Início do conteúdo

09/08/2006

O mergulho de uma estudante no mundo da clonagem

Wagner de Oliveira















Editoria Interciência




Danielle Cabral Bonfim

O anúncio da clonagem da ovelha Dolly, há alguns anos, deixou o mundo boquiaberto perante o que muitos chamaram de mais uma proeza do "admirável mundo novo da ciência". Dolly, contudo, representava apenas a ponta do iceberg de um assunto que, assim com outros temas controversos da ciência, precisa ser levado de forma ampla e democrática ao conjunto da sociedade, e não ficar restrito ao ambiente acadêmico. Um movimento nesse sentido acaba de ser levado a termo com a publicação do livro Clonagem, benefícios e riscos. Fruto de um trabalho de monografia apresentada na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fiocruz - iniciativa pioneira, por sinal, no ensino médio -, a publicação foi escrita por Danielle Cabral Bonfim, com a supervisão de Sílvio Valle, coordenador dos cursos de biossegurança da Fiocruz e professor da Escola Politécnica, quando esta agora estudante de biomedicina terminava o curso técnico em histologia, aos 18 anos. Para ela, as conseqüências decorrentes da realização ou não da clonagem humana atingirão a todos.


Na entrevista a seguir, Danielle, atualmente com 20 anos, conta como foi a experiência de escrever sobre um tema, a princípio, tão técnico. A estudante entende que a ciência não é hermética, nem tampouco monótona. O que a faz parecer assim, na realidade é simplesmente a forma como é apresentada. "Para muitos, apresentar a ciência de uma forma rebuscada, cheia de conceitos técnicos e de difícil entendimento pode provocar uma idéia de pessoa culta, letrada, mas também não deixa de ser uma forma de expressar poder", diz ela, que falou também sobre a importância do conhecimento público sobre os aspectos positivos e negativos da clonagem. A estudante parece que tomou gosto pelo ofício da divulgação cientifica. Mais um livro vem por aí: agora, ela quer escrever sobre células-tronco.


Agência Fiocruz de Notícias: Qual a importância de um tema como clonagem ser levado ao debate público e ao conhecimento da sociedade?

Danielle Bonfim: Nos últimos anos, a ciência, de forma geral, tem apresentado um grande desenvolvimento tecnológico. Assim, freqüentemente são veiculados, através dos meios de comunicação, temas tais como o desenvolvimento de organismos transgênicos, bionanotecnologia, a elaboração de novos procedimentos e técnicas de reprodução assistida, tecnologias de fertilização in vitro, o seqüenciamento do genoma humano, assim como a clonagem animal e humana e a produção de quimeras homem-animal. Dentre estes, a clonagem humana é, sem dúvida, uma das questões mais complexas, pois envolve aspectos éticos, culturais e religiosos. Além disso, o modo como esta questão é apresentada na mídia, por determinados segmentos da comunidade científica, por vezes gera ainda mais confusões e desentendimentos.


É importante salientar que a clonagem humana é um procedimento técnico que pode gerar conseqüências desejáveis e indesejáveis. Portanto, a fim de evitar essas conseqüências indesejáveis, torna-se necessário conhecer essa ciência, seu mecanismo biológico, entender seus reais objetivos e finalidades. Dessa forma, a importância desse tema ser levado ao debate público reside no fato de que as conseqüências decorrentes da realização ou não da clonagem humana atingirão a todos. Por isso, faz-se necessário que a sociedade esteja consciente e ativa nas discussões sobre que caminhos as modernas biotecnologias, e não só a ciência da clonagem, devem tomar, não deixando, dessa forma, que decisões tão importantes sejam tomadas apenas por aqueles que fazem parte da comunidade acadêmica e empresarial.


AFN: O título de seu livro fala em benefícios e riscos da clonagem. Qual desses dois aspectos você considera que está mais evidenciado ou precisa ser mais evidenciado quando se fala em clonagem?

Danielle: Atualmente, tanto os benefícios como os riscos da clonagem humana têm sido bastante evidenciados, seja por aqueles que defendem a sua utilização ou por aqueles que defendem seu banimento. Nesse caso, o que possui maior relevância não é apenas evidenciar um ou outro, mas sim a forma como esses "riscos e benefícios" são apresentados. É um fato claro que a clonagem pode trazer benefícios, assim como riscos, porém o importante é entendê-los globalmente, é fazer uma discussão coerente com a realidade, e não uma discussão simplista e unilateral, evidenciando apenas os benefícios ou apenas os riscos, como muitas vezes se vê.


AFN: A princípio, escrever um livro sobre ciência pode parecer monótono, principalmente para um jovem. Como foi a aventura de escrever sobre um tema aparentemente tão hermético? Como foi o processo de pesquisa e adaptação da monografia para o formato do livro?

