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21/05/2007

Estudo inédito mapeará casos de hanseníase no Recife

Bruna Cruz


A cidade do Recife registra, anualmente, cerca de mil novos casos de hanseníase, doença que ainda hoje é um problema de saúde pública em vários países do mundo, incluindo o Brasil. Ao contrário do que muitos imaginam, a contaminação não depende apenas do contato com pessoas que já desenvolveram a enfermidade, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, mas também da reação do organismo do homem à sua presença. Para entender melhor como se dá a transmissão e a resposta dos pacientes em fases diferentes do mal de Hansen, como a doença também é conhecida, o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, começou a desenvolver um trabalho inédito com pacientes atendidos no Laboratório de Saúde Pública do Recife.


 Moradores do antigo Sanatório Padre Bento, em Guarulhos (SP), onde pessoas com hanseníase eram confinadas (Foto: revista <EM>Padre Bento</EM>)

Moradores do antigo Sanatório Padre Bento, em Guarulhos (SP), onde pessoas com hanseníase eram confinadas (Foto: revista Padre Bento)


Com duração prevista de cinco anos, o estudo é, na realidade, um mapeamento, que conta com a parceria do Programa Municipal de Eliminação de Hanseníase da Secretaria de Saúde do Recife. O trabalho também pretende caracterizar as variações genéticas das cepas da bactéria e ver como elas estão distribuídas na capital pernambucana.


De acordo com Valéria Pereira e Norma Lucena, pesquisadoras do Departamento de Imunologia do CPqAM e responsáveis, respectivamente, pela área de imunologia e biologia molecular da pesquisa, poucos estudos demonstram evidências conclusivas de que existem variações genéticas da Mycobacterium leprae e de que elas estejam associadas à virulência da bactéria e à reação do paciente à doença. Por isso, o estudo pretende associar essas questões, visando identificar elementos que ajudem a descobrir como o sistema imunológico dos pacientes se comporta. “Isso pode contribuir para o aperfeiçoamento da terapia contra a doença e para a identificação de moléculas candidatas a vacinas”, explica Valéria.


Na primeira etapa do projeto estão sendo investigados pacientes de ambos os sexos, com pelo menos 18 anos de idade, com diagnóstico recente da doença e que ainda não iniciaram o tratamento. Eles são convidados a participar do estudo depois de serem atendidos e de receberem informações sobre a sua realização. Em seguida, os voluntários assinam um termo de consentimento e respondem a um questionário para colher dados sobre o tempo e número de lesões, informações sobre sua residência, se alguém da família tem ou teve a doença, entre outras questões. Após essa triagem, os pacientes se submetem a uma coleta de sangue para o estudo da sua resposta imunológica. O material da lesão também é recolhido, para realização de exames, como a baciloscopia, a biópsia e a análise molecular.


Segundo Norma, existem algumas dificuldades para fazer pesquisas sobre a bactéria que causa o mal de Hansen. Uma delas é o fato de a doença não se desenvolver em meio de cultura, método usado geralmente para estudar esses organismos. “Por isso, precisamos que o paciente autorize colhermos amostras maiores de material para realizar nosso trabalho”, comenta a pesquisadora.


Famílias dos doentes também serão investigadas


Numa segunda etapa do mapeamento da hanseníase no Recife, será feito um estudo com os familiares dos doentes, os chamados comunicantes intradomiciliares. Ao visitar o paciente, além de entrevistar os parentes buscando informações sobre casos antigos da doença, tempo de contato com o caso atual e colher amostras de material para baciloscopia, a equipe de pesquisadores vai registrar a localização da residência com um GPS (sistema de posicionamento global). Posteriormente, será possível representar graficamente a localização dos tipos das cepas, construindo, assim, o mapa da doença na cidade.


Todos os dados colhidos no estudo serão cruzados com informações como idade, sexo, condição socioeconômica, forma clínica da hanseníase, ocorrência de quadros reacionais, resistência da bactéria ao tratamento e reincidência da doença. “A pesquisa vai nos ajudar a intensificar as ações nas áreas endêmicas da cidade”, comenta a coordenadora do Programa Municipal de Eliminação da Hanseníase, Milde Cavalcanti. Os primeiros resultados devem ser divulgados em dois anos.


A pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do CPqAM, faz parte de uma estudo multicêntrico coordenado por Philip Suffys, do Departamento de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, que envolve a investigação sobre doença no Ceará, em Goiás, no Rio de Janeiro e em Sergipe.


A doença


A hanseníase é transmitida quando uma pessoa infectada libera a bactéria no ar pela respiração (secreções nasais, gotículas da fala, tosse, espirro). O período de incubação da doença pode variar de dois a sete anos, chegando a dez anos. O diagnóstico é realizado a partir de um exame clínico cuidadoso e confirmação posterior por meio de uma baciloscopia ou biópsia.


Os principais sintomas são manchas brancas ou avermelhadas dormentes na pele, partes do corpo com formigamento ou dormência, ausência de dor em casos de queimaduras ou cortes nos braços, nas mãos, nas pernas e nos pés. O tratamento é feito com medicamentos apropriados (poliquimioterapia) e é indispensável para curar o paciente e interromper a transmissão da doença.


Apesar da redução na taxa de prevalência brasileira observada no período compreendido entre 1985 e 2005, de 19 para 1,48 doente em cada dez mil habitantes, de acordo com o Ministério da Saúde, a hanseníase ainda constitui um problema de saúde pública, o que exige um plano de aceleração e de intensificação das ações de eliminação e de vigilância resolutiva e contínua. No Recife, o coeficiente é alto: 6,48 doentes por dez mil habitantes.

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