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10/09/2013

Doença de Chagas


A doença / Agentes causadores

Descrita em 1909 por Carlos Chagas, que foi pesquisador e diretor do Instituto Oswaldo Cruz (que deu origem à atual Fiocruz), a doença de Chagas também é conhecida como tripanossomíase por Trypanosoma cruzi ou tripanossomíase americana (terminologia adotada pela Nomenclatura Internacional de Doenças, a NID). Diz-se tripanossomíase qualquer enfermidade causada por protozoários do gênero Trypanosoma, que parasitam o sangue e os tecidos de pessoas e animais. O Trypanosoma geralmente é transmitido de um hospedeiro a outro por insetos – no caso humano, o principal vetor é um percevejo popularmente conhecido como barbeiro ou chupão (insetos das espécies Triatoma infestansRhodnius prolixus Panstrongylus megistus, dentre mais de 300 espécies que podem transmitir o Trypanosoma cruzi).

Trypanosoma cruzi é transmitido no ato de alimentação do vetor (transmissão vetorial clássica). Assim que o barbeiro termina de se alimentar, ele defeca, eliminando os protozoários e colocando-os em contato com a ferida e a pele da vítima. A doença de Chagas também pode ser transmitida por transfusão de sangue ou durante a gravidez, da mãe contaminada para o filho. Outro modo de transmissão é pela ingestão de alimentos contaminados com vetores triturados ou com seus dejetos. Em ambientes desmatados ou alterados também pode haver transmissão vetorial. Estima-se que existam aproximadamente 12 milhões de portadores da doença crônica nas Américas, cerca de 2 a 3 milhões no Brasil.

A doença é diagnosticada por exame de sangue. Ainda não existe vacina contra a doença de Chagas e a melhor maneira de enfrentá-la é com prevenção e controle, combatendo sistematicamente os vetores, mediante o emprego de inseticidas eficazes, construção ou melhoria das habitações de maneira a torná-las inadequadas à proliferação dos vetores, eliminação dos animais domésticos infectados, uso de cortinados nas casas infestadas pelos vetores, controle e descarte do sangue contaminado pelo parasita e seus derivados.
 

Sintomas / Diagnóstico

Normalmente a fase aguda é assintomática e inaparente. Quando aparente, o quadro clínico da infecção surge de 5 a 14 dias após a transmissão pelo vetor e 30 a 40 dias para as infecções por transfusão sanguínea, mas as manifestações crônicas da doença de Chagas aparecem mais tarde, na vida adulta, 20 a 40 anos depois da infecção original. O quadro grave é caracterizado por febre de intensidade variável, mal-estar, inflamação dos gânglios linfáticos e inchaço do fígado e do baço. Pode ocorrer e persistir durante até oito semanas uma reação inflamatória no local da penetração do parasito (inchação, edema), conhecida como chagoma. O edema inflamatório unilateral das pálpebras (sinal de Romaña) ocorre em 10% a 20% dos casos quando a contaminação ocorre na mucosa ocular. Em alguns casos há manifestações fatais, ou que podem constituir uma ameaça à vida, incluindo inflamação do coração e inflamações que comprometem a meninge e o cérebro. A fase crônica sintomática decorre com maior frequência de lesões cardíacas, com aumento do volume do coração, alterações do ritmo de contração, e comprometimento do tubo digestivo, com inchação do esôfago e do estômago.

Na fase aguda e nas formas crônicas da doença de Chagas o diagnóstico do agente causador poderá ser realizado pela detecção do parasito por meio de métodos laboratoriais de visualização do parasito direta ou indiretamente e pela presença de anticorpos no soro, por meio de testes específicos, conhecidos como imunofluorescência indireta (IFI), hemaglutinação indireta (HAI) e enzimas (Elisa). Testes de maiores complexidades como o teste molecular, utilizando reação em cadeia da polimerase (PCR) acoplado à hibridização com sondas moleculares, e o western blot (WB) têm apresentado resultados promissores e podem ser utilizados como teste confirmatório em qualquer fase da doença.

A doença crônica é majoritariamente benigna, não trazendo maiores problemas para 7 em cada 10 portadores. Nos outros 3 podem ocorrer problemas cardíacos, digestivos ou neurológicos, nessa ordem de frequência. No Brasil a cardiopatia da doença de Chagas é uma importante causa de morte entre adultos de 30 a 60 anos e uma grande causa de implante de marcapasso cardíaco e de transplante de coração.

