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14/05/2010

Representante em Moçambique fala das atividades no continente africano

Informe Ensp


Em agosto de 2008, a pesquisadora Célia Almeida aceitou um desafio que mudaria sua vida: ir para Maputo, capital de Moçambique, com a missão de apoiar a implantação do Escritório da Fundação na África (Fiocruz-África). Designada pelo então presidente da Fiocruz Paulo Buss, seguindo orientação da política externa brasileira, Célia partiu rumo ao continente africano carregando na bagagem orientações como a de acompanhar o desenvolvimento dos projetos e programas de cooperação técnica produzidos pela Fiocruz na região, incluindo a implementação do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (Pecs), aprovado pelos ministros da Saúde da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), e a implementação de uma fábrica de medicamentos em Maputo.


 Célia Almeida: Um dos projetos de grande visibilidade regional é o de transferência de tecnologia para a produção de antirretrovirais e outros medicamentos (Foto: Virginia Damas/Ensp)

Célia Almeida: Um dos projetos de grande visibilidade regional é o de transferência de tecnologia para a produção de antirretrovirais e outros medicamentos (Foto: Virginia Damas/Ensp)


Em abril deste ano, Célia foi agraciada com a comenda da Ordem de Rio Branco, outorgada pelo Conselho da Ordem de Rio Branco. A medalha é uma condecoração oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores e foi entregue em cerimônia no Palácio Itamaraty, em Brasília. Em discurso emocionado, Célia disse que a medalha é um reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pela Fiocruz no continente. O mérito, instituído pelo Decreto 51.697/1963, condecora pessoas, instituições ou militares que são tidos como merecedores do reconhecimento do governo brasileiro, incentivando a prática de ações e feitos dignos de menção honrosa, além de servir para distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas.


Graduada em medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Célia Almeida recebeu os cumprimentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente, José Alencar, do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, dentre outras autoridades. A seguir, ela conversa com o Informe Ensp sobre suas atividades no escritório da Fiocruz na África, destacando que o trabalho naquele continente está apenas começando.


A Fiocruz África é o primeiro escritório internacional da Fundação e é fruto da prioridade da política externa brasileira. Qual o objetivo da criação do escritório?


Célia Almeida: A presença da Fiocruz no continente africano é fruto da prioridade que a política externa brasileira, estimulada pelo presidente Lula, tem dado à saúde e ao estreitamento de laços de cooperação entre o Brasil e os países africanos, com especial ênfase naqueles que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). O novo escritório internacional da Fiocruz está localizado em Maputo, Moçambique. A localização foi uma escolha que surgiu das negociações entre Brasil e Moçambique e, pelo acordo assinado, o escritório é reconhecido como uma organização diplomática.


Tem como finalidades: representar a Presidência da Fiocruz junto aos países da União Africana nas discussões, reuniões e assuntos relativos às atividades de cooperação técnica em saúde; realizar análises de conjuntura e situacionais, nos âmbitos socioeconômico e político, com ênfase em aspectos relacionados com o desenvolvimento do setor saúde, em cada país específico e na região; acompanhar o desenvolvimento dos projetos e programas de cooperação técnica em saúde desenvolvidos pela Fiocruz na região, incluindo a implementação do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (Pecs), aprovado pelos ministros da Saúde da CPLP, em maio de 2009, e avaliar seus resultados; apoiar e supervisionar as missões de trabalho da Fiocruz em Moçambique e demais países, quando possível, assim como outras do Ministério da Saúde, quando solicitado; e recolher, discutir, estruturar e encaminhar as demandas de cooperação técnica em saúde dos países integrantes da União Africana, via Fiocruz/Ministério da Saúde, ou outra instituição brasileira, quando pertinente.


Atualmente, esses programas de cooperação incluem cursos de pós-graduação em diferentes áreas; capacitações em serviço; ensino a distância e formação politécnica; implantação e reformulação dos institutos nacionais de saúde dos países da CPLP; transferência de tecnologia para a área de produção; e apoios diferenciados para o fortalecimento dos sistemas de saúde dos países da CPLP. Esses programas preveem também a vinda periódica de alunos e profissionais à Fiocruz, no Brasil, por períodos variados, para complementação de treinamentos, capacitações, formações acadêmicas e aperfeiçoamento técnico-profissional.


O trabalho de implantação do Escritório de Representação na África começou em outubro de 2008. Em que etapa o trabalho se encontra atualmente?


Célia: Estamos numa etapa preliminar dessa implantação, pois dependemos ainda da aprovação de um decreto que regulamente a operacionalização do escritório. Uma proposta de decreto foi elaborada por um grupo interministerial (com a participação da Presidência da República, dos ministérios da Saúde, do Planejamento e das Relações Exteriores, entre outros órgãos) e atualmente está tramitando no Executivo. Isso ocorre porque é a primeira vez que temos um posto no exterior vinculado à administração direta do Estado, mas que não é da área diplomática. Significa que os mecanismos administrativos existentes, e que já estão em funcionamento para aquela área, não podem ser automaticamente transferidos para esse posto, que é da saúde. Sendo assim, é preciso criar essa nova regulamentação.


