O período de Carnaval, com diversos eventos culturais pelo país, é também momento para difundir ações de saúde entre os foliões nas favelas. Essa é uma das premissas de organizações sociais que fazem parte do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro da Fiocruz. Durante a folia, a prevenção contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), campanhas de vacinação e de conscientização sobre a saúde mental, são o mote de blocos carnavalescos e festejos realizados na Favela da Rocinha, na Vila Mimosa e em Niterói.
Blocos de organizações sociais aproveitam a celebração para difundir ações de saúde entre os foliões nas favelas (foto: Luciana Carneiro / Bloco Loucos pela Vida)
Mais populosa favela do Brasil, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Rocinha, na zona Sul do Rio de Janeiro, recebeu nesta quinta-feira (27/2), o bloco de Carnaval Foliões da Saúde, organizado pelo coletivo Tamo Junto Rocinha, o Centro Municipal de Saúde Albert Sabin, a Clínica da Família Rinaldo de Lamare, o CAPS Rocinha, a UPA Rocinha e o Programa Academia Carioca. O evento, apoiado com recursos da II Chamada Pública de Ações de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro realizada em 2024, levou centenas de pessoas a Estrada da Gávea, principal via pública do território. O objetivo principal, segundo Denis Neves, coordenador do Tamo Junto Rocinha, organização financiada também no primeiro edital realizado em 2021, foi lembrar da importância da prevenção e promoção da saúde.
“Essa iniciativa foi puxada por agentes de saúde e pessoas que trabalham o ano todo se dedicando a promover a saúde na Rocinha. Nós, do Tamo Junto, estamos ampliando nossas ações em saúde, inclusive no primeiro edital realizado pela Fiocruz produzimos um vídeo sobre a vacinação da Covid-19 que viralizou. Esse trabalho nos levou a ganhar a medalha Pedro Ernesto, maior honraria da cidade do Rio de Janeiro. Nossas incidências aumentaram em muito o número de crianças vacinadas na Rocinha na época. Com a baixa adesão novamente às vacinas, principalmente a da dengue, resolvemos juntar essa força tarefa e fazer um bloco em parceria com toda rede de saúde presente na favela da Rocinha para reforçarmos a companha”, conta Neves.
A saúde mental foi o mote do bloco Loucos pela Vida, que reuniu na última terça-feira (25/2) centenas de pessoas entre usuários e colaboradores da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Niterói. A folia aconteceu em São Domingos, na zona Sul da cidade, e levou uma mensagem de respeito e alegria, relembrando anos de luta pela política antimanicomial. O enredo do bloco este ano foi Cata Lata, Cata Sonhos – O Ambiente Vem Gritar: No Esquenta e Esfria, Nosso Bloco Vai Passar e também foi selecionado na II Chamada Pública.
Coordenador do bloco Loucos pela Vida, Leonardo Salo a ideia do enredo de 2025 é conscientizar a população sobre a necessidade da reciclagem de materiais, do enfrentamento ao racismo ambiental e alertar sobre os perigos das mudanças climáticas. Ele considera o Carnaval um momento oportuno para levantar pautas importantes de forma descontraída e fazer a comunidade pensar. O bloco surgiu em 2023 e é formado por usuários, parentes, amigos e funcionários da rede de saúde mental de Niterói.
“A narrativa do enredo escolhido para esse ano explora a realidade da reciclagem no Brasil, onde, longe de ser um ato de consciência ambiental, é uma necessidade imposta pela miséria. O catador enfrenta não apenas a dura realidade de sua vida, mas também os severos efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas, que agravam a miséria e a vulnerabilidade das comunidades periféricas. O ambiente vem gritar: no esquenta e esfria, nosso bloco vai passar é uma metáfora poderosa que reflete a realidade das mudanças climáticas. O Esquenta e esfria simboliza a instabilidade e os extremos causados pelo aquecimento global, que afetam desproporcionalmente os mais pobres. A trama do bloco ilustra como as queimadas e a degradação ambiental intensificam a pobreza e o sofrimento nas favelas, exacerbando o racismo ambiental e a injustiça climática”, esclarece Salo.
A saúde mental foi o mote do bloco Loucos pela Vida, que reuniu na última terça-feira (25/2) centenas de pessoas (foto: Luciana Carneiro / Bloco Loucos pela Vida)
A Associação de Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa é outra instituição financiada pelo Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro que aproveitou o Carnaval para impulsionar a distribuição de preservativos entre as profissionais do sexo que atuam no local, bem como para a população em geral, além de reforçar condutas mais seguras para a saúde sexual. Com o tema Sexo, amor e prevenção, o Bloco da Zona do Mangue – Vila Mimosa levou centenas de pessoas para a região da Praça da Bandeira, na zona Norte do Rio, na última sexta-feira (21/2). Cleide Almeida, assistente social da associação diz que a irreverência do Carnaval facilita a comunicação entre pares, fundamental para obter sucesso e adesão no campo da saúde, especialmente entre as populações periféricas mais vulnerabilizadas.
“Além da distribuição de preservativo e da campanha educativa, esse ano ofereceremos vários serviços em parceria com a clínica da família. Os foliões tiveram a oportunidade de fazer teste rápido de HIV, sífilis e hepatite. Reforçamos muito a campanha desse ano para a vacinação contra a dengue que a gente sabe que está crescendo entre a população. A partir de março, vamos ampliar essa campanha de vacinação na Vila Mimosa e o Carnaval para nós serve como ponto de partida para fazermos a mensagem chegar”, explica Almeida.
Para o coordenador executivo do Plano Integrado de Saúde nas Favelas e doutor em Saúde Coletiva, Richarlls Martins, a relação do Carnaval com a cultura popular é captada pelas organizações de favelas que, nos últimos anos, tem mostrado cada vez mais capacidade para alavancar as pautas da saúde durante a festa. Ele lembra que ações do Plano, desenvolvidas o ano inteiro pelas organizações sociais em articulação com instituições de ensino, unidades de saúde da família, policlínicas e postos de saúde, também tem este como um período de celebração.
”O Carnaval é uma data especial para ampliar o debate sobre a saúde, à luz dos temas sociais emergentes da sociedade. As favelas representam territórios raízes do samba e expressam a história do Carnaval. Há alguns anos atrás, coordenei para estudantes dos cursos de saúde, uma disciplina na UFRJ sobre saúde, direitos humanos e Carnaval e podemos afirmar que a saúde, o Carnaval e as favelas são elementos indissociáveis. As boas práticas apresentadas pelo bloco Loucos pela Vida de cuidado em liberdade na saúde mental, de acolhimento pela convivência plural que enfrenta os estigmas e preconceitos causados pela exclusão, ou a comunicação da Associação da Vila Mimosa com alegria sobre prevenção de IST, bem a afirmação do cuidado no marco da saúde sexual, reprodutiva e direitos ou a ação comunitária de organizações como o Tamo Junto Rocinha que levam para a rua, em parceria com os equipamentos de saúde, um Zé Gotinha folião tem um potencial de incentivar a imunização", destaca Richarlls.
"Estas ações demonstram que promoção, prevenção e vigilância em saúde são estratégias que podem e devem ser associadas à cultura e arte. Neste sentido, as favelas nos ensinam desde os primórdios que a saúde deve se fazer presente na vida das pessoas. Nós do Plano Integrado de Saúde nas Favelas RJ estivemos acompanhando presencialmente todas estas ações e avaliamos como essenciais que, de forma coordenada, mais temas centrais da saúde se façam presentes neste e em outros marcos culturais nacionais”, conclui.