07/06/2006
Bruna Cruz
Eles já foram tema de dezenas de filmes e povoam o imaginário da população como animais assustadores e sanguinários. Mas o limite entre a ficção e a realidade deixou de existir quando ataques de morcegos a animais e a seres humanos tornaram-se um problema de saúde pública em muitos países latino-americanos, e viraram uma ameaça à população da Região Metropolitana do Recife. Um cão da raça doberman Pinscher foi atacado, em Olinda, pelo morcego vampiro comum (Desmodus rotundus), espécie que se alimenta de sangue. O ataque ao cão pelo morcego foi registrado num artigo científico pelo médico veterinário Filipe Dantas Torres, aluno do mestrado em saúde pública do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco. O artigo é um dos mais visitados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), biblioteca virtual que abrange uma coleção de periódicos científicos, e está em primeiro lugar nos acessos da revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.
Em março, o Cento de Vigilância Animal (CVA) da Prefeitura do Recife registrou mais de 20 ataques de morcegos a humanos em cerca de 13 dias no bairro da Imbiribeira. Em Olinda, até agora não há registro de episódios semelhantes. Essa espécie de morcego é a principal responsável pela transmissão da raiva entre animais e a segunda entre humanos, perdendo apenas para o cão, segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
O registro do ataque ao cão foi feito por Torres das 21h às 4h, com o auxílio de uma câmera de vídeo. Ele fez nove imagens de ataques. As investidas do morcego vampiro foram confirmadas posteriormente com o exame físico do animal atacado e com a captura de dois exemplares de morcegos da mesma espécie no local, com a ajuda do CVA, pois Olinda ainda não tem equipe especializada no serviço.
De acordo com Torres, apesar de exames feitos com os morcegos capturados em Olinda terem dado negativo quanto à presença do vírus da raiva, o registro serve como um alerta para o risco da transmissão da doença no município. Ele conta que a raiva transmitida pelo morcego requer estratégias mais complexas de controle do que as utilizadas com cães e gatos, a exemplo da vacinação sistemática e da educação em saúde da população. "A captura e a identificação sistemática de morcegos deve ser associada ao uso de pastas anticoagulantes no dorso dos animais, pois o hábito de se lamberem quando estão em abrigos ou cavernas faz com que os outros morcegos entrem em contato com o produto, ocasionando o controle das colônias", complementou. A partir do trabalho realizado por Torres, o monitoramento começará, em breve, a ser feito em Olinda por meio de parceria entre o município e a Secretaria de Saúde de Pernambuco.
Segundo informações do Ministério da Saúde, o ciclo de transmissão predominante de raiva humana no Brasil, até 2003, foi o urbano (cão ou gato), com 72,5% dos casos registrados. Já em 2004 o morcego tornou-se o principal responsável pelos eventos de raiva humana devido à ocorrência de dois surtos da doença nos municípios de Portel (15 casos) e Viseu (seis casos), ambos no Pará. Até outubro de 2005 foram registrados, no Pará e no Maranhão, 31 casos de raiva humana, sendo 29 transmitidos por morcegos.
Além do morcego vampiro, outras espécies, inclusive as que não se alimentam de sangue, podem transmitir a raiva. Por isso, as pessoas que forem atacadas devem procurar a unidade de saúde mais próxima de sua casa para receber atendimento.
No mestrado em saúde pública, Torres desenvolve o projeto Ecoepidemiologia da leishmaniose visceral no município de Paulista, estado de Pernambuco, Brasil). O trabalho é orientado pelo pesquisador do Departamento de Imunologia, Sinval Brandão Filho.