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20/05/2008

O começo na Fiocruz

Fernanda Marques


“Lembro a primeira vez em que fui à Fiocruz. Foi em 1955. Eu era representante de turma na universidade e fui falar com o professor Hugo de Souza Lopes. Saltei do ônibus, subi a rampa e as escadas ao lado da Casa de Chá e olhei para cima. Tremi. Que visão impressionante! Até hoje me emociono”, revela Hermann Schatzmayr. “Naquele dia, casei-me com a Fiocruz”.


 A Fiocruz sempre foi a meta de Hermann

A Fiocruz sempre foi a meta de Hermann


Como estudava na Universidade Rural, em Seropédica, Hermann não conseguiu, devido à distância, fazer estágio na Fiocruz, em Manguinhos. Contudo, várias vezes, ele vinha à Fiocruz visitar professores que também eram pesquisadores da Fundação. Concluído o curso de veterinária, Hermann ainda passou pela Universidade do Brasil e pela Universidade de Viena antes de, finalmente, ingressar em Manguinhos.


Era o início da década de 60 e o professor Joaquim Travassos da Rosa, diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), estava montando um laboratório de poliomielite no Pavilhão Rockfeller, hoje ocupado pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz. A convite de Travassos, Hermann passou a integrar, a partir de junho de 1961, a equipe desse novo laboratório, que contava com o suporte da Organização Mundial da Saúde (OMS).


Ele atuava como bolsista, mas logo uma lei garantiu que todos os bolsistas daquela época entrassem para o quadro efetivo da Fiocruz – Hermann era o único da área de virologia. “No laboratório, fazíamos isolamento do vírus da pólio, identificação, estudo de surtos e da resposta à vacina oral – a vacina Sabin começava a ser usada. Pouco depois, o Brasil passou a importar a Sabin concentrada e nós cuidávamos da diluição e da distribuição da vacina para todo o país”, lembra o virologista. “Naquele tempo, o produto só tinha validade de uma semana, mas não havia máquinas, então tudo tinha que ser feito de modo artesanal e muito rapidamente. Era comum trabalharmos de sexta para sábado”.


O laboratório funcionou muito bem até o golpe militar de 1964. Na avaliação de Hermann, pessoas sem a devida qualificação técnica assumiram a chefia e já não havia materiais e equipamentos suficientes. O virologista decidiu, então, dividir seu tempo entre a Fiocruz e o Laboratório Noel Nuttels, onde trabalhava pela manhã e montou um laboratório de virologia com foco em pólio. “A epidemia continuava e precisávamos agir. O que eu não conseguia mais fazer aqui na Fundação passei a fazer lá no Noel Nuttels, onde montei a virologia”, argumenta. As ausências matutinas, para as atividades na outra instituição, não agradaram o então presidente da Fiocruz, Rocha Lagoa, que chegou a cortar o ponto de Hermann. “Ele riscou meu ponto, mas assinei por cima. No fundo, ele sabia que eu tinha razão, mas me perseguia bastante”.


Ao ingressar na Fiocruz, Hermann foi procurado por representantes tanto de direita como de esquerda, mas preferiu seguir os conselhos do pai. “Ele dizia que, como filho de imigrante, eu não devia me meter com política”, recorda. “Segundo meu pai, quando um jovem entrava na política e dava um problema, sempre tinha um tio general para resolver, mas eu não teria”. Contudo, mesmo sem ser de esquerda, com o golpe de 1964, Hermann vivia um momento pouco confortável na Fiocruz e, por isso, começou a planejar seu doutorado no exterior.


Também estava em seus planos o casamento com Ortrud Monika Barth, nascida na Alemanha e naturalizada brasileira, pesquisadora da Fiocruz e filha de Rudolf Barth, renomado cientista do ramo da zoologia que atuava na Fundação desde que desembarcou com a família no Brasil, em 1950. Monika e Hermann se casaram em 1965 e se instalaram na Alemanha: ela com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); ele com bolsa da Fundação Humboldt, que é muito disputada mundialmente.


 Hermann e a esposa, a pesquisadora Monika Barth, em foto recente 

Hermann e a esposa, a pesquisadora Monika Barth, em foto recente 


Contudo, antes de partir, Hermann precisou convencer Rocha Lagoa a liberá-lo, o que não foi fácil. “Ele disse não, alegando que eu deveria fazer primeiro um curso em Manguinhos”, conta o virologista. “Brigamos durante uns seis meses, mas eu estava decidido: se ele não me liberasse, eu pediria demissão”. Por fim, Rocha Lagoa cedeu, só que cortou os vencimentos de Hermann. Este, porém, conseguiu reverter a situação a seu favor. “O pessoal do Ministério da Saúde pegou o meu processo e colocou com vencimentos, o que foi uma grande ajuda, ainda que meu salário não fosse grande coisa – em torno de quatro salários mínimos”, afirma.


Hermann ficou na Alemanha durante pouco mais de um ano. Defendeu sua tese – sobre anticorpos naturais contra poliomielite – praticamente na véspera de sua viagem de volta ao Brasil, em 1966. “Fiz doutorado e cursos no exterior, mas nunca pensei em não retornar ao Brasil. Um professor perguntou se eu não gostaria de ficar na Alemanha, mas minha esposa não queria – ela nasceu na Alemanha e tinha recordações muitos ruins da guerra. Além do mais, não gosto muito do frio e a Fiocruz sempre foi a minha meta. Então, voltamos”, explica.

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