14/04/2016
Não tem como pensar em doença crônica e não pensar em desospitalização. Foi com essa proposta que o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) reuniu profissionais da saúde e representantes do poder judiciário, para um debate sobre a invisibilidade das condições crônicas na infância e os entraves à desospitalização.
O IFF é reconhecido no âmbito da Fiocruz e do Ministério da Saúde como referência na consolidação e no aprimoramento das políticas públicas voltadas para o seu público-alvo. Neste contexto, o seminário teve como principal objetivo apresentar aos convidados e magistrados o trabalho desenvolvido pela instituição no âmbito das doenças crônicas e problemas enfrentados no dia a dia desses pacientes e seus familiares, a fim de somar esforços para possibilitar a qualidade de vida dessas crianças e suas famílias.
Durante a mesa de abertura, a defensora pública estadual e coordenadora do Núcleo de Fazenda Pública, Samantha Monteiro, falou dos obstáculos enfrentados no processo de desospitalização e mencionou a importância da aproximação com o Instituto, para juntos avançarem nessa prática. “Nós temos muitas dúvidas e dificuldades, por isso, é importante essa parceria com os profissionais da saúde, para que possamos conhecer mais de perto a realidade dessas crianças e assim, procedermos com mais propriedade.” Já a defensora pública estadual e coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaisa Guerreiro de Souza, acredita que esse seminário simboliza uma aproximação que vai render muitos frutos e o momento é oportuno para uma rica troca de experiências.
Na sequência, o diretor do Centro de Estudos Olinto de Oliveira e gerente da Unidade de Pacientes Internados do IFF/Fiocruz, Antônio Flávio Meirelles, ressaltou o comprometimento dos profissionais, principalmente do Instituto, nesta força tarefa de apoiar e trabalhar para que essas famílias tenham condições de levar os seus filhos para suas casas. Para o vice-diretor de Atenção à Saúde do IFF, Carlos Eduardo Figueiredo, o papel do IFF é trabalhar e firmar parcerias para proporcionar aos pacientes, na medida do possível, uma recuperação digna e com qualidade, próximo aos seus familiares.
“Se por um lado ainda não temos condição de responder alguns questionamentos, por outro, temos a consciência de que podemos avançar na união de esforços. É neste sentido que a agenda de hoje coroa uma aproximação inédita, pois o compromisso da desospitalização é de todos nós”, enfatizou o diretor da unidade da Fiocruz, Carlos Maurício de Paulo Maciel.
Desospitalização e união dos esforços
A política de desospitalização no Brasil ainda é muita imatura, dessa forma, é preciso pensar e trabalhar essa prática com legitimidade e comprometimento, o fortalecimento dos serviços para demandas mais complexas, como cuidados paliativos e ventilação mecânica invasiva; a utilização de protocolos clínicos e de acesso; a incorporação tecnológica; o uso de ferramentas de apoio ao trabalho das equipes e a formação de uma equipe cuidadora, sobretudo em municípios menores, representam importantes desafios a serem enfrentados.
Para a gerente da Área de Atenção Clínica à Criança e ao Adolescente do IFF/Fiocruz, Lívia Menezes, o perfil assistencial prestado à uma criança com doença crônica, hoje, é diferente do que era realizado há 40 anos atrás. Com a inovação e os avanços da medicina, nos dias atuais, é possível acompanhar mais de perto e com mais precisão o problema de uma criança, “com isso, houve uma redução significativa da mortalidade infantil e várias contribuições fizeram com que a pediatria vivesse esse momento,” destacou. Na oportunidade, o gerente da Unidade Intermediária, José Luiz Carvalho, fez uma breve apresentação do trabalho realizado nas enfermarias de pediatria do Instituto e justificou o processo de desospitalização desses pacientes.
Coordenadora geral do Núcleo de Apoio a Projetos Educacionais e Culturais (Napec/IFF), Magdalena de Oliveira exibiu um vídeo com um depoimento de uma mãe que enfrenta essa realidade hospitalar. Com uma filha de 7 anos internada há mais de um ano no IFF, Ubiranilde se reveza diariamente entre a sua casa e o Instituto. "O meu maior sonho é ter a minha filha em casa com os irmãos. Seria uma nova vida", disse emocionada a mãe, que demora duas horas e meia para chegar ao hospital.
De acordo com Magdalena, o depoimento de Ubiranilde mostra todas as dificuldades enfrentadas por estes responsáveis, desde a questão dos acompanhantes até a desospitalização dos pacientes. “A gente encara uma realidade que não é fácil. São mães convivendo com os seus filhos e outras crianças adoecidas", acrescentou.
Histórias como a de Ubiranilde reforçaram ainda mais o comprometimento dos envolvidos no processo de desospitalização e romperem com os entraves enfrentados nesta prática. Para ilustrar o momento, a defensora pública federal, Maria Isabel Gomes San´Anna, falou sobre o artigo. 227 que diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Ela complementou o parágrafo dizendo: “Não adianta viver, é preciso viver com dignidade.”
A coordenadora do Programa de Atenção Domiciliar do Ministério da Saúde (MS), Mariana Borges, abriu a sua palestra com uma novidade que será integrada ao Programa do MS, Melhor em Casa. A nota técnica emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz que não é necessário a presença contínua de um profissional de saúde em domicílio. Para que o processo de desospitalização seja realizado, é preciso de um plano terapêutico bem elaborado, um cuidador capacitado e uma rede apta a interferir com segurança em casos de intercorrência. Para Mariana, esse avanço vem coroar e facilitar a prática da desospitalização. “O cuidador apto é o maior determinante do sucesso desse cuidado domiciliar, uma rede capacitada e empenhada fará com que a desospitalização ocorra com segurança e tranquilidade,” enfatizou a coordenadora.
Para encerrar o momento e mostrar que é possível unir esforços e parcerias em prol de um projeto que foi pensado, estruturado e que, hoje, é praticado com êxito, a chefe do Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital das Clínicas de Uberlândia (Minas Gerais), Aglai Arantes, apresentou o modelo de desospitalização desenvolvido pela Instituição. “Nos deparamos com vários níveis de insegurança, mas vencemos e colocamos o projeto de desospitalização em prática. Firmamos várias parcerias para que esse processo fosse possível,” salientou.
Os debates renderam discussões e pautas a serem discutidas em reuniões futuras. Para a assistente social do IFF/Fiocruz e também organizadora do seminário Mariana Setúbal, o importante é unir esforços para o avanço dessa prática no Instituto e a parceria com os poderes legislativo, judiciário e executivo é fundamental.