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15/05/2007

Pesquisa discute o direito à saúde dos transexuais

Fernanda Marques


A terapia para “mudança de sexo” foi alvo de um estudo feito pela advogada Miriam Ventura. Em sua dissertação de mestrado defendida em março no Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), Miriam fez uma análise bioética dos aspectos jurídicos e de saúde relacionados ao tema. A conclusão é que as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM) garantem o acesso à terapia e à melhoria da assistência à saúde dos transexuais – antes, eles não podiam se submeter a nenhum procedimento e, hoje, o grupo que deseja fazer a cirurgia de mudança da genitália pode, após acompanhamento psiquiátrico por, no mínimo, dois anos. Contudo, as normas também produziram efeitos negativos. A dissertação de mestrado foi orientada pelo especialista em bioética Fermin Roland Schramm.


 A transexualidade se refere à identidade sexual discordante com o sexo biológico (Arte: Rodrigo Carvalho)

A transexualidade se refere à identidade sexual discordante com o sexo biológico (Arte: Rodrigo Carvalho)


Na visão de Miriam, o problema central é que só tem direito à terapia quem fizer o "pacote completo”, que culmina com a cirurgia da genitália, mas começa com o diagnóstico psiquiátrico e envolve procedimentos pré e pós-operatórios, como administração de hormônios. Em outras palavras, o acesso à terapia está condicionado ao desejo expresso da pessoa de mudança da genitália: os transexuais  que desejam apenas colocar próteses nas mamas ou tomar hormônios sexuais, parando o tratamento em uma etapa antes da transgenitalização, ficam excluídos dos serviços oficiais de saúde, pois não são considerados como “verdadeiros transexuais” – são identificados como travestis. [Leia aqui a entrevista do conselheiro do CFM Luiz Salvador]


“Ainda persiste um sistema perverso, que restringe o acesso à terapia para aqueles que não se enquadram nos critérios diagnósticos e terapêuticos estabelecidos”, diz a pesquisadora. “Isso estimula um mercado clandestino, onde são feitas transformações corporais que põem em risco a saúde dos transexuais”, salienta a advogada, que estudou documentos do CFM sobre o assunto e 52 casos levados à Justiça. [Leia aqui a entrevista da presidente da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Rio de Janeiro (Astra-Rio), Majorie Marchi]


Outro problema é que, em geral, a Justiça só autoriza a troca de nome nos documentos depois que o indivíduo fez a cirurgia. “Hoje, muitos transexuais querem trocar de nome e ter a aparência do sexo oposto, mas sem se submeter à mudança da genitália, conforme demonstram casos levados à Justiça. Só que o sistema atual só protege a cidadania de uns poucos que se submetem à transgenitalização”, argumenta a advogada.


Transexualidade não é sinônimo de homossexualidade. O segundo termo diz respeito à orientação sexual dirigida a pessoas do mesmo sexo. Já a transexualidade se refere à identidade sexual discordante com o sexo biológico, ou seja, são homens que se identificam como mulheres e vice-versa, independentemente de sua orientação sexual. Por conta do sentido de pertencimento ao sexo oposto, esses indivíduos manifestam o desejo de transformar seus corpos, desde uso de hormônios e colocação de próteses nas mamas até um procedimento mais radical: a cirurgia para mudança da genitália.


Antes de 1997, a terapia para “mudança de sexo” era totalmente proibida no Brasil. “Os transexuais buscavam o mercado clandestino ou recorriam a médicos no exterior”, conta Miriam. Nos Estados Unidos e norte da Europa a assistência hospitalar começou na década de 70, difundindo-se a terapia de “mudança de sexo” como adequada para os casos de transexualismo. Mas, no Brasil, só em 1997 o CFM autorizou os procedimentos para “mudança de sexo”, inclusive a cirurgia de transgenitalização, com caráter experimental, em hospitais universitários – como terapia para os casos de pessoas com diagnóstico confirmado de transexualismo ou transtorno de identidade de gênero.


Atualmente, a operação em que mulheres adquirem genitália masculina, tecnicamente mais complexa, continua com caráter experimental no país. Contudo, a cirurgia em que homens adquirem genitália feminina já pode ser feita não só nos hospitais universitários, mas também em clínicas particulares. O SUS ainda não oferece a terapia.


Para Miriam, o fato de o CFM ter reconhecido a questão dos transexuais e buscado normatizá-la representa um avanço, mas é necessário aprofundar esse debate. Embora os transexuais constituam um grupo heterogêneo, somente uma parcela deles – aqueles que desejam a transformação mais radical do corpo, com mudança da genitália – tem direitos assegurados. “É importante que mais indivíduos tenham acesso à terapia no sistema oficial de saúde, sem obrigá-los a realizar a cirurgia de transgenitalização”, defende a pesquisadora. [Acompanhe aqui o debate entre os pesquisadores e o CFM]


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