 

Prevenção

Uma das formas de prevenção da doença de Chagas é evitar que o inseto “barbeiro” forme colônias dentro das residências. Vedação de frestas nos telhados e de buracos nas paredes são boas estratégias. Em áreas onde os insetos possam entrar nas casas voando pelas aberturas ou frestas, pode-se usar mosquiteiros ou telas metálicas. 

Recomenda-se usar medidas de proteção individual (repelentes, roupas de mangas longas, etc) durante a realização de atividades noturnas (caçadas, pesca ou pernoite) em áreas de mata. Para a prevenção da transmissão oral é importante seguir todas as recomendações de boas práticas de higiene e manipulação de alimentos, em especial aqueles consumidos in natura. 

 

Tratamento da doença de Chagas

Existem dois medicamentos que são utilizados para tratar a infecção por Trypanosoma cruzi, e só um deles é usado no Brasil, o benzonidazol, produzido pelo Laboratório Federal de Pernambuco (Fafepe). O Sistema Único de Saúde distribui o medicamento após a indicação médica, seja em casos agudos ou crônicos. No entanto, não há garantia ainda de eficácia total do tratamento, que varia muito. Boa alimentação e fortalecimento do sistema imunológico dos portadores da doença de Chagas, bem como uma atenção integral no sistema de saúde são procedimentos que retardam a evolução da doença. Como na maioria dos casos a doença crônica é benigna e sem sintomas, é importante o acompanhamento anual dos pacientes para que intervenções possam ser feitas no momento certo da progressão da doença.

 

Panorama geral da doença no Brasil

A doença de Chagas é considerada uma antropozoonose, uma doença que liga o homem aos animais, a partir da domiciliação dos vetores, deslocados de seus nichos silvestres originais, pela ação do homem sobre o ambiente. Primariamente ocorre apenas nas Américas, em virtude da distribuição do vetor estar restrita a este continente. Entretanto, são registrados casos em países não endêmicos por outros mecanismos de transmissão ou pela migração intensa de latino-americanos para outros continentes.

No Brasil, atualmente predominam os casos crônicos de doença de Chagas decorrentes de infecções adquiridas no passado. No entanto, nos últimos anos, a ocorrência de doença de Chagas aguda (DCA) tem sido observada nos estados da Amazônia Legal, com ocorrência de casos isolados em outros estados. 

No passado, a área endêmica, ou seja, com risco de transmissão da doença de Chagas pela presença de vetores infectados, conhecida no final dos anos 70, incluía 18 estados e mais de 2,2 mil municípios, nos quais se comprovou a presença de triatomíneos e destes 711 com presença do Triatoma infestans, principal vetor estritamente domiciliar no Brasil. Ações sistematizadas de controle químico foram instituídas a partir de 1975 mantidas em caráter regular, e desde então levaram a uma expressiva redução da presença de T. infestans e, simultaneamente, da sua transmissão às pessoas. Em reconhecimento, o Brasil recebeu em 2006 a certificação internacional de interrupção da transmissão da doença pelo T. infestans, concedida pela Organização Panamericana da Saúde e Organização Mundial da Saúde. Com o sucesso do controle do mecanismo majoritário de transmissão os mecanismos minoritários passaram a ter importância em saúde pública.

Hoje, o perfil epidemiológico da doença apresenta um novo cenário com a ocorrência de casos e surtos na Amazônia Legal por transmissão oral e vetorial (sem colonização e extradomiciliar). Com isso, evidenciam-se duas áreas geográficas onde os padrões de transmissão são diferenciados: a) a região originalmente de risco para a transmissão vetorial, onde ações de vigilância epidemiológica, entomológica e ambiental devem ser concentradas, com vistas à manutenção e sustentabilidade da interrupção da transmissão da doença pelo T. infestans e por outros vetores passíveis de domiciliação; b) a região da Amazônia Legal, onde a doença de Chagas não era reconhecida como problema de saúde pública, as ações de vigilância devem ser estruturadas e executadas de forma extensiva e regular na região por meio de: detecção de casos febris, apoiada na vigilância da malária; identificação e mapeamento de marcadores ambientais, a partir do reconhecimento das áreas preferenciais das diferentes espécies de vetores prevalentes e na investigação de situações em que há evidências ou suspeita de domiciliação de alguns vetores. 

