02/05/2017
Adriano De Lavor (revista Radis)
Quem passeia entre os retratos produzidos por Assis Horta pode nem desconfiar que aqueles sensíveis registros humanos marcam um importante momento na história dos direitos trabalhistas brasileiros. No mês em que se comemora o Dia Internacional do Trabalhador, a exposição do fotógrafo mineiro, em cartaz até o dia 5 no Rio de Janeiro, também alerta para as recentes ameaças dirigidas à Constituição de 1988 e à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), representadas pelas propostas de reforma da legislação trabalhista e mudança nas regras previdenciárias. As medidas, além de desrespeitarem conquistas históricas dos trabalhadores brasileiros, colocam em risco a saúde dos brasileiros, como apurou a Radis.
Por isso é tão emblemático o conjunto de rostos e expressões que compõem a exposição Retratos, e que ilustram a capa e a nossa reportagem. O material, que tem a curadoria do designer Guilherme Horta — que apesar do sobrenome não é parente do fotógrafo —, reúne os primeiros (e talvez únicos) registros de anônimos que, após a CLT, aprovada em 1º de maio de 1943, procuraram o estúdio de Horta, na cidade de Diamantina (MG), para obterem fotos que seriam usadas na recém-criada Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Até então, a fotografia no Brasil era uma exclusividade dos ricos, cabendo aos operários apenas o registro de “identidade civil”. Assis Horta foi além, ampliando as possibilidades de registro: “Sozinho, com os amigos, com a esposa ou com os filhos, o trabalhador brasileiro, que já havia ganhado a identidade de um cidadão, alcança o sonho, a dignidade, a eternidade através do retrato”, descreve a curadoria da exposição.
Trabalhismo e propaganda
Naquele momento, o país vivia a chamada Era Vargas (1930-1945), período em que foi criado o Ministério do Trabalho, os sindicatos oficiais foram regulamentados e medidas como salário mínimo e férias foram instituídas. O presidente fortalecia sua imagem com a política trabalhista, ao mesmo tempo em que controlava as relações entre patrões e empregados e reprimia opositores. Conhecido como “pai dos pobres”, Vargas investiu no “trabalhismo” com mão de ferro e muita propaganda. Assinou a Lei 5.452, que ficou conhecida pela sigla CLT, em pleno estádio de São Januário, na zona norte do Rio de Janeiro. No papel, a nova lei eliminava redundâncias e introduzia novas regras; nas rádios, o cantor Ciro Monteiro reforçava o clima, cantando “Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar”, de Ataulfo Alves e Wilson Baptista; nas ruas, a popularidade de Vargas crescia como amigo do trabalhador.
Neste contexto, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) teve papel fundamental. “O trabalhismo foi alicerçado por uma forte propaganda nacionalista, que valorizava o líder populista como protetor dos trabalhadores, buscando até mesmo descaracterizar a função dos sindicatos”, aponta o professor Gabriel Valente, no blog Retalhos da História. Ele lembra que o regime utilizava o slogan “Trabalhador sindicalizado é trabalhador disciplinado”, transformando os sindicatos, antes espaço de luta e contestação, em um mecanismo para a manutenção da ordem vigente.
Vargas também se apropriou do movimento nacional e internacional em torno do 1º de maio, data criada em memória dos oito operários mortos em Chicago, nos Estados Unidos, por reivindicarem melhores condições de trabalho, em 1886. Eles requeriam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias e reuniram milhares de pessoas em protestos que duraram dias e acabaram com dezenas de mortos e feridos — os acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haimarcet. A data passou a simbolizar a luta operária em outras partes do mundo, até ser decretada feriado na França em 1919 e na União Soviética, em 1920. No Brasil, o Dia do Trabalhador foi decretado feriado em 1925, pelo presidente Artur Bernardes, e simbolizava dia de protesto e luta pelos movimentos populares. A partir da gestão de Vargas, a data passou a significar, também, um dia de festas populares, desfiles e celebrações.
Neste 2017, o 1º de maio pode ser marcado por uma mudança radical na condução das regras trabalhistas, em vigência desde 1943. De um lado, os defensores da reforma, que alegam que a CLT é uma “colcha de retalhos” ultrapassada e as mudanças são essenciais para colocar as contas públicas em ordem, estimular a economia e criar empregos; de outro, os críticos, para quem as reformas — tanto a trabalhista quanto a da Previdência — vão retirar direitos já adquiridos. Quem aposta nas mudanças garante que as modificações darão maior autonomia para os trabalhadores nas negociações sindicais; quem é contra argumenta que a possibilidade de acordos trabalhistas terem força de lei pode permitir a redução de direitos assegurados e até favorecer o aumento do trabalho escravo no país. Na reportagem a seguir, Radis apresenta as mudanças propostas e avalia quais os impactos na saúde dos brasileiros.
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