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13/03/2009

'Os homens cuidam pouco da saúde'

Katia Machado


Sempre na perspectiva de gênero, a saúde do homem deve ser destacada não só para se desenhar o perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina, mas também para que se percebam os aspectos culturais que comprometem sua saúde, alerta o pedagogo Romeu Gomes, mestre em educação, doutor em saúde pública, professor de antropologia e saúde e pesquisa qualitativa em saúde do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Autor de Sexualidade masculina, gênero e saúde (Editora Fiocruz, 2008), Romeu conta em entrevista à Radis por que os homens cuidam pouco da saúde e pouco procuram os serviços de saúde.


 Gomes: os homens costumam ser vistos como fortes e invencíveis e, por isso, só buscam ajuda quando os problemas se agravam, quando não conseguem trabalhar (Arte: Aristides Dutra)

Gomes: os homens costumam ser vistos como fortes e invencíveis e, por isso, só buscam ajuda quando os problemas se agravam, quando não conseguem trabalhar (Arte: Aristides Dutra)


Por que destacar a saúde do homem?


Romeu Gomes: O debate acerca da influência de modelos de masculinidade nas condutas dos homens vem crescendo. Nesse debate, vem se destacando que o homem — quando influenciado pelas ideias hegemônicas de que deve ser forte, invencível e dominador — pode não só colocar em risco sua saúde como a de outros. Nesse sentido, sem perder a perspectiva relacional de gênero, a saúde do homem deve ser destacada não só para se discutir o perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina, mas também para enfatizar aspectos culturais que podem comprometer a saúde de segmentos masculinos.


A OMS recomenda que o homem seja considerado numa perspectiva relacional de gênero e chama especial atenção para o homem adolescente. Por quê?



Gomes: Uma das justificativas para o foco na adolescência se refere ao fato de essa fase do desenvolvimento ser vista como fundamental para a formação de identidades pessoais e sociais. O contato com modelos de masculinidade e feminilidade — que se inicia na fase infantil — se aprofunda nesse período. Assim, se o objetivo é problematizar modelos de masculinidade para que o homem busque uma vida mais saudável, é oportuno que haja estratégias voltadas para o adolescente. Por outro lado, segundo os dados da área da saúde, o homem adolescente se expõe e está exposto a numerosas adversidades.



Quais são elas?



Gomes: Na literatura internacional, destaca-se que os homens padecem mais de condições severas e crônicas de saúde do que as mulheres; morrem mais do que elas pelas principais causas de morte e, ao se desenvolverem, comportamentos violentos podem se tornar “fator de risco” contra os outros e eles mesmos.



Por que a presença do homem é ainda pequena nos serviços de saúde?



Gomes: As pesquisas mostram que os homens pouco cuidam da sua saúde e pouco procuram os serviços de saúde por vários motivos. Entre eles, destacam-se os seguintes: os cuidados em geral são percebidos como femininos, e não masculinos; os homens costumam ser vistos como fortes e invencíveis e, por isso, só buscam ajuda quando os problemas se agravam, quando não conseguem trabalhar; os serviços de atenção básica costumam ser vistos como lugar de crianças, mulheres e idosos; e as ações de atenção básica voltadas para os segmentos masculinos ainda são tímidas.



Essa relação então está ligada ao que se entende por sexualidade masculina em nossa sociedade...



Gomes: Isso se relaciona mais com o que se entende por ser homem em geral, no imaginário social. A sexualidade masculina se desenha a partir desse imaginário. Em outras palavras, a construção da sexualidade masculina pode sofrer influências dos padrões do senso comum para se atestar o que é ser homem.



Afinal, como nossa sociedade trata a sexualidade masculina?



Gomes: No imaginário social, ainda há ideias que tratam a sexualidade masculina como aquela que é desenfreada, dominadora e que deve ser provada, a todo o momento ou como aquela que exibe bom desempenho. Nesse imaginário, persistem pensamentos e sentimentos que discriminam tanto a sexualidade feminina, vista a serviço da masculina, quanto outros estilos sexuais masculinos que se diferenciam dessas idéias.



E a “sexualidade saudável”?



Gomes: Com base em documentos do Ministério da Saúde, podemos entender a sexualidade como a que valoriza a vida, as relações pessoais e as expressões da identidade própria de cada um, sendo exercida sem riscos de doenças sexualmente transmissíveis, de gestações não desejadas e livres de imposições, violência e discriminações. Nela, o prazer e o bem-estar estão relacionados.



E a licença-paternidade? É importante a presença do pai no nascimento da criança?



Gomes: Conceder tempo para que o pai fique com o filho recém-nascido é um aspecto importante para maior envolvimento dos homens na educação dos filhos. Mas é importante que a licença não seja vista como “folga remunerada” ou “férias”, demandando atenção extra da esposa. Há comportamentos que fazem com que a presença paterna no lar seja penosa ou até mesmo indesejável. Por isso, é preciso que se avance mais promovendo uma cultura em que sejam desenvolvidos papéis masculinos voltados para o cuidar de si e dos outros. Nesse sentido, a presença de um pai cuidadoso, disponível e participativo no período inicial de vida de um filho é importantíssima e quanto maior for o seu período melhor será a vida do casal.


Publicado em 13/3/2009 (este artigo foi originalmente publicado na revista Radis. Para acessar o conteúdo da revista, clique aqui).

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