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13/04/2007

Seminário agrega história e epidemiologia da malária

Gustavo Barreto e Renata Fontoura


A história do conhecimento sobre a malária, os principais marcos da pesquisa na área, as estratégias de controle no século 20 e as perspectivas para o século 21 foram alguns dos principais temas discutidos nesta quinta-feira (12/04), na abertura do seminário Henrique Aragão e a pesquisa sobre a malária: 100 anos da descoberta do ciclo exoeritrocítico da malária. O evento, organiizado em parceria pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e pela Casa de Oswaldo Cruz (COC), e que continou na sexta-feira (13/04), teve a presença de alguns dos principais especialistas na área, abordando questões históricas, a biologia do parasito causador da malária e a epidemiologia da doença.


 Promovido em dois dias, o seminário reuniu historiadores e cientistas (Foto: Ana Limp)

Promovido em dois dias, o seminário reuniu historiadores e cientistas (Foto: Ana Limp)


Na mesa de abertura do evento, Magali Romero Sá, presidente do comitê organizador do seminário e pesquisadora da COC, destacou que esta é uma “parceria muito feliz”, reunindo elementos importantes do tema, como a história da doença e a pesquisa biomédica contemporânea. Nara Azevedo, diretora da COC, afirmou que os dois institutos se irmanaram nessa iniciativa para homenagear Henrique Aragão. “Ele foi um grande diretor do IOC num período muito difícil da nossa história: a 2ª Guerra Mundial”, recorda. “Estou muito feliz porque é possível um diálogo e uma multidisciplinaridade entre a história, a memória e a pesquisa. Espero que haja outras iniciativas como esta”, completou.


A diretora do IOC, Tania Araújo-Jorge, destacou a relevância científica da descoberta de Aragão. “Este foi um evento marcante para a ciência brasileira e para o IOC”, afirmou, ressaltando a importância do resgate da contribuição histórica do pesquisador. Encerrando a cerimônia de abertura, o vice-presidente de Desenvolvimento Institucional e Gestão do Trabalho da Fiocruz, Paulo Gadelha, lembrou a ligação do tema com a própria criação da COC, em parte constituída sobre o campo da história da malária, quando o sanitarista Sergio Arouca convidou alguns pesquisadores para trabalhar nesta iniciativa de resgate da memória da instituição.


Diretor do Ipepatro debateu características sociais e científicas da doença


Dando início ao ciclo de palestras, o pesquisador Luiz Hildebrando Pereira da Silva, diretor do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais em Rondônia (Ipepatro), falou sobre a atualidade das idéias de Aragão. “Tenho a convicção de que os problemas colocados por Aragão são o núcleo dos desafios da malária”, afirmou. Hildebrando resgatou a evolução da malária no Brasil, especialmente em Rondônia, destacando momentos históricos de controle da doença e períodos em que as autoridades sanitárias “relaxaram” a atenção ao problema, causando o aumento de casos em até seis vezes – caso da curva estatística verificada no Brasil durante os anos 80, quando após um período de controle relativo o número de casos disparou de 100 mil para 600 mil.


 <EM>Banner</EM> oficial do seminário (Foto: Ana Limp)

Banner oficial do seminário (Foto: Ana Limp)


Hildebrando destacou ainda os aspectos clínicos, sociais e geográficos dos casos de malária verificados em Rondônia, onde ocorre a presença de diferentes tipos de malária, com características epidemiológicas específicas em distintos pontos geográficos, tais como as periferias das cidades, os assentamentos agrícolas e as áreas ribeirinhas. “Por conta da falta de planejamento, muitas vezes se criaram verdadeiros criadouros a céu aberto”, apontou. Hildebrando ressaltou que, no cenário atual, é possível controlar a malária. “A construção de barragens e hidrelétricas no Rio Madeira por parte do Governo Federal está orçada em aproximadamente R$ 14 bilhões. Se nos derem apenas R$ 50 milhões, podemos controlar a malária nessa área”, afirmou.


“Às vezes, o homem vence o tempo”


Foi com esta frase que o tropicalista José Rodrigues Coura, chefe do departamento de Medicina Tropical do IOC, resumiu a trajetória de Henrique Aragão. Ele palestrou sobre a carreira científica do cientista e comparou-o a grandes nomes da ciência, como Adolpho Lutz, Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. Aragão nasceu em 21 de dezembro de 1879, na antiga Rua da Praia, em Niterói. Segundo Coura, o pai de Aragão foi cartógrafo e deixou um importante dicionário de vernáculos brasileiros. Em meados de 1903, ainda estudante da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ingressou no Instituto de Manguinhos para preparar a tese de doutoramento que apresentou em 1905. Encarregou-se, entre outras atividades, do diagnóstico da peste bubônica e da preparação do soro antiestreptocócico.


 Pôster que mostra Henrique Aragão e colegas de trabalho em Manguinhos (Foto: Ana Limp)

Pôster que mostra Henrique Aragão e colegas de trabalho em Manguinhos (Foto: Ana Limp)


“Trabalhador incansável, foi um dos mais produtivos pesquisadores de Manguinhos. Já em 1906 publicava seu primeiro trabalho sobre a nova técnica para o diagnóstico da peste”, recordou Coura. “Aragão abordou em profundidade pelo menos 25 campos – bacteriologia, virologia, entomologia, protozoologia, entre outros –, sendo fundador de diversas metodologias inovadoras”, ressaltou. O pesquisador afirmou que, dentre outros feitos, uma importante contribuição internacional de Aragão foi o estudo do vírus do mixoma dos coelhos, utilizado como controle da superpopulação da população destes animais na Austrália.


