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05/07/2007

Internacionalização da Amazônia gera polêmica há décadas

Fernanda Marques


O Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA) completaria 60 anos em 2007. Com o apoio da Unesco, ele seria implantado em 1947, mas isso não aconteceu. O projeto acarretou debates acalorados sobre o melhor modelo de desenvolvimento para a Amazônia. De um lado, aqueles que apostavam em um modelo de cooperação internacional. Do outro, os que defendiam a soberania do Estado brasileiro sobre a região. O segundo grupo, que encarava com desconfiança o envolvimento estrangeiro na Amazônia, saiu vitorioso: o IIHA não se concretizou. Contudo, o mais interessante dessa história – contada pelo historiador Rodrigo Cesar da Silva Magalhães – é constatar como a internacionalização da Amazônia é um tema que alimenta discussões há décadas e se mantém atual.


 Para os opositores do IIHA, o projeto era uma estratégia imperialista para internacionalizar a Amazônia

Para os opositores do IIHA, o projeto era uma estratégia imperialista para internacionalizar a Amazônia


A noção da Amazônia como patrimônio da Humanidade – idéia que reduz a autoridade do Brasil e dos demais países em cujos territórios está a maior floresta tropical do planeta – permanece no centro de polêmicas. “Atualmente, a visão de que o governo brasileiro tem que desenvolver a Amazônia de maneira autônoma confronta-se com todo um contexto de globalização, no qual ONGs e organismos internacionais detém cada vez mais poder”, resume Magalhães, que analisou o antigo projeto do IIHA em sua dissertação de mestrado, desenvolvida na Casa de Oswaldo Cruz, uma unidade da Fiocruz.


Orientado pelo pesquisador Marcos Chor Maio, Magalhães estudou as raízes das diferentes visões acerca do desenvolvimento da Amazônia. “Na época, organizações internacionais como a ONU e a Unesco estavam surgindo como parte de um projeto que procurava superar as necessidades econômicas e sociais do planeta por meio da cooperação internacional”, contextualiza. “Este projeto chocou-se com interesses geopolíticos dos países ricos e com as demandas por desenvolvimento dos países tidos como periféricos. Na década de 40, assim como hoje, a Amazônia constituía-se em um tema importante deste intrincado jogo de poder”.


O IIHA foi uma proposta do cientista Paulo Carneiro (1901-1982), então representante do Brasil na Unesco. Pesquisas em botânica, zoologia, geologia, meteorologia e medicina, bem como em antropologia, seriam desenvolvidas pelo Instituto, do qual participariam, além do Brasil, outros países interessados na Amazônia, como Bolívia, Peru, Equador Venezuela, França, Grã-Bretanha e Holanda. “Nos planos também estava a instalação de um conjunto de laboratórios voltados para a química vegetal e animal, para a geofísica, a fisiologia e a microbiologia. O problema da nutrição em regiões tropicais também mereceu destaque”, conta Magalhães.


Durante a tramitação do projeto do IIHA no Congresso Nacional surgiram visões conflitantes sobre a proposta, especialmente no que dizia respeito à participação estrangeira. As discussões envolveram intelectuais, jornalistas e cientistas, mas nenhuma classe apresentava um posicionamento homogêneo sobre a questão. Até mesmo os militares se dividiram: enquanto o Estado-Maior das Forças Armadas era simpático ao IIHA, o Clube Militar condenava o projeto. Em defesa da criação do Instituto, Carneiro alegava que a cooperação internacional era a melhor estratégia para desenvolver a Amazônia e integrá-la ao território nacional. Já o principal opositor do IIHA, o então presidente Artur Bernardes, apontava o projeto como uma estratégia imperialista para a internacionalização da Amazônia.


Pode-se dizer que essa perspectiva mais nacionalista saiu vitoriosa, pois o projeto do IIHA foi arquivado. “Porém, mesmo não tendo sido implantado, o Instituto da Hiléia contribuiu para colocar definitivamente a Amazônia na agenda política e científica nacional”, afirma Magalhães. Destaca-se que as polêmicas em torno do IIHA impulsionaram a criação na Amazônia de dois importantes órgãos no início da década de 1950: o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) e a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), substituída, posteriormente, pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).


Em sua dissertação, além de analisar a importância das discussões sobre o IIHA, o pesquisador também ressalta que, mesmo antes desses debates, o desenvolvimento da Amazônia já estava na pauta do governo. “Após o boom da borracha no início do século, a economia da região entrou em crise na década de 1910 e assim permaneceu durante toda a década seguinte. A chegada de Vargas ao poder em 1930 assinalou uma renovada preocupação com a Amazônia”, diz o historiador.


Essa preocupação ganhou outro impulso durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil fornecia borracha para os Estados Unidos, que, em troca, financiavam melhorias na região. Com o fim da guerra, a economia amazônica mergulhou em uma nova crise, o que motivou uma política de desenvolvimento regional. “O Artigo 199 da Constituição de 1946 dizia que, para a implantação do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, a União deveria aplicar, pelo menos durante 20 anos, uma quantia não inferior a 3% de sua renda tributária”, lembra Magalhães.

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