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23/06/2008

O atendimento de emergência na visão dos profissionais de saúde

Catarina Chagas


Do lado dos pacientes, pobreza, carência de orientação, necessidade de medicamentos ou atendimento de urgência. Sob o ponto de vista dos médicos e enfermeiros, uma demanda muito maior do que se poderá atender. O conflito entre essas duas visões do setor de emergência em um hospital público do Rio de Janeiro é tema de artigo publicado na edição de junho dos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz.


 Posto de saúde superlotado: usuários o vêem como se fosse a porta da esperança (Foto: Elza Fiúza/ABr)

 Posto de saúde superlotado: usuários o vêem como se fosse a porta da esperança (Foto: Elza Fiúza/ABr)


A unidade escolhida para o estudo de caso conta com 198 leitos, além dos serviços de pronto-atendimento e emergência 24 horas. A pesquisa durou aproximadamente dois anos e consistiu em reuniões com a direção do hospital, entrevistas individuais e em grupo com os trabalhadores e observação participante nas áreas de recepção, triagem, sala de emergência e pronto-atendimento.


Segundo o artigo, trabalhar em um hospital de emergência é lidar, cotidianamente, com uma demanda a que dificilmente se poderá responder, não só por seu volume e diversidade, mas também porque esta não se esgota na busca por assistência médica num sentido estrito. “Usuários desses serviços também buscam sentido e amparo, pois são uma população em grande parte à margem da cidadania e das redes sociais de apoio e solidariedade”, esclarece a psicóloga e responsável pelo projeto, Marilene de Castilho Sá, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.


Como exemplos deste processo, a autora cita dois tipos freqüentes de solicitação dos usuários no hospital estudado: medicamentos e atestados médicos. Para ela, a alta procura por remédios em unidades de emergência reflete, por um lado, a baixa capacidade de acolhimento da rede básica de serviços do Rio de Janeiro, sobretudo em relação à irregularidade no fornecimento de medicamentos. Por outro, além da dimensão material, existe uma dimensão simbólica nessas demandas. “Receber o remédio, além da possibilidade de alívio dos sintomas ou tratamento das doenças, representa o reconhecimento do direito de acesso aos serviços”, acrescenta.


Da mesma forma, a exigência de atestados médicos também está baseada numa noção de direitos dos pacientes. Em muitos casos, porém, isso gera tensão e conflito entre médicos e público. “Os médicos, diante de um paciente que julgam não estar doente, mas que insiste em receber o atestado, se sentem enganados”, explica Marilene. “Os pacientes, por sua vez, ao verem seus pedidos de atestado negados, se sentem lesados naquilo que consideram ser seu direito, e também pelo não reconhecimento de seu sofrimento ou de sua condição de doente”.


Em síntese, os usuários chegam à unidade com altas expectativas que nem sempre são correspondidas, enquanto os profissionais realizam atendimentos rápidos e queixam-se da população. Um dos médicos entrevistados, por exemplo, afirmou que o paciente “chega ao hospital como se fosse a porta da esperança”.


Assim, nos serviços superlotados de emergência, observa-se freqüentemente, entre os profissionais de saúde, o distanciamento em relação aos usuários. Este contexto, segundo o artigo, aponta para a relevância dos processos psicossociológicos que condicionam o imaginário sobre a população e o modo como suas demandas são escutadas e representadas. “O acesso a este universo simbólico e imaginário que atravessa os serviços de saúde deve ser almejado como uma das condições fundamentais para a ampliação da responsabilidade e da capacidade de escuta dos profissionais e, conseqüentemente, para a qualidade do cuidado”, conclui Marilene.

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