“Apesar da aparência formal, Henrique Aragão era um sentimental, com grande afeição por amigos e elevados sensos de justiça e patriotismo”, destacou. “Foi um homem que se preocupou com os problemas de endemia e profilaxia rural, criando serviços em Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como diretor do IOC, quintuplicou o orçamento institucional, concebendo e executando a construção de diversos pavilhões, como o Carlos Chagas, o Pavilhão de Cursos e o refeitório.” Com grande fidelidade ao IOC, onde trabalhou desde estudante até uma semana antes de seu falecimento, Aragão totalizou 53 anos de serviços ao Instituto.


Historiador traça panorama da evolução do conhecimento sobre a malária


O pesquisador da COC, Jaime Benchimol, traçou um amplo panorama histórico da doença e falou também sobre o desenvolvimento institucional do IOC neste tema. Lembrando cientistas como Charles Laveran, Ettore Marchiafava, Camilo Golgi e João Vicente de Torres Homem – que publicaram estudos sobre o paludismo –, o pesquisador destacou a trajetória de Adolpho Lutz e sua importância para a investigação sobre a malária. Benchimol conta que Lutz, chamado em 1898 à região onde se construía a nova linha de estrada de ferro entre São Paulo e Santos, no trecho que escalava a serra de Cubatão, concluiu que havia uma nova espécie do gênero Anopheles, posteriormente classificada como Anopheles lutzii, no subgênero Kerteszia e sugeriu que este mosquito era o transmissor da malária. “As inovações científicas guardam íntimas relações com o contexto social, econômico e político”, comentou. Os mosquitos do gênero Anopheles são responsáveis pela transmissão da malária aos mamíferos, inclusive aos seres humanos.


O pesquisador da COC abordou também o contexto social da imigração no Rio de Janeiro, os problemas sanitários do começo do século 20 e a conseqüente identificação da cidade com a prevalência da peste e outras doenças. “Os óbitos levaram os sanitaristas a um desafio sem precedentes. Surgia aí uma nova geração, com Oswaldo Cruz, Adolpho Lutz e Carlos Chagas”, destacou. “Lutz possuía um programa de pesquisa com grande autonomia que investigava as questões mais controversas da saúde pública. Precedendo Louis Pasteur e Ronald Ross, Lutz foi decisivo para o desenvolvimento da medicina tropical no Brasil e na Europa.


Benchimol fez um histórico dos primeiros passos de cientistas como Carlos Chagas e Arthur Neiva, que ingressaram em Manguinhos em 1902 e 1906, respectivamente. “Nesta mesma época entrou Henrique Aragão. É notável a importância da malária para a consolidação da protozoologia como a linha mestre de pesquisa deste grupo. Os primeiros experimentos desse grupo desembocaram em uma série de iniciativas de grande sucesso, tornando-o uma grande referência mundial”, conclui.


Estudos nos anos 1920 foram fundamentais para o desenvolvimento do tratamento da malária


O pesquisador Gabriel Gachelin, da Université Paris 7, expôs a importância de iniciativas e ações realizadas na década de 20 para o combate da malária em países do oeste do Mediterrâneo. Estas iniciativas serviram como laboratório para testar procedimentos anti-maláricos no mundo todo. Entre as ações históricas apresentadas pelo pesquisador através de documentos e relatórios está a criação do Comitê de Higene pela Liga das Nações, em 1924, ponto de partida para inserir novas armas na luta contra a doença e disseminar novas técnicas de combate como drenagens, obras públicas e educação da população.


O 1º Congresso Internacional de Malariologia, que ocorreu em Roma em 1925, foi outro marco frisado pelo palestrante. No evento, que contou com a participação de Carlos Chagas representando o Brasil, também participaram representantes da Itália, França, Grã Bretanha, Espanha e Alemanha. Gachelin destacou que o Congresso foi fruto do forte apoio do governo fascista de Mussolini para combater a malária. “Mussolini passou um dia inteiro no Congresso", disse, ressaltando a grande contribuição dos italianos no combate à doença.


O ciclo exoeritrocítico e o avanço de novos fármacos


A complexidade do ciclo entre mosquito transmissor da doença e hospedeiro foi tema da palestra do pesquisador Laurent Renia, do Hôpital de Cochin. Segundo o palestrante, primeiramente duas fases do parasita foram definidas. “Para que o ciclo fosse descoberto foi preciso algum tempo. Inicialmente, sabia-se da existência do parasita no sangue e no mosquito”, disse. Descobertas de diferenças entre os parasitas nas duas fases apontaram para a existência um estágio intermediário, identificado no pulmão de aves por Henrique Aragão.


O pesquisador expôs o avanço das descobertas e apresentou ciclo do parasito da doença, que passa pelo fígado e se desenvolve na corrente sangüínea. Para ele, a questão central que dificulta o desenvolvimento de novos fármacos é a falta de conhecimento sobre o metabolismo responsável pelo crescimento do parasito na corrente sanguínea e no fígado.

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