Início do conteúdo

09/10/2009

Padres e médicos buscavam se aliar às mulheres para reforma social no século 19

Fernanda Marques


O discurso da medicina e o da Igreja Católica sobre as representações femininas foram comparados pela historiadora Renata Batista Brotto em sua dissertação de mestrado. Intitulada Médicos e padres: maternidade e representação dos papéis sociais da mulher (1860-1870) e defendida na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), a dissertação teve como objeto as visões sobre o feminino encontradas nos jornais A Cruz e O Apóstolo, publicações oficiais da Igreja Católica que circularam no Rio de Janeiro do século 19. Ao comparar estas representações com as encontradas nos discursos médicos da época, Renata observou semelhanças e diferenças. Tanto padres quanto médicos defendiam uma reforma social cujo ponto principal era a ação sobre o espaço doméstico centrada no papel das mulheres, reconhecidas por sua função materna. Porém, os primeiros atribuíam a elas um papel religioso-moral, enquanto os segundos enfatizavam seu papel higiênico-social.


 A pesquisadora frequentou os acervos do Real Gabinete Português (foto) e da Biblioteca Nacional (Crédito: Wikipedia)

 A pesquisadora frequentou os acervos do Real Gabinete Português (foto) e da Biblioteca Nacional (Crédito: Wikipedia)





O jornal A Cruz circulou aos domingos de 1861 a 1864 e tinha de cinco a oito páginas. Já o jornal O Apóstolo saía às quartas-feiras e aos domingos com cerca de 15 páginas. Renata estudou as edições de 1866 a 1874. Ambos vendiam assinaturas e podiam ser comprados também na sacristia das igrejas. Para analisá-los, a pesquisadora frequentou os acervos do Real Gabinete Português e da Biblioteca Nacional. Para conhecer o discurso médico da época, a historiadora fez uma revisão bibliográfica, pois muitos artigos, teses e livros já foram produzidos sobre o assunto.



O estudo revelou que os jornais católicos pregavam uma reforma social baseada no resgate do catolicismo ao estilo romano, bastante ortodoxo e pouco tolerante ao sincretismo religioso. Por outro lado, a reforma social defendida pelos médicos combatia práticas ligadas ao curandeirismo e os conhecimentos populares, em defesa da medicina científica e dos hábitos de higiene para controle das doenças. Para ambas as reformas, as mulheres eram vistas como aliadas, representadas nas figuras de mães, gerenciadoras do espaço doméstico e responsáveis pelo ensino da moral católica, no discurso dos padres, e das práticas de higiene, no discurso dos médicos.



“Os discursos analisados representavam as mulheres como sendo capazes de conduzir homens e crianças para o caminho considerado correto”, diz Renata, que foi orientada no mestrado pelo professor Luiz Otávio Ferreira. “No entanto, os papéis atribuídos às mulheres eram representações, ou seja, não necessariamente elas se comportavam daquele jeito. As visões sobre o feminino, tanto no discurso dos padres quanto no discurso dos médicos, funcionavam como modelos, com o objetivo de moldar comportamentos e angariar aliadas”, explica.



A historiadora não verificou, nas publicações católicas analisadas, uma concorrência deflagrada de padres contra médicos. Entretanto, foi possível notar um clima de disputa, na medida em que eles tinham intenções distintas ao buscarem alianças com as mulheres. “Os padres queriam que elas consolidassem a família como um núcleo impenetrável a valores que não fossem os da moral católica”, afirma Renata. “Os médicos, por sua vez, esperavam que elas afrouxassem os laços e permitissem ao Estado intervir na vida familiar”, compara a pesquisadora, que pretende continuar na mesma linha de pesquisa, mas agora com ênfase no século 20.



Publicado em 07/10/2009.

Voltar ao topo Voltar