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09/11/2012

Quando a Aids deixou de ser sinônimo de morte

Haendel Gomes


A pesquisadora Dilene Raimundo do Nascimento é docente do Programa de Pós-Graduação da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), possui doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (1999) e graduação em medicina. Nesta entrevista, fala sobre a luta dos doentes contaminados pelo HIV/Aids a partir da década de 1980, quando o país passava por importantes mudanças políticas e sociais e conhecia os primeiros casos da doença, culminando com a Constituição de 1988. A Carta Cidadã – na classificação do então deputado Ulysses Guimarães - assegurou direitos e garantias como acesso integral, universal e gratuito da saúde no país, o Sistema Único de Saúde (SUS).



Autora do livro As pestes do século XX -Tuberculose e Aids no Brasil: uma história comparada (Editora Fiocruz, 2005), a historiadora da COC destaca a luta das ONGs e dos homossexuais contra o preconceito e a busca por mais informação sobre Aids, a contribuição de personalidades como Betinho (o sociólogo Herbert de Souza), seu irmão Henfil – eles eram hemofílicos e contraíram a doença em transfusões - e Cazuza.  Segundo ela, foi preciso haver uma “desconstrução” do preconceito que existia em torno do HIV/Aids. Dilene Raimundo do Nascimento defende o aperfeiçoamento do SUS, como sistema universal de atendimento à população, e destaca o trabalho da Fiocruz em vários aspectos do processo para o conhecimento e o tratamento da doença, inclusive com a fabricação de kits diagnóstico do HIV, antirretrovirais, pesquisas históricas e produtos educativos. Para a pesquisadora, “a Aids deixou de ser sinônimo de morte”.


 Para a pesquisadora Dilene Nascimento da COC/Fiocruz, “a Aids deixou de ser sinônimo de morte”. 

 Para a pesquisadora Dilene Nascimento da COC/Fiocruz, “a Aids deixou de ser sinônimo de morte”. 


AFN - Quando os casos de HIV/Aids começaram a ser notificados, no início da década de 1980, os doentes sofreram com o preconceito e a falta de informação sobre a doença. Mas nessa época já havia uma discussão em andamento em torno da universalização da saúde e o respeito à dignidade humana no Brasil, o que viria a ser assegurado na Constituição de 1988. De que forma a sociedade reagiu ao movimento que estigmatizava grupos como os homossexuais, os hemofílicos e os usuários de drogas?

 

Dilene Raimundo do Nascimento: Penso que a sociedade como um todo fez um coro uníssono no sentido de reforçar o estigma já existente em relação aos homossexuais, à medida que a doença, quando surgiu, foi identificada pelos cientistas e divulgada pela mídia como doença de homossexuais. Mas os homossexuais decidiram que não morreriam em silêncio e criaram trincheiras de luta ─ as Ongs/Aids ─ para esclarecimentos sobre a doença e desconstrução do preconceito. A universalização da saúde e o respeito à dignidade humana no Brasil, incorporados na Constituição de 1988, ainda precisa de muita luta para que se efetive na prática. Quando os hemofílicos começaram a se contaminar com o vírus da Aids, nas transfusões de sangue contaminado, foram vistos como vítimas da “doença disseminada pelos homossexuais”.

 

AFN - Os governos mundiais não entendiam a doença e de que forma podiam intervir de maneira positiva. Em que momento houve uma mudança de comportamento das autoridades brasileiras de saúde no enfrentamento ao HIV/Aids? O fato de personalidades como o cantor Cazuza (Agenor de Miranda Araújo Neto) e o sociólogo Betinho (Herbert José de Souza) terem sido vítimas da doença de alguma forma contribuiu para isso?

 

Dilene: A militância das ONGs/Aids resultou numa atuação fundamental para a informação e prevenção da Aids, forçando uma definição das políticas de saúde. Assim, a par de uma campanha internacional para que os governos interviessem na epidemia, as ONGs/Aids tiveram um papel fundamental, pressionando para que o governo brasileiro formulasse políticas cada vez mais comprometidas com a luta contra a Aids.



A morte de Henfil, em janeiro de 1988, foi o estopim para o governo brasileiro estabelecer o programa de hemoterapia, proibindo a comercialização e garantindo exames de controle do sangue. Henfil, hemofílico, assim como seus irmãos o sociólogo Betinho e o músico Chico Mário, foram contaminados pelo HIV em transfusão sanguínea. Figuras públicas como o cantor Cazuza e o próprio Betinho causaram impacto na sociedade ao assumirem ter Aids. É como se a doença se aproximasse de todos.

 

AFN - É possível fazermos um paralelo da luta de ONGs voltadas ao amparo de vítimas do HIV naquele período da década de 1980 com a realidade dos soropositivos hoje?

 

Dilene: Todo o trabalho das ONGs/Aids, no sentido de tornar públicos esclarecimentos sobre a doença, pressionar o governo a assumir políticas públicas de controle da Aids, desconstruir o preconceito em relação aos doentes de Aids e, principalmente, a luta pela democracia e pelos direitos de cidadania, aliado à descoberta da terapia tríplice, em 1996, levou a uma nova realidade para os soropositivos.

 

AFN - De que forma o SUS contribuiu para deixar o Brasil em uma posição de destaque no mundo em relação ao tratamento das pessoas infectadas?

 

Dilene: A saúde como direito de todos e dever do Estado, capítulo constitucional que se traduz nos princípios do SUS como universalização do atendimento e equidade das ações, levou o governo brasileiro a prestar assistência aos soropositivos e fornecer o tratamento da Aids gratuitamente, tão logo a terapia tríplice (associação de 3 medicamentos antirretrovirais, usada no tratamento da Aids, o chamado "coquetel") foi anunciada, em 1996.

 

AFN - Com a universalização do atendimento e todas as conquistas na luta contra o HIV/Aids em nosso país, é possível dizer que a doença está sob controle?

 

Dilene: Penso ser bastante preocupante o fato de o maior número de registros de soropositividade incidir, hoje, na população mais pobre que, apesar da universalização e equidade do SUS, tem acesso mais restrito ao atendimento.

 

AFN - Em que áreas precisamos avançar até a aguardada vacina estar disponível?

 

Dilene: Primeiro, aperfeiçoar cada vez mais o SUS para o atendimento eficaz de todos os soropositivos. Segundo, na prevenção, sem dúvida. Com o advento da terapia tríplice, a Aids deixou de ser sinônimo de morte. Com isso, as campanhas de prevenção sofreram arrefecimento e os jovens que iniciam sua vida sexual, hoje, o fazem sem o uso de camisinha.

 

AFN - Como a Fiocruz participa desse processo?

 

Dilene: Cada departamento da Fiocruz participou e participa ainda desse processo, conforme sua expertise. Desde a caracterização dos vírus HIV em circulação no Brasil, pelo Departamento de Imunologia do IOC, passando pela criação do Kit diagnóstico do HIV, por jogos para crianças com esclarecimentos sobre a doença, por pesquisas sócio históricas sobre a Aids, dentre outros, até a produção de antirretrovirais por Farmanguinhos.


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Publicado em 9/11/2012.

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