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08/06/2016

Obra analisa condições de vida dos presos do Estado do Rio de Janeiro

Alessandra Eckstein (Editora Fiocruz)


O dia a dia de homens e mulheres encarcerados no estado do Rio de Janeiro é o ponto de partida de Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Na pesquisa que originou o livro, por meio de entrevistas, avaliações e observações, os autores identificaram as condições sociais e de saúde dos presos e verificaram de que forma o ambiente das unidades prisionais impacta a saúde e a qualidade de vida dos detentos. Para as organizadoras, as pesquisadoras Maria Cecília de Souza Minayo e Patricia Constantino, o livro evoca, desde o título, uma discussão sobre as desigualdades, as iniquidades e a violência social, que – entranhadas na realidade brasileira – se expressam, radicalmente, na situação de encarceramento.

O objetivo da obra é aprofundar essa discussão e contribuir para a atuação dos envolvidos no funcionamento do sistema prisional do Rio de Janeiro, como promotores, integrantes da Defensoria Pública, gestores e funcionários. O livro é fruto de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Fiocruz), em parceria com o Departamento de Direito em Saúde (DIS/Fiocruz) e o Ministério Público do Rio de Janeiro.

Na coletânea, a questão da saúde é analisada em conjunto com o contexto social dos aprisionados e as condições ambientais do encarceramento. Fica bem explícito que o antes, o durante e o depois da prisão estão entrelaçados. “No estudo, mostra-se uma linha de continuidade entre o fora e o dentro da prisão, tanto nas condições sociais como no que afeta direta e indiretamente a saúde física e mental dos detentos, de seus familiares e até de seu entorno comunitário além de se evidenciarem ações que poderiam contribuir para que a vida no cárcere não fosse apenas castigo, dor e perpetuação da exclusão social”, afirma a socióloga Julita Lemgruber, responsável pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. “A leitura deste livro passa a ser obrigatória para todos os que atuam no sistema, militam em direitos humanos e apostam na construção da democracia brasileira”, completa, no texto da quarta capa do livro.

Deserdados Sociais está dividido em cinco capítulos que destacam três momentos da vida dos presos: antes de serem encarcerados, o período do cumprimento da pena e as expectativas da vida pós-prisão.

O primeiro capítulo situa o estatuto da prisão no passado e no presente. O texto se inicia com a conceituação de prisão e do tema saúde dos detentos, em uma perspectiva nacional e internacional. São apresentadas informações atualizadas sobre os sistemas carcerários de vários países, comparando-os com a situação do Brasil e do estado do Rio de Janeiro. Um exemplo é o percentual de presos com idades entre 19 e 35 anos no Brasil, que chega a 74%, fato verificado também na maior parte dos países do mundo

No capítulo 2, aborda-se a vida antes do encarceramento, com destaque para questões como família, comunidade, trabalho, experiência de criminalidade e as vivências e práticas de violência. A pesquisa revela uma população pobre, com poucos recursos sociais e culturais. As organizadoras do livro chamam a atenção para o fato de que “é impressionante a mínima proporção de presos que foge ao estereótipo de jovem, negro e pardo, pobre e morador da periferia; contudo, de outro lado, é fundamental ressaltar que a maioria dos moradores desses espaços, com as mesmas características socioeconômicas e culturais, são trabalhadores que vivem na legalidade. Ou seja, não há um determinismo social do crime e, apesar de todas as condições adversas, existe uma opção pela criminalidade conforme as histórias contadas por boa parte dos entrevistados na pesquisa”.

Nos capítulos 3 e 4, são tratados os mais diversos aspectos da vida dos presos. Nestes artigos, analisa-se o cotidiano na prisão e desenvolve-se o foco do estudo: a saúde, tanto no sentido mais amplo quanto na acepção restrita de assistência. Também é apresentada a questão religiosa e temas que causam revolta nos detentos, relativos à qualidade da alimentação oferecida e ao transporte para o acesso aos serviços de saúde e de Justiça. Em relação aos serviços de saúde, homens e mulheres presos atribuem nota inferior a 3 para o atendimento médico que recebem, numa escada de 0 a 10.

As expectativas e os objetivos dos presos para o período pós-reclusão estão detalhados no capítulo 5. Muitos dos detentos se mostram céticos em relação ao futuro. A questão da família, aqui, chama a atenção: ainda que criticada pelos reclusos e, muitas vezes, apontada como parte da situação que os levou ao crime, é invocada pela maioria deles como seu porto de salvação. “É a ela que juram nunca mais delinquir, é a ela que devotam seus afetos e é dela que esperam o gesto da mão que os erguerá e os ajudará a enfrentar as discriminações sociais”, destacam as organizadoras.

Na conclusão do livro, as organizadoras sintetizam os principais problemas encontrados durante a pesquisa e sugerem alternativas para a ressocialização, como investimentos na melhoria das celas e a adequação do número de presos ao tamanho delas; a implementação de uma nova lógica nos meios de transporte para os atendimentos extramuros aos presos; o fortalecimento e o incremento de atividades de ensino formal e profissional, para que possam beneficiar um número maior de detentos; e o acesso ao trabalho para todos os reclusos, o que poderia ajudá-los na remissão da pena, além de tornar mais fácil a reintegração social e reduzir a reincidência criminal.

No caso da saúde, o investimento na gestão e nas relações entre detentos e profissionais é fundamental. Falta efetivar programas de promoção da qualidade de vida e de prevenção de doenças, a maioria passível de realização, conforme argumentam as organizadoras do livro.

Sobre as organizadoras:

Maria Cecília de Souza Minayo é socióloga e antropóloga, doutora em saúde pública; pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz.

Patricia Constantino é psicóloga, doutora em saúde pública; pesquisadora do Departamento de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).

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