09/09/2022
Compreender a distribuição das espécies animais e a ocorrência de zoonoses no amplo e complexo território brasileiro é fundamental para apoiar a elaboração de políticas de saúde pública efetivas no país. Pesquisas nesta área que se valem de dados biológicos, ecológicos e epidemiológicos, muitas vezes esbarram na falta de georreferenciamento de dados, o que configura problemática notável e recorrente, especialmente nos conjuntos de dados disponibilizados pelos diversos sistemas de informação da saúde do Brasil. Um grupo de pesquisadores da Fiocruz, do Instituto Militar de Engenharia e do Laboratório Nacional de Computação Científica produziu extensa base de dados que amplia as possibilidades de resolução deste entrave.
Publicado na Scientific Data – Nature, o artigo Statistically enriched geospatial datasets of Brazilian municipalities for data-driven modeling oferece a base de dados com 11,5 mil atributos contendo informações estatísticas sobre as características sociais e ambientais que compõem todos os 5.570 municípios brasileiros. O trabalho apresenta alternativa consistente para o problema que limita ou até mesmo inviabiliza análises e modelagens espaciais pretendidas em diversas pesquisas, como a modelagem de doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas.
A ausência de georreferenciamento dos dados científicos é comum, não só nos dados históricos, quando não se dispunha de equipamentos acessíveis (GPS de mão) que pudessem no campo obter coordenadas geográficas de forma imediata e acurada. Esta falta também pode ser observada nas diferentes plataformas de coleções biológicas, como Specieslink e Catalog of Life. Nos sistemas nacionais de saúde, nos quais também há informação sobre animais de interesse, as informações são municipalizadas. A referência espacial desses dados é imprecisa, em grande parte associada aos nomes de localidades, bairros, municípios ou estados.
Com as novas tecnologias de análises computacionais e geoespaciais, a ausência de georreferenciamento nos dados de saúde resulta na produção de modelos ecológicos/epidemiológicos espacialmente generalistas e imprecisos, o que limita a atuação das políticas públicas de vigilância, prevenção e controle além da compreensão da ecologia das doenças que são dinâmicas no tempo e espaço. A estratégia para mitigação dos efeitos da imprecisão espacial desenvolvida foi o enriquecimento das informações sobre a área dos municípios, com medidas e proporções de cada fator socioambiental presente nesses territórios, denominada caracterização estatística socioambiental municipal.
O esforço foi decorrente do desafio de evidenciar a importância destes fatores sobre a ocorrência de surtos, casos e endemismo de doenças e para isso, os autores consideraram um amplo e complexo espectro de dados sociais e ambientais que compõem as paisagens dos municípios brasileiros (e.g.: uso e cobertura do solo, temperatura, precipitação, contagem/densidade populacional, altitude, geomorfologia, solos, mineração, rodovias, drenagem, unidades de conservação, terras indígenas, entre outros).
Embora esta base de dados tenha sido originalmente concebida para ser utilizada para geração de modelos de favorabilidade de ocorrência de zoonoses, qualquer estudo que se baseie em estatísticas resumidas das características socioambientais do território brasileiro (até o nível municipal) ao longo do tempo, pode ser beneficiado. Os autores consideram que, a partir desta base de caracterização estatística socioambiental dos municípios e da aplicação de métodos de aprendizagem de máquina, muitas das relações indiretas ou não óbvias, mas que influenciam significativamente a ocorrência de doenças, tendem a ser identificadas e podem contribuir para o aprofundamento do conhecimento e para o esclarecimento de muitas questões ainda não plenamente conhecidas no complexo contexto socioambiental brasileiro.
Este artigo é fruto das pesquisas desenvolvidas pelos autores para a geração de modelos preditivos da ocorrência da Febre Amarela Silvestre, parte da tese de doutorado que levou a primeira autora, pesquisadora bolsista da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre da Fiocruz, Livia Abdalla, a conquistar o Prêmio MapBiomas em 2020. A premiação busca estimular a produção de conhecimento sobre mudanças de uso e cobertura do solo no Brasil. A íntegra do artigo está disponível em acesso aberto.