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17/10/2007

Nova metodologia avalia as relações entre o clima e a saúde

Catarina Chagas e Fernanda Marques


Uma nova metodologia criada pela Fiocruz será conhecida internacionalmente. O método – proposto para medir a vulnerabilidade das populações a doenças, aspectos socioeconômicos e oscilações do clima – foi apresentado em um congresso organizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), em Fiji. Encomendado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o projeto comparou, inicialmente, as situações dos estados brasileiros. Pelo Índice de Vulnerabilidade Geral (IVG) a melhor foi a do Rio Grande do Sul e a pior ficou com Alagoas. O IPCC e o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore foram anunciados, na sexta-feira (12/10), como os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz de 2007 por seus esforços contra o aquecimento global.


 Arte de Rodrigo Carvalho a partir do quadro <EM>Os retirantes</EM>, de Portinari

Arte de Rodrigo Carvalho a partir do quadro Os retirantes, de Portinari


O trabalho, conduzido pelo Programa de Mudanças Ambientais Globais e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e coordenado pelo pesquisador Ulisses Confalonieri, inovou ao unificar diferentes indicadores em um mesmo cálculo: o IVG é a média de três outros índices – epidemiológico, socioeconômico e climatológico – também selecionados pelo grupo da Fiocruz. Após testarem diversos procedimentos estatísticos, os pesquisadores optaram por construir um índice seguindo metodologia inspirada no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), instituído pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).


Indicadores relacionados a sete endemias compõem o Índice de Vulnerabilidade Epidemiológica (IVE), que leva em conta não só a incidência das mesmas, mas também seus custos hospitalares, gravidade dos casos e as tecnologias disponíveis para seu controle, entre outros aspectos. Dengue, malária, hantavirose, cólera, leptospirose e leishmanioses visceral e tegumentar americana foram escolhidas por serem reconhecidas na literatura como doenças que podem ter alteração na sua dinâmica em função de fatores socioeconômicos e climáticos.


Por sua vez, o Índice de Vulnerabilidade Socioeconômica (IVSE) considera fatores como densidade demográfica, grau de urbanização, renda, escolaridade, saneamento básico, mortalidade infantil e expectativa de vida. O terceiro e último índice, de Vulnerabilidade Climatológica (IVC), inclui apenas dados pluviométricos coletados entre 1961 e 2002. A análise de um período de 41 anos se justifica porque o objetivo dos pesquisadores era identificar os eventos extremos, ou seja, valores muito acima ou muito abaixo da precipitação padrão no estado, o que não significa, necessariamente, inundações ou secas, mas períodos atípicos ao padrão.



Em cada índice, a vulnerabilidade das populações é classificada em uma escala de zero a um, onde um representa situação de maior vulnerabilidade relativa entre os estados para doenças e desequilíbrios socioeconômicos e ambientais. No ranking dos estados brasileiros, foi significativa a diferença entre o IVG do primeiro e último lugares (0,13 e 0,64, respectivamente). O melhor colocado, Rio Grande do Sul, foi seguido de perto por Mato Grosso do Sul (0,14). Os demais estados da Região Sul, bem como Goiás, também se mostraram entre os menos vulneráveis do país. No outro extremo, os estados mais vulneráveis foram, pela ordem, Alagoas, seguido da Bahia (0,46) e de Pernambuco (0,44).


Após a conclusão do estudo inicial, método e resultados foram apresentados em seminário no MCT. Na ocasião, os números geraram preocupação nos representantes alagoanos, porém a assistente social Diana Marinho, uma das responsáveis pelo projeto, ressaltou a importância da correta interpretação dos resultados e a necessidade de discussões locais para avaliar os problemas apontados pelo IVG. "O índice climatológico, por exemplo, foi construído apenas com dados pluviométricos, mas pode ser enriquecido com outros números, relativos, por exemplo, a variações de umidade e temperatura", avalia.


Outra limitação apontada pela pesquisadora está relacionada ao erro de agregação. Essa imprecisão decorre do fato de que as diferenças regionais dentro de um mesmo estado foram desprezadas no cálculo inicial. Assim, unindo-se áreas mais e menos vulneráveis em um mesmo índice, obtém-se uma média que não corresponde à realidade exata do município, mas à realidade do estado como um todo.


Na tentativa de minimizar esse erro, o grupo realizou estudo com unidades geográficas menores: em vez de analisar estados, o trabalho avaliou municípios. No projeto piloto, foram selecionadas as cidades de Belém, Rio de Janeiro, Blumenau, Itajaí e Recife, que enfrentam problemas relacionados ao avanço do mar ou à enchente de rios. A dificuldade encontrada na análise foi a ausência de dados específicos para cada município.


Embora muitos dados já estivessem disponíveis para consulta na internet, em alguns casos foi necessária uma visita ao estado para coleta de informações complementares. Nas idas a campo, Diana conversou, por exemplo, com representantes da Defesa Civil local para compreender melhor a dinâmica dos eventos climáticos extremos. "Em muitos casos, o registro das conseqüências das inundações e secas é insuficiente. No Nordeste, muitas crianças morrem de desnutrição em decorrência da seca, mas não se relacionam essas mortes à ausência de chuva", justifica.


Aquecimento global: efeitos


A pesquisadora adverte, contudo, que pode ser perigoso estabelecer correlações diretas entre eventos climáticos e saúde da população. Diana se mostra especialmente cautelosa em relação aos recentes alardes sobre os efeitos do aquecimento global. Não se trata de subestimar esses perigos. Ocorre que a relação entre o aumento da temperatura do planeta e crescimento da incidência de doenças obedece a uma dinâmica mais complexa do que a maioria imagina. "Tudo deve ser analisado caso a caso. Não se pode garantir que o aquecimento simplesmente vai aumentar o número de pessoas infectadas pela malária ou pela dengue. Uma possibilidade é que o mosquito transmissor da malária não sobreviva na Amazônia se ela ficar ainda mais quente. Por outro lado, se a Região Sul deixar de ser tão fria, pode se tornar um local ideal para a proliferação do mosquito do dengue", exemplifica.


Apesar dessa complexidade ecológica, o IVG é um primeiro passo para avaliar como se relacionam mudanças climáticas e saúde. Por isso, organizações ligadas ao meio ambiente, como o Greenpeace, já solicitaram o relatório final do projeto. Como o método da Fiocruz permite acrescentar novos dados e mudar a população base do estudo, pode ser aplicado a avaliações em qualquer lugar do mundo.

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