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14/05/2008

O movimento homossexual e suas influências

Fernanda Marques


Os discursos e práticas adotados pelo movimento homossexual para influenciar as políticas públicas de enfrentamento da violência também foram analisados por Silvia. De acordo com a pesquisadora, a trajetória desse movimento no Brasil começa nos anos 80 com denúncias de agressões e de discriminações motivadas pela orientação sexual.


Essas denúncias, de fato, contribuíam para colocar em pauta o problema da homofobia, mas também criavam uma imagem de vitimização dos homossexuais que os afastava de uma postura mais propositiva sobre a temática. “O movimento permaneceu até o final dos anos 90 na perspectiva da denúncia, afirmando uma representação dos homossexuais como vítimas de uma violência que não podiam evitar”, diz Silvia. “É notável o contraste entre essa postura passiva no campo de propostas para a segurança pública e o vigor das práticas do ativismo homossexual na área da saúde, onde sua criatividade e suas reivindicações para o combate e a prevenção do HIV foram amplamente responsáveis pelo êxito das respostas brasileiras à epidemia de Aids”, compara.


A partir de meados da década de 90, ao mesmo tempo em que se multiplicavam as ONGs dedicadas à defesa da diversidade sexual, o movimento homossexual adquiriu novas configurações, motivadas por uma série de processos. O primeiro aconteceu no âmbito do Poder Legislativo, onde emergiram diferentes iniciativas para coibir a discriminação e ampliar os direitos dos homossexuais. O segundo foi a consolidação de um mercado de bens e serviços destinados a homossexuais. O terceiro consistiu na adoção de uma política de visibilidade maciça para o movimento, materializada nas paradas do Orgulho GLBT (sigla usada para designar gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros). O quarto processo, por fim, diz respeito à aproximação do movimento com o ambiente acadêmico e universitário.


É nesse cenário que ocorre a primeira experiência de política pública voltada aos homossexuais na esfera da segurança pública: o Disque Defesa Homossexual, criado em 1999 na Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. “A análise dos primeiros 500 casos atendidos por esse programa revelou a intensidade de dinâmicas cotidianas e silenciosas de homofobia”, lembra Silvia. Além disso, pesquisas realizadas nas Paradas do Orgulho GLBT mostraram que, embora mais de 60% dos entrevistados relatassem já ter sofrido alguma experiência homofóbica, somente 10% haviam registrado a ocorrência na polícia. “Está claro o descompasso entre a alta incidência de vivências homofóbicas e as ainda tímidas demandas por políticas de segurança e justiça”, ressalta Silvia.


Contudo, avanços importantes já têm sido observados. Prova disso foi a realização, em 2007, do 1º Seminário Nacional de Segurança Pública e Combate à Homofobia, que reuniu cerca de 300 participantes entre ativistas do movimento homossexual, policiais civis e militares, acadêmicos e representantes do governo. Os objetivos principais eram a troca de experiências e a construção coletiva de diretrizes para a criação do Plano Nacional de Segurança Pública para o Enfrentamento da Homofobia. “O seminário não significou que o movimento homossexual constituiu uma agenda para a segurança, mas que ele definiu demandas, está construindo um discurso e começa a desenvolver práticas nesse campo”, argumenta Silvia.


Se esse Plano Nacional e outras iniciativas similares funcionarão a contento, ainda é cedo para dizer. “Se planejamentos e ações integradas de segurança pública em nível nacional ocorrerão ou não, em grande medida, isto dependerá da capacidade de pressão que a sociedade for capaz de exercer para que os governos, nos três âmbitos, reconheçam a urgência dos temas da violência e da segurança pública”, conclui a pesquisadora.

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