A Embrapa, do Ministério da Agricultura, já tem um Escritório de Representação Regional sediado em Accra, Gana. Mas, nesse caso, trata-se de uma empresa pública, e os mecanismos administrativos e gerenciais são diferentes.


Isso não quer dizer, entretanto, que o escritório da Fiocruz não esteja operando. Ao contrário, em Moçambique, está completamente legalizado e vem trabalhando normalmente, ainda que sem espaço próprio, equipe básica e permanente de apoio etc. Acontece que a regulamentação do escritório no Brasil é crucial para a sua consolidação institucional e, como ainda não se efetivou plenamente no Executivo, tem exigido grande esforço e compromisso institucional da Fiocruz para manter a sua operacionalização.


Quais os resultados mais relevantes da presença da Fiocruz na África?


Célia: Ainda é cedo para falarmos de resultados, sobretudo porque esses projetos almejam ser estruturantes para os sistemas de saúde de países africanos, isto é, pretende-se apoiar o fortalecimento dos sistemas de saúde com essas cooperações, de tal forma que as instituições − de ensino, pesquisa e serviços −, que devem sustentar o desenvolvimento desses sistemas, se estruturem e se fortaleçam nesse processo.


Sendo assim, são projetos de longo prazo, cujo impacto não é facilmente visível e mensurável, e que devem lidar não apenas com a realidade nacional e as dificuldades inerentes ao nível de desenvolvimento do sistema de saúde de cada país, mas também com outras diferenças − culturais, administrativas, organizacionais − além das variáveis políticas relevantes nas diferentes conjunturas, nos distintos países. Eu diria que a Fiocruz hoje é reconhecida e identificada na região africana como uma instituição que se esforça para trabalhar de forma diferente da maioria das organizações que atuam na área de cooperação internacional em saúde.


Um dos projetos de grande visibilidade regional, embora esteja sendo implantado em Moçambique, é o de transferência de tecnologia para a produção de antirretrovirais e outros medicamentos − a implantação da fábrica de medicamentos de Moçambique − projeto de cooperação desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz). Mas, ao mesmo tempo, é o projeto que coloca os maiores desafios, seja pela própria área de atuação (produção pública de medicamentos, sobretudo antirretrovirais), seja pelas dificuldades inerentes à sua implementação, tais como necessidade de formação/capacitação de profissionais, de criação de agência reguladora e de vigilância sanitária, de transformação de base produtiva, entre outras.


O intercâmbio do Brasil com países da CPLP teve início há cerca de dez anos, mas tem se intensificado desde 2006. Pode destacar os projetos prioritários desse intercâmbio?


Célia: No ano passado, foi aprovado o Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (Pecs) na reunião dos ministros de Saúde da CPLP. O plano pretende ser um instrumento abrangente e integrador de sinergias no âmbito da saúde dos países de língua oficial portuguesa − Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste. Levando em consideração as especificidades de cada país, assim como as suas necessidades particulares em saúde, o Pecs foi construído com a participação intensa de autoridades dos ministérios da saúde dos oito países e apoiado por "pontos focais" locais, cuja tarefa é identificar interesses e necessidades a partir da mobilização de autoridades nacionais e outros atores. O financiamento vem dos próprios governos e outras fontes nacionais e internacionais.


O Pecs da CPLP tem a peculiaridade de levar em consideração as metas de avanço dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em cada país, bem como os determinantes sociais da saúde; cobre sete áreas prioritárias e inclui algumas doenças específicas e áreas temáticas definidas conjuntamente, e esse leque pode ser revisado periodicamente de acordo com as necessidades de cada país. Inicialmente, as áreas definidas foram: desenvolvimento da força de trabalho, vigilância epidemiológica, preparação para emergências e desastres, informação e comunicação, pesquisa e desenvolvimento para a saúde, desenvolvimento tecnológico e produção de medicamentos e vacinas, promoção e proteção da saúde, incluindo ações inter-setoriais (determinantes da saúde). As doenças são malária, tuberculose, HIV/Aids, e as áreas temáticas são saúde e migração e diplomacia da saúde.


Essa forma de cooperação em saúde não exclui nenhum dos demais projetos bilaterais ou multilaterais em andamento em cada país, incluindo aqueles que envolvem países da CPLP. Entretanto, o modelo também busca a articulação e coordenação entre eles para reduzir a fragmentação e promover melhores resultados. O Pecs foi muito bem recebido pelos países, o que levou a CPLP a adotar um modelo semelhante para outras áreas de cooperação social, tais como a educação e o meio ambiente.


Como recebeu a comenda da Ordem de Rio Branco, outorgada pelo Conselho da Ordem de Rio Branco e concedida pelo Ministério das Relações Exteriores?


Célia: Como um reconhecimento do nosso trabalho e do esforço institucional na área da cooperação Sul-Sul em saúde.


Publicado em 14/5/2010.

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