22/05/2005
Catarina Chagas
Apesar dos males sanitários trazidos pelos colonizadores europeus aos índios brasileiros, permanecer sem contato com os homens brancos não garante às tribos uma vida mais protegida das infecções. É o que mostra o estudo coordenado pela parasitologista Maria Regina Reis Amendoeira, chefe do Laboratório de Toxoplasmose do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A equipe analisou amostras de sangue de índios pertencentes a três tribos com diferentes níveis de contato com populações não-indígenas. Os resultados revelaram que a tribo mais isolada apresenta a maior porcentagem de indivíduos infectados pelo protozoário Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose.
Foram estudadas as tribos tiriyó, situadas no Pará e que vivem com uma infra-estrutura semelhante à de uma pequena cidade, com água clorada e energia elétrica; waiãpi, especificamente o grupo instalado no Amapá e que tem contato intermediário com a cultura branca; e enawenê-nawê, que vive no Mato Grosso completamente isolada de outras populações, exceto pelas eventuais visitas de médicos especialmente enviados.
As amostras de sangue coletadas nas três tribos passaram por testes para verificar a presença de anticorpos contra o T. gondii, o que indicaria se o indivíduo já estivera em contato com o parasita, transmitido sobretudo pela ingestão de carnes vermelhas mal-passadas, água e vegetais crus contaminados. Entre os tiriyó e os waiãpi, os resultados foram semelhantes: 55,6% e 59,6% de indivíduos infectados, respectivamente - uma ocorrência semelhante à encontrada na cidade do Rio de Janeiro. Entre os enawenê-nawê a infecção está mais disseminada e 80,4% das amostras estudadas eram soropositivas. Os números mostram que o contato com populações não-indígenas não influi na ocorrência da infecção.
"Temos algumas hipóteses para explicar a alta freqüência da infecção nos enawenê-nawê, que não comem carne vermelha nem convivem com o homem branco", aponta Amendoeira. "A principal seria o uso de água oriunda de fontes também freqüentadas por felinos silvestres, que eliminam com suas fezes oocistos do T. gondii. Outra explicação seria a possível contaminação dos depósitos usados pelos índios para armazenar grãos, que poderiam ter sido invadidos por esses animais".
Embora não seja especializada em saúde indígena, a pesquisadora escolheu estudar a infecção nessas populações devido a seus hábitos e costumes, além da distribuição de papéis sociais bem definidos entre homens, mulheres e crianças. "Essa organização favorece um estudo mais preciso das possíveis fontes de infecção", relata. "Ao observar os enawenê-nawê, por exemplo, vimos que entre os homens havia uma maior ocorrência da infecção, o que pode ser explicado pelas suas atividades cotidianas, como a coleta de fungos em terrenos freqüentados por felinos silvestres. Possivelmente eles aspiram oocistos enquanto revolvem o solo".