Surtos de doença de Chagas aguda relacionados à ingestão de alimentos contaminados (caldo de cana, açaí, bacaba, entre outros) e casos isolados por transmissão vetorial extradomiciliar vem ocorrendo especialmente na Amazônia Legal. No período de 2000 a 2011, foram registrados mais de mil e duzentos casos, 70% por transmissão oral, 7% por transmissão vetorial e 22% sem identificação do modo de transmissão. 

A alteração do quadro epidemiológico da doença de Chagas no Brasil promoveu a mudança nas ações e estratégias de vigilância, prevenção e controle, por meio da adoção de um novo modelo de vigilância epidemiológica, de acordo com os padrões de transmissão da área geográfica: 

1. Regiões originalmente de risco para a transmissão vetorial (AL, BA, CE, DF, GO, MA, MG, MS, MT, PB, PE, PI, PR, RN, RS, SE, SP, TO): vigilância epidemiológica visa detectar a presença e prevenir a formação de colônias domiciliares do vetor; atenção integral aos portadores crônicos da infecção.

2. Amazônia Legal (AC, AM, AP, RO, RR, PA, parte do TO, MA e do MT): vigilância centrada na detecção precoce de casos agudos e surtos e apoiada na Vigilância Epidemiológica da Malária, pela capacitação de microscopistas para identificação de T. cruzi nas lâminas para diagnóstico da malária e nas ações preventivas da vigilância sanitária sobre as cadeias produtivas de alimentos. 

 

O papel da Fiocruz

Em janeiro de 2006, o Programa Integrado de Doença de Chagas (PIDC) da Fiocruz foi oficialmente criado, com o apoio da Vice-Presidência de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, reunindo pesquisadores das diversas unidades. O PIDC procura articular a cooperação entre pesquisadores em redes temáticas, de modo a aumentar a eficiência da pesquisa institucional e fortalecer a capacidade de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento de pesquisas relevantes que deem retorno à sociedade. A iniciativa assegura uma contribuição efetiva da Fiocruz para o controle da doença de Chagas no século 21, com metas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Em 2009 a Anvisa autorizou um ensaio clinico com pacientes com doença de Chagas crônica, para o teste de tratamento com selênio para impedir a progressão da doença cardíaca. Esse estudo, conduzido pelo Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pelo Laboratório de Pesquisa em Doença de Chagas do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), com colaboração de outras unidades da Fiocruz, é o primeiro a testar uma abordagem nutricional como adjuvante para o tratamento da doença de Chagas crônica. A Fiocruz também participa do ensaio multicêntrico Benefit, que avalia a eficácia do tratamento com benzonidazol na fase crônica, com resultados previstos para 2014. 

Em 2013, o Laboratório de Biologia das Interações do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificou que o patógeno causador da doença de Chagas – o protozoário Trypanosoma cruzi – pode desencadear uma desordem imunológica e neuroquímica associada ao quadro depressivo.  Foram utilizados dois grupos de camundongos. Cada grupo foi infectado com cepas tipo 1 e tipo 2 de T. cruzi. Só o primeiro grupo apresentava imobilidade e desistência quando submetido a testes de depressão. Para os pesquisadores, foi um sinal preliminar de que a depressão, na doença de Chagas, poderia não ser um processo psicossomático.

Outra esperança que se abre é a utilização de células-tronco, o que tem sido feito pela unidade da Fiocruz na Bahia. A busca de métodos para o reparo de lesões causadas por doenças crônicas tem sido impulsionada pela descoberta de células-tronco com capacidade de autorreplicação e de diferenciação em diversos tipos celulares. Em vez de substituir um órgão lesado, vislumbra-se a possibilidade de se repará-lo pela aplicação de terapias celulares. O coração lesado pela doença de Chagas crônica é, portanto, um alvo em potencial para a medicina regenerativa. Estudos em cardiopatia isquêmica demonstraram que células-tronco obtidas de várias fontes, incluindo da medula óssea, são eficazes no tratamento deste tipo de insuficiência cardíaca e indicaram um potencial da utilização da terapia com células-tronco em outras cardiopatias, incluindo a que ocorre na doença de Chagas. Uma terapia capaz de causar uma melhora da função cardíaca, e que seja mais accessível à população de pacientes com doença de Chagas, em sua grande maioria de baixa renda, é de grande interesse.

Texto revisado pela pesquisadora:
Tania Araujo-Jorge, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)

Outras fontes:
 

Ministério da Saúde

Portal da Doença de Chagas

Programa Integrado de Doença de Chagas (PIDC) da Fiocruz

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