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06/09/2012

Livro aborda a história de Florianópolis pela arquitetura da saúde

Fernanda Marques


A abordagem historiográfica das cidades a partir da saúde não é novidade, mas, atualmente, é pouco valorizada no âmbito das pesquisas de história urbana. Reverter esse quadro e demonstrar o valor desse tipo de abordagem é um dos objetivos do livro História da Saúde em Santa Catarina: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958), de Ana M. G. Albano Amora (organizadora), doutora em planejamento urbano e regional e professora da UFRJ e da Fiocruz. A coletânea é fruto de um amplo programa de estudos e identificação do patrimônio arquitetônico e documental de hospitais e outras instituições de assistência médica, assim como de institutos de pesquisa científica. O trabalho teve como foco, mais especificamente, a cidade de Florianópolis. Acompanha o livro um CD, onde se encontram mais informações históricas e arquitetônicas sobre as instituições descritas no projeto. Esta é a quarta publicação da coleção História & Patrimônio da Saúde, das Editoras Fiocruz e Manole, cuja proposta é vincular a história das instituições de saúde ao seu patrimônio cultural.






As instituições que compõem o inventário são exemplares representativos do campo da saúde, além de demonstrarem de que forma os arquitetos traduziram as ideias médicas em projetos e edificações. “Este livro fala da relação entre cidade e saúde, sobretudo no período republicano, sem deixar de referenciar instituições dos períodos Colonial e Imperial”, conta a organizadora. Além das instituições, o livro também analisa a atuação dos médicos nesses períodos da história. “Para esses homens, a medicina podia transformar os rumos da política local, com o médico vindo a ocupar cargos públicos e definidores de políticas públicas ou mesmo sendo intérprete da história”, avalia Ana.



O primeiro capítulo do livro traça um retrato da cidade durante a Primeira República, período marcado por iniciativas modernizadoras. Em 1919, a Inspetoria de Higiene foi reestruturada e tornou-se Diretoria de Higiene do Estado. E o governo estadual também contratou os serviços da Fundação Rockefeller. A capital catarinense foi, então, palco de intensa campanha higienista, mas isso não resultou em mudanças, de fato, nas condições sanitárias. As práticas higienistas e profiláticas recaíam sobre as classes pobres da cidade, com o intuito de retirar a pobreza das ruas.


O capítulo seguinte aborda o primeiro Governo Vargas, representado, em Santa Catarina, pelo governo de Nereu Ramos, eleito em 1934 e permanecendo à frente do executivo estadual como interventor após 1937. Ele reorganizou a estrutura pública de saúde, atuando em todo o território catarinense. Na cidade de Florianópolis, houve obras de expansão das redes de água e esgoto, aliadas à abertura e à pavimentação de ruas e à canalização de córregos. “O número de instituições criadas e edificações construídas nessa época é o mais significativo do inventário”, diz Ana.


A trajetória do médico Oswaldo Rodrigues Cabral – “cuja atuação exemplifica, de forma superlativa, a contribuição dos profissionais médicos para a modernização catarinense” – é o tema do terceiro capítulo. E, por fim, o quarto capítulo apresenta o combate à hanseníase em Santa Catarina, com base na história cultural, articulando documentação oficial a relatos biográficos e história oral. O texto revela, por exemplo, o ponto de vista de pacientes internos da antiga Colônia Santa Teresa – uma das 29 instituições e edificações descritas no CD que acompanha o livro.


Para cada verbete do CD, é possível obter detalhes arquitetônicos e históricos. Os verbetes estão divididos em período colonial, Primeira República e décadas de 1930 a 1960. É neste último grupo que se encaixa a Colônia Santa Teresa, construída entre 1937 e 1940 no município de São Pedro de Alcântara, hoje Região Metropolitana de Florianópolis. “Com a evolução do tratamento da doença, sem a necessidade de isolamento e internação compulsória, a utilização da poliquimioterapia e o acompanhamento realizado diretamente nos postos de saúde, a colônia assumiu a função de hospital, deixando de ser uma pequena cidade apartada do restante da sociedade”, explica o verbete. Atualmente, o hospital tem 14 pacientes ainda remanescentes do período de isolamento e disponibiliza 108 leitos para internação, mas seu complexo de prédios não está tombado.


Muitas das edificações apresentadas no livro mantêm seus usos originais, embora várias delas ainda não tenham sido alvo de tombamento nem de nenhuma outra medida de preservação. Nesse sentido, o livro pode cumprir ainda outra missão: favorecer o estabelecimento de uma política de proteção a esses bens, que sofrem as pressões do crescimento urbano, inclusive do mercado imobiliário. O volume sobre Santa Catarina, assim como os outros da coleção – sobre Bahia, Minas Gerais e São Paulo –, é fruto do projeto Inventário Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde: bens edificados e acervos, desenvolvido desde 2007 sob coordenação da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).


Publicado em 4/9/2012.

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