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04/02/2013

Olhares sobre a loucura em situação de rua

Fernanda Marques


A psicóloga Angela Pagot estudou a loucura em situação de rua, isto é, aquelas pessoas com problemas de saúde mental que vagueiam pelas ruas e dormem nas praças ou na porta de comércios e residências. Mas a pesquisadora, em vez de abordar essas pessoas diretamente, optou por entrevistar os moradores e trabalhadores dos bairros por onde elas vagueiam – afinal, frequentemente, eles são o único vínculo social mantido pelos "loucos" em situação de rua.






O objetivo era verificar como os cidadãos pensam, sentem e agem (ou não agem) em relação aos "loucos". Por um lado, o estudo revelou sentimentos de impotência e mesmo preconceitos. Por outro, demonstrou que esses cidadãos podem atuar como agentes de saúde mental, ajudando o Estado a promover a inclusão daqueles "loucos" em situação de rua. Esses resultados são discutidos no livro O louco, a rua, a comunidade: as relações da cidade com a loucura em situação de rua, lançamento da Editora Fiocruz.




De acordo com o livro, Porto Alegre tem uma população de rua significativa, boa parte dessas pessoas apresenta problemas mentais e existe uma carência de serviços de saúde para atendê-las. “Em Porto Alegre, por meio do Programa Saúde da Família (PSF) Sem Domicílio, realizou-se pesquisa com 200 usuários registrados e cadastrados, em 2006. Esta incluiu todos os moradores de rua adultos atendidos por aquele serviço de saúde, e constatou a presença dos seguintes transtornos mentais: dependência química – álcool (61%), nicotina (42%) e substâncias psicoativas (23%); ansiedade (16%); retardo mental moderado (15%); esquizofrenia (10,5%); depressão (7%); e bipolaridade (1%)”.


O estudo que originou o livro teve uma abordagem qualitativa. Foram ouvidas 22 pessoas de diferentes bairros que, por conta do local de residência ou de trabalho, tinham uma relação de proximidade geográfica com um sujeito ‘louco’ em situação de rua. As análises das falas dos moradores e trabalhadores mostraram duas faces de uma comunidade: por um lado, participativa; por outro, individualista. E, muitas vezes, na fala de uma mesma pessoa era possível identificar tanto elementos participativos como elementos individualistas. A face participativa defendia a inclusão dos "loucos" e empreendia ações protetoras, como escuta, solidariedade e caridade. A individualista, por sua vez, lançava olhares de exclusão, demonstrando sentimentos e atitudes de repugnância à sujeita, agressivos, amedrontados e preconceituosos. Nas falas de algumas pessoas, foram identificados, ainda, elementos de ambiguidade e impotência.


Importante destacar que, “quanto aos indivíduos entrevistados, nenhum deles se fechou completamente em uma posição considerada individualista. As posturas estabeleceram-se com base nas representações sociais que se encontram interligadas, tendo tido todas elas, em certos momentos, alguma ação ou olhar também protetor e de inclusão, por mínimo que pudesse parecer”. Dessa forma, “com base nos achados de pesquisa, pode-se afirmar que a comunidade revela potencialidade para um trabalho a ser desenvolvido em parceria com os profissionais da saúde mental e da assistência social da prefeitura de Porto Alegre, numa ação conjunta com o Estado”, defende Angela no livro, que faz parte da coleção Loucura & Civilização.


Publicado em 4/2/2013.

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