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29/06/2007

Peixes atuam como sentinelas e indicam poluição em rio e lagoa do Rio de Janeiro

Fernanda Marques


Peixes do Rio Guandu e da Lagoa de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, foram alvo de um estudo desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. Pesquisadores do Laboratório de Toxicologia Ambiental analisaram a atividade de uma enzima do fígado dos animais, chamada citocromo P4501A. A equipe constatou que a atividade dessa enzima estava aumentada nos peixes, o que sugere que eles estão expostos a uma série de poluentes orgânicos.


 Originária da África, a tilápia do Nilo foi introduzida no Brasil nos anos 70 (Foto: Lab. de Tox. Ambiental)

Originária da África, a tilápia do Nilo foi introduzida no Brasil nos anos 70 (Foto: Lab. de Tox. Ambiental)


Entre os poluentes que podem induzir a atividade da enzima destacam-se os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, produzidos pela queima de combustíveis fósseis e por processos industriais em geral; as bifenilas policloradas, que eram usadas em grande quantidade como isolante em transformadores elétricos; e as dioxinas, formadas durante a incineração de matéria orgânica na presença de cloro. Esses poluentes podem ter efeitos nocivos à saúde humana. “Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, por exemplo, podem provocar mutações e câncer”, diz o toxicologista Francisco Paumgartten, chefe do laboratório.


Os pesquisadores analisaram duas espécies de peixe: as tilápias do Nilo e os acarás, estes coletados apenas no Rio Guandu. Se comparados a animais de referência, isto é, que vivem em águas reconhecidamente limpas ou em criadouros, os do Rio Guandu apresentavam uma atividade enzimática 17 vezes maior e os da Lagoa de Jacarepaguá, sete vezes maior. Esses dados apontam para a contaminação dos ecossistemas estudados. “Desembocam no Guandu as águas poluídas dos rios Paraíba do Sul, dos Poços e Queimados”, lembra Paumgartten. Essa poluição tem origem na atividade industrial e também nos lixões.


No rio, os peixes foram coletados em dois pontos, um antes e outro depois do local onde é feita a captação da água que vai para a Estação de Tratamento do Guandu, que abastece os municípios do Rio de Janeiro, da Baixada Fluminense e de Itaguaí. Em ambos os pontos, os animais apresentavam elevada atividade enzimática – ou seja, o rio que abastece de água vários municípios do Estado do Rio de Janeiro está poluído. Contudo, isso não representa risco para quem consome a água após o tratamento na Estação do Guandu, pois os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, as bifenilas policloradas e as dioxinas não são solúveis em água. “Esses poluentes permanecem associados ao material particulado em suspensão, que é muito eficientemente removido durante o processo de tratamento da água”, explica o biólogo Thiago Parente, da equipe de Paumgartten.


Porém, esse material particulado em suspensão serve de alimento para os peixes, que ingerem os poluentes encontrados na água poluída e podem ser fonte de contaminação para as pessoas que comem sua carne. “Os animais estudados foram obtidos junto a pescadores da região, que, além de usarem os peixes para consumo próprio, também os vendem em uma barraca à beira da estrada”, conta Parente, primeiro autor do trabalho, que será publicado em breve na revista científica Environmental Pollution. “Pode-se sugerir que os poluentes estariam sendo acumulados em uma cadeia alimentar onde as pessoas daquela comunidade seriam os consumidores de topo. Contudo, para fazer tal afirmação, seria necessário outro tipo de estudo“, pondera o biólogo.


O que os resultados obtidos por Parente mostram é que tanto a tilápia do Nilo – uma espécie africana introduzida no Brasil nos anos 70 e hoje amplamente encontrada nos rios da região Sudeste – como o acará – um peixe brasileiro da mesma família da tilápia – podem ser usados como “sentinelas” para monitorar a contaminação da água por poluentes orgânicos. Parente, hoje no mestrado de biologia celular e molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, começou o trabalho quando ainda cursava o ensino médio, como aluno do Programa de Vocação Cientifica (Provoc) da Fundação. Orientado por Paumgartten e pela médica Ana Cecília Xavier de Oliveira, Parente também demonstrou que, na análise do fígado dos peixes em laboratório, a fração pós-mitocondrial – obtida por uma metodologia que dispensa o uso de ultracentrífuga e é mais simples, rápida e barata – pode ser usada para determinar uma reação enzimática catalisada pelo citocromo P4501A.

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