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29/03/2007

Seminário reúne pesquisadores para discutir os novos rumos no tratamento da tuberculose

Adriana Melo


Um seminário realizado na última terça-feira (27/03) reuniu especialistas em uma doença que – apesar de eventualmente ser tratada pela mídia como uma enfermidade do início do século passado – ainda atinge um terço da população mundial: a tuberculose. No evento, organizado pela Fiocruz e pela TB Alliance (Aliança Global para o Desenvolvimento de Drogas contra a Tuberculose) e presidido por Carlos Morel, coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz, pesquisadores brasileiros e estrangeiros discutiram os rumos a serem tomados no combate à tuberculose.


 O coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, Carlos Morel (Foto: Ana Limp)

O coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, Carlos Morel (Foto: Ana Limp)


“A Fiocruz tem o prazer de trabalhar com a TB Alliance desde quando era uma organização muito pequena. Hoje ela é uma das principais instituições do mundo no desenvolvimento dos novos medicamentos necessários ao combate à tuberculose. Temos que mudar o quadro vergonhoso que é a prevalência atual da doença”, disse Morel. A presidente da TB Alliance, Maria Freire, ressaltou a importância da implementação de infra-estrutura para a realização de testes clínicos para diagnosticar a tuberculose e de uma maior interface dos institutos de saúde com o governo.


Germano Gerhardt, da Fundação Ataulpho de Paiva – instituto criado em 1900 com o nome de Liga Brasileira contra a Tuberculose e que hoje representa o Brasil na União Internacional contra a Tuberculose –, falou sobre a importância do desenvolvimento de novas drogas que permitam encurtar o tempo de tratamento e diminuir o período de transmissibilidade da doença. Hoje o tratamento contra a tuberculose dura seis meses e provoca efeitos colaterais indesejáveis. Isso faz com que muitos pacientes abandonem o tratamento – no Brasil, 9,4% desistem precocemente –, o que gera bacilos resistentes às drogas.


 Antonio Ruffino Neto apresenta trabalho no seminário (Foto: Ana Limp)

Antonio Ruffino Neto apresenta trabalho no seminário (Foto: Ana Limp)


Segundo Miguel Aiub Hijjar, diretor do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, vinculado ao Ministério da Saúde, o Brasil é um dos países mais atingidos pela tuberculose: embora a tendência seja de declínio, há cerca de 100 mil pessoas em tratamento e cinco mil mortes por ano decorrentes da doença. A situação é muito diversa nos vários estados e municípios. Nas periferias dos grandes centros há uma grande concentração de casos e, nos estados onde existem mais pessoas infectadas pelo HIV, a tendência de declínio é anulada, havendo mesmo crescimento do número de casos.


Para Hijjar, é muito importante monitorar a taxa de resistência do bacilo às drogas no país. O último inquérito, realizado entre 1995 e 1997, mostrou baixa ocorrência de resistência. Um novo inquérito, mais abrangente, está sendo feito atualmente. O Brasil tem um sistema de tratamento para a tuberculose desde 1979. Nesse período, dois milhões e 200 mil pessoas já receberam os medicamentos. As drogas (três quimioterápicos combinados) são auto-administradas, ou seja, os pacientes as retiram nos postos de saúde e fazem o tratamento em casa. Existem no país 62 centros de referência habilitados a tratar a tuberculose resistente a medicamentos.


Antonio Ruffino Neto, coordenador de epidemiologia da Rede TB, entidade que reúne 88 instituições – 70 brasileiras e 18 internacionais – comentou a importância de se combater o estigma da doença, que ainda persiste apesar de a tuberculose já ter cura. Ele ressaltou também o crescimento da produção científica sobre o tema no Brasil: de 1984 a 2004, foram publicados 388 artigos sobre a tuberculose; de 2002 a 2006, com o surgimento da Rede TB, em apenas quatro anos 280 artigos foram publicados.


O infectologista Reynaldo Dietze, do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo, relatou a experiência do tratamento da doença em Vitória. Todos os pacientes com suspeita de tuberculose são submetidos a um exame chamado cultura do escarro cultivado. São feitos cerca de 20 mil deste exame por ano e em cada um dos municípios que compõem a Grande Vitória há um laboratório central habilitado para processar as culturas. “Isso agiliza o diagnóstico e aumenta a sua qualidade”, disse Dietze. Segundo ele, a baciloscopia – método usado mais freqüentemente – deixa de detectar 23,4% dos casos de tuberculose que a cultura do escarro consegue diagnosticar. Um software integra a universidade e os postos de saúde e possibilita o acesso aos prontuários de todos os pacientes.


 O infectologista Reynaldo Dietze (Foto: Ana Limp)

O infectologista Reynaldo Dietze (Foto: Ana Limp)


Valéria Rolla, infectologista do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz, estuda a co-infecção pela tuberculose e o HIV. A tuberculose é a doença oportunista mais prevalente entre doentes com Aids e o Ipec tem um programa para atendê-los desde 2000. “Geralmente pacientes com HIV não participam de pesquisas em tuberculose. No Ipec tentamos incluí-los nessas pesquisas”. Segundo ela, quanto maior a sobrevida dos pacientes com HIV, maior o número de co-infectados. Por isso, é tão importante a realização de ensaios clínicos que abordem a interação entre o bacilo da tuberculose e o HIV e de estudos sobre a associação entre os medicamentos usados no tratamento das duas doenças. “Essas pesquisas permitirão oferecer a melhor proposta terapêutica para os pacientes”, disse Valéria.


 Valéria Rolla, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Foto: Ana Limp)

Valéria Rolla, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Foto: Ana Limp)


Mel Spigelman, diretor de pesquisa e desenvolvimento da TB Alliance, falou sobre as dificuldades no desenvolvimento de novas drogas contra a tuberculose. Como o tratamento é demorado, os estudos clínicos são muito longos. Além disso, os investimentos em pesquisa e tratamento da tuberculose são insuficientes, já que a criação de novas drogas contra a doença, que atinge principalmente países pobres, não é comercialmente atraente. Para ilustrar esse fato, Spigelman mostrou que, enquanto existem 241 drogas contra o câncer em fase de pesquisa, apenas sete novos medicamentos contra a tuberculose estão em desenvolvimento – número bem inferior, até, que o de novos remédios contra disfunção erétil, que são 20. Otimista, Spigelman consegue ver uma vantagem nesse desinteresse da indústria farmacêutica. “Aprendizados e descobertas são compartilhados para ajudar a conservar os recursos que são tão escassos”, disse ele. “Assim, é possível convencer os patrocinadores de novas drogas a colaborar entre si no desenvolvimento de combinações mais eficazes, o que jamais seria possível se fortes interesses comerciais e a busca do lucro estivesses envolvidos”.


 O diretor de pesquisa e desenvolvimento da TB Alliance, Mel Spigelman (Foto: Ana Limp)

O diretor de pesquisa e desenvolvimento da TB Alliance, Mel Spigelman (Foto: Ana Limp)


O Conselho Diretor da TB Alliance se reuniu também na quarta-feira (28/03). Para esta quinta-feira (29/03) estão programadas visitas à fábrica de medicamentos de Farmanguinhos, em Jacarepaguá, e ao campus da Fiocruz, em Manguinhos.

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