (PIPDT) do Icict/Fiocruz. A partir desta primeira iniciativa, o Ministério da Saúde solicitou a elaboração de outro sistema, desta vez voltado para mudanças climáticas. Àquela altura, a ideia de emergência climática parecia mais distante.
Em um primeiro momento ficou acordado entre os participantes que o Observatório utilizaria informações levantadas em todo o Brasil e fecharia as análises em quatro áreas de interesse, que se mantêm até hoje: água, ar, vetores e eventos extremos (desastres). As informações também teriam que ser públicas, com acesso irrestrito.
“Os dados do Observatório de Clima e Saúde não são apenas dados de saúde, são dados de interesse para a saúde, que ajudam a entender um contexto. Não produzimos dados, nós os transformamos em informação útil para o diagnóstico de uma situação de saúde, por exemplo, para avaliar contextos de leptospirose ou dengue”, explica o pesquisador do Icict/Fiocruz e coordenador do Observatório, Christovam Barcellos.
A trajetória do Observatório pode ser contada por meio de marcos: quando as primeiras informações foram depositadas no sistema; quando os pesquisadores conseguiram cruzar os dados e analisar as informações pela primeira vez e quando o projeto começou a oferecer cursos para capacitar outros pesquisadores a utilizar o sistema. O pesquisador Diego Xavier destaca, ainda, as parcerias internacionais, que “abriram um leque de oportunidades para o nosso trabalho”.
Ao longo dos anos, o Observatório se tornou referência na análise e disseminação de informações sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde, colaborando para a elaboração de políticas públicas. “O observatório acumulou um vasto conhecimento e estudos detalhados sobre o aumento da incidência de doenças relacionadas ao clima, analisando os impactos da devastação ambiental sobre populações tradicionais e originárias, como povos indígenas, quilombolas, caiçaras e ribeirinhas", afirma Diego.
Essa expertise é essencial para a compreensão dos riscos emergentes e para o desenvolvimento de estratégias de atenção, prevenção e promoção da saúde”, avalia o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz), Hermano Albuquerque de Castro. “Nos últimos 15 anos, o Observatório tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de sistemas de vigilância para o monitoramento dos impactos das mudanças climáticas na saúde, com especial ênfase nas queimadas no Brasil, principalmente na região Amazônia legal e no centro-oeste. É necessário ressaltar, ainda, a importância na promoção da conscientização sobre a interconexão entre saúde e clima”, elogia.
Parcerias com instituições nacionais e internacionais
O Observatório de Clima e Saúde é fruto de inúmeras parcerias. Além dos pesquisadores do Icict/Fiocruz, também estão envolvidas outras unidades da Fiocruz, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) e Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), além de organizações externas como Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outras.
Nos últimos anos, o Observatório vem se destacando pela ampliação do trabalho em colaboração com outras instituições, de dentro e fora do Brasil. Atualmente, o Observatório possui cooperação com o órgão francês Institut de Recherche pour le Développement (IRD), na Guiana Francesa, por meio do Laboratório Internacional Misto (da sigla em francês, LMI) para o monitoramento de doenças transmitidas por vetores na Amazônia.
E em abril deste ano, a equipe do Observatório esteve em Santiago, no Chile, para participar de um seminário como parte do acordo de cooperação internacional firmado entre a Fiocruz e o Ministério da Saúde do Chile. O acordo, assinado em novembro de 2023, prevê a criação de um observatório de clima e saúde chileno, a partir da experiência do projeto brasileiro.
O Observatório de Clima e Saúde também vem intensificando as parcerias com as populações periféricas, dando suporte e treinamento para que elas atuem diretamente na geração cidadã de dados. Esse movimento teve início durante a pandemia de Covid-19.
Em junho foi lançado o Mapa de Potencialidades das Periferias, uma parceria entre Observatório, Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades. O lançamento aconteceu durante o 1º Encontro Nacional de Observatórios de Saúde nas Periferias, no Rio de Janeiro.
O Mapa reúne informações sobre empreendimentos de mais de 10 mil periferias urbanas de todos os estados do Brasil. São iniciativas nas áreas de saúde; assistência social; educação e pesquisa; meio ambiente e proteção animal; cultura e recreação; religião; habitação; desenvolvimento e defesa de direitos humanos; associações patronais, profissionais e entidades de produtores rurais, além de comércios locais.
"Nós percebemos que, quanto mais essas organizações se estabelecem nesses territórios, mais a qualidade de vida dessas pessoas melhora. Queremos criar uma rede em que as pessoas olhem, se inspirem e se desenvolvam”, contou a pesquisadora Renata Gracie, durante o lançamento da iniciativa. Ela, que atuou diretamente no desenvolvimento da plataforma, já percebe uma mudança de olhar para essas informações, antes responsabilidade exclusiva de grandes centros de pesquisa. "De forma geral, muitos grupos de populações periféricas têm levantado seus próprios dados. Muitas vezes, elas têm especificidades que não são levantadas pelo Censo, por exemplo, mas que o próprio Censo está revendo. Prova é que o termo 'favela' voltou ao questionário", avaliou.
Para além do trabalho com os dados realizado pelos pesquisadores, o Observatório se consolida como um importante tradutor das mensagens que o meio ambiente vem enviando aos pesquisadores. “A gestão pública sempre enfrenta dificuldade de recursos. O que tentamos fazer é priorizar o diagnóstico de situações de saúde, que vai apontar onde a situação está pior e precisa de investimentos mais urgentes. Isso é um poder do Observatório”, reflete Christovam. “E no momento em que a sociedade civil tem acesso a essas informações e entende o quanto ela será afetada pelas mudanças climáticas, ela cobra melhor as ações do poder público”.
Leia mais no site do Icict/Fiocruz.
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