04/04/2016
Falta de saneamento básico, oferta regular e contínua de água e a não regulamentação de receitas orçamentárias para saúde, saneamento e desenvolvimento urbano foram alguns fatores apontados como determinantes da epidemia de microcefalia vivida atualmente no Brasil. Essas questões foram debatidas (1°/4) na mesa-redonda Desigualdade estrutural e microcefalia: a determinação social de uma epidemia, promovida pela Fiocruz Pernambuco. O evento reuniu público de um pouco mais de 200 pessoas e teve como palestrantes os pesquisadores da Fiocruz Pernambuco André Monteiro e Idê Gurgel; o presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Paulo Rubem Santiago, e os professores Cidoval Morais de Sousa, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e José Esteban Castro, da Universidade de Newcastle, do Reino Unido.
A primeira palestrante, Idê Gurgel, do Departamento de Saúde Coletiva (Nesc) da Fiocruz Pernambuco, criticou o modelo de controle de doenças transmitidas por vetores que é centrado no combate, sobretudo, ao mosquito o Aedes aegypt, agente transmissor do vírus zika e apontado como principal causador dessa epidemia. O modelo utiliza inseticida químico, substância neurotóxica que ataca o sistema nervoso do inseto. No Brasil, uma das substâncias usadas pelos municípios para combater o Aedes é o malathion. A pesquisadira destacou, entre outras questões, que a proliferação desse mosquito, que chegou ao país no século 18, é condicionada por múltiplos fatores: falta de acesso contínuo e regular à água, o que exige o acúmulo de água em vasilhames; falta de saneamento básico, de tratamento de dejetos, de drenagem urbana e de moradia saudável.
Seguindo o mesmo raciocínio de Idê, André Monteiro criticou a maneira como a abordagem dessas epidemias é realizada: centrada na questão biomédica e reduzida a visão “problema e solução”, onde o problema é o mosquito e a solução o veneno. “É extrapolar a questão biológica e olhar para questões que influem nas condições sociais de saúde, como políticas públicas, subjetividade/cultura, organização social, dimensões técnica e econômica”, alertou ele, chamando atenção para que a abordagem não se resuma também apenas ao campo social. Engenheiro sanitarista, Monteiro acredita que, ao buscar o controle da doença focado no combate ao mosquito, o Estado transfere para a população sua responsabilidade. “A mãe do bebê com microcefalia não pode ser culpabilizada (de seu filho nascer com microcefalia) porque não cuidou do vaso de planta com água”, afirma ele, advertindo que desde que essa epidemia eclodiu não viu investimentos em saneamento por nenhum dos níveis de gestão: município, estado e União.
O professor Cidoval Morais de Sousa, da Universidade Estadual da Paraíba, também falou sobre saneamento básico. De acordo com ele, em 2014, os dez municípios brasileiros que mais investiram em saneamento báscico aplicaram cerca de R$ 800 milhões neste setor e arrecadaram quase R$ 4 bilhões. Os dez que investiram menos empregaram R$ 198 milhões e arrecadaram quase R$ 500 milhões. Para ele, isso demonstra que o investimento em saneamento básico é produtivo e gera menos risco à saúde da população.
A regulamentação da aplicação de receitas orçamentárias para saúde, saneamento e desenvolvimento urbano foram pontos defendidos pelo presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Paulo Rubem Santiago, em sua apresentação. Ex-parlamentar, ele também defendeu que as verbas correspondentes sejam “ampliadas, livres de cortes, desvinculações e contingenciamentos”. Outro palestrante da mesa-redonda foi o professor José Esteban Castro, da Universidade de Newcastle, que falou sobre política e gestão da água. Esteban coordena a Rede Waterlat-Gobacit, uma entidade internacional sobre democratização no acesso à água.