Início do conteúdo

16/07/2013

Organização Mundial da Saúde e Fiocruz debatem novas linhas de cooperação

Danielle Monteiro


Uma delegação composta por representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) esteve reunida com gestores da Fiocruz na quinta e sexta-feiras (11 e 12/7) para discutir soluções em busca de melhorias nos sistemas nacionais de saúde. O encontro foi pautado em temáticas como recursos humanos, determinantes sociais da saúde, modelos para a transferência de tecnologia, além da atuação da Fiocruz como Centro Colaborador da OMS em Saúde Pública e Meio Ambiente. Na abertura do encontro, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, apresentou aos visitantes as linhas de pesquisa da Fundação, relembrou as colaborações já existentes entre a Fundação e a OMS e propôs novas ações conjuntas, com foco no fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde, em diretrizes da cooperação sul-sul em saúde, entre outros. Veja aqui uma galeria de fotos do encontro.

Gestores da Fiocruz recebem a delegação na instituição (Foto: Peter Ilicciev)
 

Na ocasião a assistente de direção-geral da OMS, Marie-Paule Kieny, destacou o papel desempenhado atualmente pelo Brasil no cenário internacional, a importância da Fiocruz neste contexto e a relevância da discussão dessas temáticas no encontro. “Nós vivemos em um mundo onde as iniquidades entre os ricos e os pobres estão aumentando não somente entre os países, mas também entre as populações desses países. Sendo assim, discutir os determinantes sociais da saúde e a cobertura universal em saúde de forma a assegurar o acesso a medicamentos e aos serviços de saúde a todos no mundo é muito importante”, afirmou.

O conceito de cobertura universal em saúde também esteve na pauta da discussão. A temática está no centro da discussão sobre qual objetivo global conviverá com (ou substituirá) os atuais três objetivos de saúde que constam nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Para subsidiar a posição do Brasil em fóruns internacionais, a Fiocruz, por meio de seu Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris), elaborou no início do ano um documento questionando o que se entende por cobertura, por universal e por saúde. Nele, a Fundação destaca que o conceito de cobertura universal de saúde não está restrito somente à atenção aos enfermos, mas também à promoção da saúde, à prevenção da doença e ao tratamento da mesma, defendendo, com isso, sistemas de saúde universais, integrais, equitativos e de qualidade.

Marie-Paule contou que a OMS também está redigindo um documento no qual descreve o significado da cobertura universal em saúde. “O conceito de cobertura universal em saúde não inclui somente o cuidado à saúde, mas também prevenção, reabilitação e cuidado paleativo, tratamento, entre outros itens. Ele cobre todo o espectro de serviços necessários para manter a população, e não somente o indivíduo, saudável”, explicou. Segundo ela, o principal desafio que atualmente existe no setor de saúde é a fragmentação de ações ao redor do mundo. “Há cada vez mais iniciativas aparecendo e, ao mesmo tempo, muitas desaparecendo. Volta e meia aparecem grandes organizações colocando dinheiro em determinada iniciativa e depois de dois ou três anos há uma perda de interesse desses doadores”, lamentou.

Ela defende que o Brasil, assim como outros países integrantes dos Brics, poderia exercer papel fundamental neste contexto. “Os Brics (grupo composto pelo Brasil, Rússia, China, India e África do Sul), por exemplo, têm cada vez mais voz no cenário internacional, conduzindo políticas e dando seguimento a discussões. Porém, quando a discussão termina, eles tendem a olhar a questão nacionalmente; porém, há uma expectativa de que eles exerçam um papel não somente no diálogo político, mas também no desenvolvimento internacional de outros países que ainda não alcançaram  desenvolvimento”, disse. Para o presidente do Conselho Político e Estratégico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Akira Homma, também presente à discussão, a possibilidade de a instituição ampliar o mercado não somente no Brasil mas também a outros países depende de uma negociação à parte, junto a laboratórios de ciência e tecnologia. “Toda essa questão começa com a negociação propriamente dita e, para isso, são necessários negociadores que entendam do problema e que sejam profissionais em negociar, e isso é um processo de aprendizagem”, alegou.

Determinantes sociais da saúde (DSS)

Durante a discussão sobre determinantes sociais da saúde foi proposto um plano de ação em conjunto com a OMS para cooperação técnica voltada a capacity building e que seja focada nos DSS com base na Declaração do Rio, documento divulgado durante a Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais da Saúde, ocorrida no Rio de Janeiro em 2011. O documento propõe medidas para se atingir a equidade social e da saúde por meio de ações focadas nos DSS. A parceria teria como pontos focais a governança em DSS, a importância da participação social, as experiências de monitoramento e medidas nessa área, as políticas públicas voltadas ao enfrentamento das DSS e o papel do setor de saúde, temáticas que serão o foco da 1ª Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde, que ocorrerá de 2 a 4 de setembro, no Recife. Idealizado pelo Centro de Estudos Políticas e Informação sobre Determinantes Sociais da Saúde (Cepi/DSS) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Opas/OMS entre outras instituições, o evento será o primeiro de uma série de encontros que vão acontecer em cada região do Brasil com foco nos DSS predominantes em cada uma delas.