Danielle: A ciência não é hermética, nem tampouco monótona. O que a faz parecer assim, na realidade, é simplesmente a forma como é apresentada. Isto porque, para muitos, apresentar a ciência de uma forma rebuscada, cheia de conceitos técnicos e de difícil entendimento, pode provocar uma idéia de pessoa culta, letrada, mas também não deixa de ser uma forma de expressar poder. Assim, a ciência, realmente, torna-se um "mundinho" chato, monótono, hermético etc que somente algumas "mentes brilhantes" conseguem entender. Na realidade, não consigo conceber algo mais dinâmico do que a ciência. A partir dela, estamos sempre descobrindo novas coisas, desenvolvendo novas tecnologias. Por isso, quando comecei a escrever o livro, quis fazer um trabalho que fosse de fácil compreensão, com uma linguagem clara e objetiva, para que a ciência pudesse ser vista, não só pelos jovens, mas por todos, sob um outro olhar, o olhar da descoberta, do entendimento. É claro que a ciência tem a sua complexidade, e por isso, inicialmente, encontrei certa dificuldade em pôr determinados conceitos técnicos de uma forma que ficasse compreensível para aqueles que não são estudantes das áreas biológicas. Assim, procurei fazer analogias, elaborar exemplos, figuras e esquemas que pudessem auxiliar no entendimento, e creio que dessa forma consegui transformar um texto mais técnico, da monografia, para um texto o mais acessível possível para o livro. Além disso, no livro incluí os avanços mais recentes nas pesquisas, mostrando tudo o que tem sido feito na área.


AFN: Monografias normalmente são exigidas a partir da conclusão do terceiro grau. Como estudante do nível médio, como foi preparar um estudo em forma de monografia? Considera essa experiência importante para a formação sólida de um estudante de nível médio?

Danielle: Para um estudante do segundo grau, ouvir a palavra "monografia" parece aterrorizante, inicialmente. A gente vem de um mundo totalmente diferente, que é o ensino fundamental, onde a realidade é só estudar e fazer provas a cada bimestre e de repente se depara com um mundo em que nos exigem pensar e defender um ponto de vista. Isto, a princípio, nos deixa bastante apreensivos, mas a experiência que nos proporcionaram na Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz, neste sentido, foi singular. Tivemos uma preparação durante todo o ensino médio, a fim de que trabalhássemos o ato de pensar e formar opinião e, quando começamos a desenvolver os projetos de pesquisa, tivemos a assessoria e a orientação por parte dos coordenadores e orientadores do projeto 4ª série, o que fez com que percebêssemos que a monografia, na realidade, não era um "bicho-papão", e que poderia ser um trabalho instigante, que desafia a curiosidade do aluno. Pelo menos para mim a produção da monografia foi muito prazerosa e tem me rendido bastante até hoje, além de ter sido fundamental na minha formação, já que pretendo seguir a carreira acadêmica. Assim, creio que a experiência é única para a formação dos estudantes do segundo grau, pois faz com que estes aprendam a ser seres pensantes e críticos, que são aspectos fundamentais no mercado de trabalho atual em qualquer área de atuação.


AFN: Parece que você seguirá o caminho profissional pela área de pesquisa, acadêmica. A sua passagem pela Escola Politécnica foi importante para seguir esse caminho?

Danielle: Com certeza a Escola Politécnica da Fiocruz foi fundamental na minha escolha pela carreira acadêmica. Inicialmente, quando entrei na Escola tinha a intenção de fazer medicina, mas depois de ter vivido a experiência de atuar, como estagiária, em laboratório de pesquisa, e após ter feito minha monografia, percebi que o que queria realmente era continuar nessa área e poder trabalhar com pesquisa. Optei por fazer biomedicina, que é curso que faço no momento, na UFRJ.


AFN: Onde você faz estágio agora e qual trabalho desenvolve?

Danielle: No momento estou fazendo estágio curricular, no Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, na UFRJ, sob a orientação do professor Antônio Carlos Campos de Carvalho. Estou inserida em um grupo cujo projeto visa analisar o efeito do transplante de células-tronco de medula óssea em modelo de hepatopatia crônica, mais especificamente fibrose e cirrose hepática, em ratos.


AFN: Planos para um novo livro de divulgação científica? Em caso positivo, qual o tema?

Danielle: Estamos elaborando um novo projeto agora, que vou apresentar em conjunto com os pesquisadores do Núcleo de Ensino e Pesquisa de Biossegurança da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz, para escrever um livro sobre a realidade científica, social e econômica das pesquisas com células-tronco no Brasil, visto que, com a aprovação da Lei de Biossegurança, do ponto de vista legal, atualmente já se pode utilizar embriões humanos para as pesquisas. Estamos aguardando a aprovação do projeto e a liberação de uma bolsa de estudos para manter o meu vínculo profissional com a Fiocruz. Acredito que no final do próximo ano já teremos o novo livro.



Voltar ao topo Voltar