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15/02/2012

Saúde: combinação de fatores que vão do muito pequeno ao bem maior do que eu

Fernanda Marques


Como está se sentindo? Certamente, você sabe responder a esta pergunta. Consegue expressar se tem alguma dor, mal-estar ou cansaço. E o que é saúde? Agora a questão é bem mais complexa e difícil de definir em poucas palavras. Muitos – inclusive renomados cientistas e pensadores – já se debruçaram sobre essa questão. Ausência de doenças; órgãos funcionando em silêncio; estado de completo bem-estar físico, mental e social: numerosas são as tentativas de definir a saúde. O epidemiologista Francisco I. Bastos assumiu o desafio de revisitar diferentes trabalhos científicos que abordam o tema e formular o seu próprio ponto de vista sobre o assunto. O saldo desse esforço pode ser encontrado no livro Saúde em questão, publicado pelas editoras Claro Enigma e Fiocruz. “A saúde é o resultado de interações de eventos que ocorrem nos diversos níveis”, resume o autor, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Os níveis, no caso, são cinco: muito pequeno, pequeno, do meu tamanho, maior do que eu e bem maior do que eu, cada qual discutido em um capítulo do livro.







No mundo muito pequeno, onde estão os átomos e as partículas subatômicas, a saúde é um conceito sem sentido. No entanto, nossa saúde é algo que depende de elementos desse mundo – não estaríamos vivos sem carbono, oxigênio, ferro, zinco etc. “Ou seja, o mundo do muito pequeno não liga a mínima para a nossa saúde, mas nós não podemos descuidar dele – somos sistemas organizados compostos inteiramente de elementos que habitam o mundo do muito pequeno”, explica Francisco I. Bastos.


A saúde também está intimamente ligada ao mundo pequeno, onde estão as macromoléculas, como as proteínas e o DNA, as células do nosso corpo e os microrganismos. Embora invisível a olho nu, esse mundo pode se fazer notar em várias situações cotidianas, por exemplo, quando se lê na embalagem de um alimento que ele contém uma macromolécula chamada glúten. Aquele produto, portanto, representaria um risco à saúde se ingerido por uma pessoa cujo organismo não é capaz de digerir o glúten adequadamente. Outro exemplo bastante familiar é o fato de que o funcionamento dos órgãos requer energia, e essa energia é retirada dos alimentos em uma cadeia de reações químicas cujo ápice ocorre nas mitocôndrias, organelas que existem dentro das células. Outros fenômenos que demonstram como o mundo pequeno afeta a nossa saúde incluem a alergia – uma reação exagerada do sistema imunológico contra um agente invasor – e a flora intestinal – bactérias que, embora vivendo dentro do nosso aparelho digestivo, são benéficas, pois auxiliam na digestão.


O mundo do meu tamanho é formado pelos homens e seu ambiente imediato, e eles estão conectados em redes sociais por onde se propagam doenças. Por exemplo, as fezes de uma pessoa com cólera podem contaminar uma fonte de água e indivíduos que venham a consumir essa água ficarão doentes. De maneira similar, as fezes de uma pessoa com gastrenterite podem contaminar alimentos e, por meio da ingestão destes, outros indivíduos vão infectar-se. No caso da dengue, um mosquito se infecta ao picar uma pessoa doente e, ao picar pessoas sadias, ele espalha o vírus. Já no caso da gripe, a transmissão é direta, de indivíduo para indivíduo.



“Mais recentemente, as redes sociais também vêm sendo utilizadas como modelos explicativos da disseminação de outros problemas que atingem a humanidade, como a violência e o tráfico de drogas, por exemplo”, afirma Francisco I. Bastos. “Aqui o significado da expressão é mais metafórico, e parte do princípio de que ideias, comportamentos e hábitos que praticamos e disseminamos também podem ser assimilados por aqueles que constituem nossas redes sociais (ainda que isso não tenha relação alguma com um agente transmissível propriamente dito)”, esclarece.


Uma forma simplificada de explicar como o mundo maior do que eu interfere na saúde é lembrar a tão utilizada expressão ‘más condições de vida’, que resume como a pobreza, a desigualdade social, a discriminação, o racismo e outras mazelas têm efeitos negativos sobre os homens. No capítulo que discute essa problemática, o autor faz uma “longa incursão pela miséria humana – que pode ser espiritual, física ou social, mas é, antes de tudo, um conjunto intricado e indistinguível de formas de sofrer”.


Por fim, o mundo bem maior do que eu engloba uma variedade de assuntos ligados ao universo, como a luz solar, que é essencial à vida, embora o excesso de exposição aos raios ultravioletas possa danificar o DNA e causar câncer. Mas o mundo bem maior do que eu se refere, principalmente, às grandes temáticas do planeta, como o aquecimento global e a progressiva deterioração das condições ambientais.


Assim, do muito pequeno ao bem maior do que eu, percebemos como a questão da saúde é difusa. “Talvez ao fim do percurso possamos conviver com a ideia, a princípio frustrante, de que não há mesmo como definir saúde de forma precisa”, pondera Francisco I. Bastos. “Seja lá como for, saúde é também coragem, vontade de seguir em frente, a despeito da ameaça do envelhecimento, da doença e da morte. Saúde é ter fé: na vida, em nós mesmos, na complexa e contraditória humanidade, em forças que não conseguimos nem ao menos discernir”, filosofa o autor.


Publicado em 13/2/2012.

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