Para o diretor do Departamento de Ética e Determinantes Sociais da OMS, Rüdiger Krech, o principal desafio no campo de determinantes sociais da saúde e que é enfrentado em todo o mundo é a compreensão que se tem sobre o significado do termo saúde, o qual, segundo ele, geralmente é exclusivamente associado a doenças. “A saúde na opinião pública não está associada a bem-estar, pois remete a hospitais e doenças. Saúde, na verdade, é muito mais que isso e está relacionada às decisões que são tomadas na educação, na proteção social, no transporte e em outros setores que estão fora da área de saúde, mas que provocam impacto nela”, salientou. Mostrar que a saúde é criada em grande parte por outras áreas, fora de seu setor, deixando claro que há conexões entre as politicas tomadas nos diversos setores, para ele, seria uma das soluções que mudariam esse panorama. “Precisamos também trabalhar nas capacity buildings e no treinamento de recursos humanos da área de saúde, e melhor entender como os profissionais podem agir em suas próprias comunidades com foco nessas condições sociais e agir contra elas”, defendeu.

Produção e inovação

Em encontro com gestores de Bio-Manguinhos/Fiocruz, do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Ficoruz) e do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), a delegação da OMS mostrou interesse no Complexo Industrial da Saúde e na atual política de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e de inovação brasileira. A ideia seria tomá-los como modelo a ser proposto a outros países. "O Brasil é um exemplo único no mundo que optou pelo caminho de juntar a saúde com desenvolvimento e trabalhar o SUS junto com o sistema de ciência, tecnologia e inovação. Isso fez com que eles percebessem que devem acompanhar o Brasil mais de perto", afirmou o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez.

Também foi proposto que o Centro Colaborador da OMS em Saúde Pública e Meio Ambiente, liderado pela Fiocruz, acompanhe e leve para discussão na Opas/OMS o modelo brasileiro de inovação integrado ao acesso de medicamentos. "O Centro Colaborador foi muito elogiado durante o encontro, sendo mencionado como o que, de todos os países, tem mais demandas de Wahington na área de medicamentos, e que tem apresentado os melhores resultados concretos", salientou Bermudez. Foi abordada ainda a necessidade de que certos entraves regulatórios, que tratam do esquema de pré-qualificação de produtos da OMS, sejam mais discutidos conjuntamente entre as agências reguladoras dos países. "A discussão vai continuar, pois a Anvisa, em parceria com a OMS e o apoio da Fiocruz, vai trazer no ano que vem para o Rio de Janeiro a Conferência Mundial de Agências Reguladoras, ocorrerá pela primeira vez no Brasil", adiantou Bermudez.

A delegação também manifestou interesse em conhecer mais detalhes sobre o funcionamento das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) da Fiocruz. Das 87 PDPs que o Ministério da Saúde vem implementando no Brasil, 36 são da Fundação, que atualmente é a instituição pública mais envolvida neste tipo de parcerias no país. Também foi proposta uma integração entre a Sociedade Moçambicana de Medicamentos, fábrica instalada em Moçambique com apoio de Farmanguinhos/Fiocruz, e outras ações que a OMS tem acompanhado na África.

Centro Colaborador em Saúde Global e Cooperação Sul-Sul

O encontro culminou com a proposta de criação de um Centro Colaborador em Saúde Global e Cooperação Sul-Sul na Fiocruz. A instância vai conduzir atividades focadas em temáticas que integram tanto a agenda da Fundação quanto a da OMS - como Determinantes Sociais da Saúde, a saúde na agenda do desenvolvimento pós-2015, o programa e-português (plataforma criada para reforçar o desenvolvimento de Recursos Humanos em saúde por meio do compartilhamento de conhecimento), a saúde global e a cooperação sul-sul e o fortalecimento dos sistemas de saúde - em interseção com campos como ensino e educação, pesquisa e desenvolvimento e cooperação técnica. "Uma ideia por exemplo seria, com foco em temáticas como Determinantes Sociais da Saúde e saúde na agenda do desenvolvimento pós-2015, materializar as propostas que constam na Declaração do Rio por meio de atividades de pesquisa e desenvolvimento, de cooperação técnica e de formação de RH", explicou o coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss.

Algumas dessas atividades propostas como funções desse futuro centro colaborador já existem e outras ainda serão criadas, conforme conta Buss:  "O e-portuguese, por exemplo, que está funcionando na OMS, será fortalecido por meio do Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz) e, com isso, a Fundação vai começar a se preparar para receber o programa, de forma que ele comece a funcionar aqui". Outra ideia, segundo ele, seria que o centro trabalhasse atividades de fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde as quais, na Fiocruz, estão concentradas em ações de cooperação técnica que ocorrem por meio da Rede de Institutos Nacionais de Saúde (Rins) e de Escolas Técnicas de Saúde (Rets). "Os sistemas nacionais de saúde têm instituições que são críticas, estruturantes e fundamentais, como os institutos nacionais de saúde e as escolas de governo em saúde. Por isso, o centro deve fazer uso desses instrumentos da cooperação sul- sul para fortalecer os sistemas de saúde entre os países do sul", argumentou.

Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o encontro rendeu bons frutos, pois trouxe representantes de uma instituição importante como a OMS e a Opas e de áreas distintas das mesmas. "O encontro produziu uma sinergia muito rica, tanto de aprendizado da nossa parte quanto dos representantes da OMS e Opas, que puderem conhecer melhor a Fiocruz e ter um diálogo mais estreito e uma troca de ideias com diversas das esferas da Fundação em campos que são sempre complementares", concluiu.

Voltar ao topo Voltar