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28/01/2008

Isolamento do HIV-1 mudou a história da epidemia de Aids

Bel Levy


Um programa nacional que é referência mundial em HIV/Aids e proporciona a distribuição gratuita de preservativos e medicamentos a toda a população brasileira; redes de monitoramento da resistência de pacientes à terapia anti-retroviral que garantem a eficácia do tratamento e o aumento da sobrevida de pessoas vivendo com Aids; estudos promissores para o desenvolvimento de vacinas e novos esquemas terapêuticos. Há 20 anos, contudo, o cenário da epidemia de Aids no Brasil era outro. Um patógeno desconhecido, carregado de estigmas e preconceitos, infectava mais e mais pessoas, levando-as rapidamente a óbito – segundo dados do Ministério da Saúde, em 1987, cinco anos após a identificação da Aids no Brasil, 2.775 casos da doença já haviam sido registrados no país. Mais: comprometia a qualidade do sangue e hemoderivados utilizados em transfusões e desafiava cientistas, desorientados sobre como trabalhar em segurança com um agente tão perigoso. Apesar de todos os obstáculos, uma equipe multidisciplinar de jovens pesquisadores e estudantes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, liderada pelo imunologista Bernardo Galvão, realizou pela primeira vez no Brasil e na América Latina o isolamento do vírus HIV tipo 1 (HIV-1), abrindo um novo capítulo na história da epidemia.


 Bernardo Galvão liderou o isolamento do HIV-1 no Brasil

Bernardo Galvão liderou o isolamento do HIV-1 no Brasil


“A Fiocruz assumiu o desafio de enfrentar a Aids em 1983, após a confirmação da doença no Brasil. Então, eu e um colega de minha equipe, o imunologista Cláudio Ribeiro, visitamos o primeiro paciente soropositivo brasileiro. Apesar do pouco conhecimento sobre a infecção, percebemos a potencialidade epidêmica da Aids e reconhecemos o grande problema de saúde pública que ela se tornaria. Por isso resolvemos enfrentá-la: para cumprir a missão da Fiocruz de responder às demandas de saúde da população”, conta Galvão, que à época era chefe do Departamento de Imunologia do IOC e atualmente coordena o Laboratório Avançado de Saúde Pública do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz em Salvador.


“Naquela época, havia muito pânico e preconceito em torno da Aids. Sofríamos discriminação de colegas e outros pacientes por lidar com soropositivos, mas não desistimos. E isso só acontece com quem tem compromisso com a ciência e com a saúde da população brasileira”, confirma o médico Fernando Sion, integrante da equipe de Galvão, que desde a década de 1980 atua nos programas de pesquisa e acompanhamento de pacientes infectados e na formação de recursos humanos no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.


No início da década de 1980, o conhecimento internacional sobre a infecção era muito incipiente e os estudos se limitavam a abordagens epidemiológicas e imunológicas. Quando franceses e norte-americanos isolaram o HIV-1 pela primeira vez no mundo, em 1983 e 1984, informações como a alta variabilidade genética do vírus foram reveladas e incitaram pesquisadores brasileiros a isolar o vírus circulante no país. A conclusão da tarefa era imprescindível à ampliação da pesquisa em Aids no Brasil: devido ao desconhecimento sobre o HIV-1, até o isolamento do vírus os estudos sobre a infecção versavam exclusivamente sobre as alterações imunológicas que a síndrome provoca no organismo humano.


“O isolamento do HIV-1 no Brasil representou, por um lado, a conclusão de uma série de pesquisas que o laboratório liderado por Galvão conduzia desde o início dos anos 1980, quando ainda sequer a etiologia viral da Aids era conhecida. A descoberta representa também o corajoso esforço de colocar em funcionamento as condições laboratoriais necessárias ao isolamento e cultivo do HIV-1, numa época em que pouquíssimos laboratórios do mundo faziam isso. Galvão e sua equipe deram visibilidade à pesquisa em Aids no país e sobretudo à pesquisa básica, o que abriu as portas para a posterior demonstração dos subtipos de HIV-1 circulantes no Brasil e para a formação de lideranças científicas no país”, sintetiza a imunologista Mariza Morgado, atual chefe do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC e especialista em abordagem genética do HIV-1.


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