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29/03/2012

'A saúde indica se estamos caminhando ou não para o desenvovlimento sustentável'

Marina Lemle


A incorporação da saúde como tema de grande relevância nas discussões da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) está na pauta do dia da Fiocruz. O presidente da Fundação, Paulo Gadelha, revela a seguir as suas expectativas em relação à conferência e situa o papel da instituição neste contexto.


Como o senhor avalia o processo em torno da Rio + 20?


Paulo Gadelha: Por um lado, está muito aquém das perspectivas de se obter uma transformação mais profunda. Há 20 anos vem se anunciando que os princípios da Rio 92 não foram adotados no sentido pleno e nem os seus encaminhamentos produziram os efeitos de se avançar no sentido de um desenvolvimento sustentável. Por outro lado é uma oportunidade ímpar, porque permite a reaglutinação de reflexões, de alianças, de forças e capacidades de se produzir alternativas mais favoráveis que podem ter na Rio + 20 um espaço para influenciar nos resultados oficiais, que serão a formulação dos governos.


É também uma oportunidade de participarmos fortemente do processo da Cúpula dos Povos, que vai reunir os movimentos da sociedade civil numa produção que impacta fortemente a articulação da sociedade. Temos a oportunidade de ter aqui presente um corpo extremamente qualificado e capaz de produzir transformações. Além disso, pelo fato de o Brasil ser anfitrião, a Rio + 20 deve produzir uma série de efeitos sobre a responsabilidade do país de aplicar dentro do modelo de desenvolvimento e das relações entre ambiente, saúde e desenvolvimento sustentável os princípios e teses que estamos formalmente adotando e propugnando enquanto governo. E, finalmente, o mesmo vale sobre o campo de atuação da Fiocruz.


Qual a importância do tema da saúde na conferência?


Gadelha: A saúde é um dos maiores indicadores se estamos caminhando ou não para o desenvolvimento sustentável no seu sentido mais amplo. Os efeitos do aquecimento global, da perda de biodiversidade, das agressões mais profundas ao meio ambiente, seja no campo ou na cidade, se fazem sentir diretamente sobre a qualidade de vida. Saúde é qualidade de vida. Esses efeitos podem ser tanto de forma direta, como o aquecimento global, em relação a situações de agravamento das doenças respiratórias e a perda da biodiversidade, que leva à redução da possibilidade de haver circuitos de vetores e agentes patogênicos num meio natural mais completo, aumentando a chance de eclodir novas doenças vindas de zoonoses. Saúde e ambiente são quase questões simbióticas, e elas tem um tratamento ainda muito pouco sistemático e profundo dentro do movimento oficial da Rio + 20.


Uma questão que nos preocupou profundamente foi o fato de o documento zero que serviu de referência para a constituição do debate do ponto de vista dos governos não tinha uma linha sequer sobre a questão da saúde. Houve uma mobilização intensa da Fiocruz, do Ministério da Saúde e do governo brasileiro, e propusemos, articulando com a própria Organização Mundial da Saúde, para que a lacuna seja preenchida. Estamos aguardando uma decisão que ocorrerá no final de março, esperando que o documento traga esse primeiro avanço, incorporando a saúde como tema.


Como a Fiocruz pode contribuir para a Rio + 20?


Gadelha: Essa percepção da centralidade da saúde e desenvolvimento é uma das questões caras à Fiocruz, uma instituição que atua no centro dessa interface entre políticas sociais e políticas de desenvolvimento. E é por estar nessa posição e ser um órgão do Ministério da Saúde que ela tem um campo muito especial para exercer o seu protagonismo histórico que se fez presente desde a Rio 92 e que continuará a se fazer presente com todo o nosso esforço para avançar nos debates, nas propostas e da mobilização da sociedade em torno da ideia de um ambiente sustentável que seja de fato amplo e que incorpore a questão da superação da miséria, da inclusão social e de se repensar o modelo social e de desenvolvimento como condições centrais da sustentabilidade.


Outro ponto central nesse processo é repensar o modelo de governança com relação a que organismos e formas o mundo vai estabelecer para os desdobramentos da Rio + 20 e a governança das questões ambientais. Tem que ser pensada como a governança mais ampla, dos organismos laterais, dos processos políticos e econômicos que são de fato os grandes determinantes de poder ou não dar sustentação a modelos alternativos sustentáveis.


Como a Rio + 20 pode contribuir para a Fiocruz?


Gadelha: Ela já está contribuindo, primeiro como uma grande conclamação e chamada para que a instituição pense de maneira integrada, com toda a sua inteligência e a participação de todas as suas unidades, e faça esse esforço de transcender cada vez mais os seus limites no sentido de exercer o seu protagonismo e o seu papel na Rio + 20. A segunda questão é fazer com que a Fiocruz pense também sobre a sua responsabilidade no conjunto das atividades, no cotidiano dos seus servidores, na relação que estabelece com a sociedade mais ampla, mas também com as comunidades do seu entorno, para exercer, em todos os sentidos, na sua prática institucional, os princípios da sustentabilidade.


Há exemplos?


Gadelha: Um exemplo é o projeto Fiocruz Saudável, que tem componentes muito importantes no campo ambiental, e continuar fazendo esse esforço, em que já avançamos bastante, sobre a questão da eficiência energética, do tratamento de resíduos, da reciclagem, mas também pensando com as comunidades do entorno a questão da economia solidária, dos territórios sustentáveis, da governança e empoderamento da sociedade para pensar modelos alternativos com relação ao processo econômico e social. A Rio + 20 também é uma oportunidade para a Fiocruz se repensar. Somos uma das âncoras para que o complexo econômico do sistema da saúde atenda as políticas sociais e a sustentabilidade do SUS.


Muita gente não se dá conta que a área da saúde, no que conceituamos como complexo produtivo da saúde, mobiliza cerca de 9% do PIB brasileiro. Isso é mais ainda do que o setor agrário. Ora, se 9% do PIB começarem a ter um compromisso com a sustentabilidade – e isso significa as indústrias envolvidas nessa área de vacinas, medicamentos, hospitais com selo verde, capazes de não jogar no ambiente toda uma gama de produtos nocivos, como antibióticos, produtos ligados à área endocrinológica –, e se pensarmos também como o Programa Saúde da Família e toda a rede de atenção do SUS serem fundamentais no processo educativo e de antecipação de questões tão sérias, como a questão dos agrotóxicos, um dos temas centrais que estamos lidando no caso da Rio + 20, percebemos que a Fiocruz tem um papel central se nós queremos de fato ter densidade, capacidade política, alianças e forças para mudar no sentido da defesa da vida.


Publicado em 29/3/2012.

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