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26/10/2017

Painel debate desafios para um crescimento sustentável

Renata Leite (Saúde Amanhã)


Tema de discussões na rede Brasil Saúde Amanhã desde o lançamento da iniciativa, em 2010, as questões que orbitam a proteção social em Saúde também estão refletidas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU), em seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os desafios desse campo estiveram em pauta no painel Desenvolvimento, Saúde e Proteção Social, o terceiro do seminário Saúde, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, realizado na Fiocruz nos dias 11 e 12 de setembro.

Painel abordou desenvolvimento, saúde e proteção social (foto: Saúde Amanhã)

 

“As metas relacionadas a esse eixo envolvem a extinção da pobreza, a erradicação do trabalho infantil, do trabalho forçado e de toda forma de discriminação e violência racial e de gênero, além da garantia a uma vida saudável e a uma educação de qualidade, à promoção do bem-estar para todos e à redução e ao gerenciamento dos riscos nacionais e internacionais à saúde”, ressaltou a moderadora do painel, a pesquisadora Luciana Dias de Lima, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).

Os desafios envolvem, principalmente, a resposta a epidemias e a redução das taxas de morbimortalidade nas diferentes regiões do país, o que requer sistemas de proteção social fortes e o acesso universal a serviços e tecnologias de saúde de forma inclusiva e equitativa. “Os ODS só serão alcançados com o incremento do financiamento setorial e a ampliação do quadro de pessoal, medidas que vão no sentido contrário ao que é posto em prática hoje”, pontuou a pesquisadora Cristiani Vieira Machado, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Ensp/Fiocruz, que deu início ao painel.

Análise histórica

Cristiani, que falou sobre o tema Direitos e Equidade: desafios para a política social, fez um balanço histórico sobre as políticas sociais adotadas no Brasil, desde a década de 1930 até hoje, analisou a atual conjuntura do país e da Saúde e apontou possibilidades de ação no âmbito social e político. “Quero fazer uma breve reflexão sobre a necessidade de pensar as conexões entre passado, presente e futuro, e de considerar o processo histórico ao abordar a questão social”, afirmou.

A pesquisadora sistematizou a experiência de política social no Brasil, considerando dois momentos. O primeiro, até os anos 1980, foi marcado pela construção de um sistema de proteção social fortemente vinculado ao mundo do trabalho formal. Como reflexos, a médica apontou a estratificação social e o caráter corporativo atribuído aos serviços de saúde e educação. “Havia um alto grau de mercantilização do sistema de proteção social brasileiro, com a diferenciação dos direitos e benefícios a que os indivíduos tinham acesso de acordo com a sua inserção no mercado de trabalho ou com a compra dos bens e serviços privados”, resumiu.

Para a pesquisadora, entre 2003 e 2014, o sistema de proteção social brasileiro obteve uma série de conquistas parciais, que hoje estão sob risco. “O aumento da cobertura previdenciária, a expansão de benefícios não contributivos da Previdência, a expansão de serviços de saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e o aumento das ações de combate à pobreza, incluindo as políticas de transferência de renda e a ampliação da rede de assistência social, estão agora ameaçados”, exemplificou.

Por fim, Cristiani destacou os três pilares para a construção de uma sociedade mais justa: a regulação do trabalho, a Previdência Social e a Universidade Pública. “Quando começamos os estudos da rede Brasil Saúde Amanhã, não imaginávamos o que estava por vir. O cenário mais pessimista traçado naquela ocasião talvez fosse melhor que o atual. Agora temos que pensar em outros elementos para construir um novo horizonte de expectativas”, afirmou a pesquisadora. Um desses elementos, de acordo com a pesquisadora, é a retomada da história da democracia brasileira em seu aspecto formal, partindo de um projeto de nação centrado em valores de coesão social, de identificação de possibilidades de diálogo entre os atores progressistas e de articulação com atores internacionais em busca de outros tipos de conexões.

Fim da pobreza para garantir a Saúde

Assim como as políticas de proteção social se transformam ao longo do tempo, os problemas por elas focalizados também. As modificações nos eventos em saúde com o passar dos anos foram tema da explanação de Maurício Lima Barreto, pesquisador da Fiocruz Bahia e coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs). “Essas mudanças são consequência de forças complexas que atuam na sociedade e não são completamente compreendidas. São o efeito de processos históricos e contextos políticos, econômicos, sociais e ambientais nos quais as populações estão inseridas. Qual a capacidade real de políticas modificarem esses cenários? É preciso articular políticas e ações de modo a modificar as tendências, acelerando-as ou desacelerando-as”, analisou o médico.

Barreto explicou que um dos principais indicadores de saúde – a expectativa de vida ao nascer – tem crescido de maneira razoavelmente constante em âmbito global. Enquanto esse índice, em 1960, era de aproximadamente 50 anos, hoje chega a 72 anos. “Trata-se de um ganho de 20 anos, mas quando olhamos nação a nação, percebemos como as médias são desiguais. Há países europeus em que a expectativa de vida chega a 80 anos, enquanto na África existem áreas em que o índice não ultrapassa os 40 anos. São quatro décadas de diferença, iniquidade que se repete dentro dos próprios países”, ressaltou.

Mas quais os fatores responsáveis pelas mudanças das condições de vida e saúde ao longo do tempo: as tecnologias médicas ou as políticas econômicas, sociais e ambientais? O pesquisador buscou responder a essa pergunta comparando diferentes sociedades e suas histórias. Ele defende que, especialmente nos países mais pobres, a experiência aponta para a grande capacidade de aceleração de transformações por meio de políticas sociais. “Se o mundo não enfrentar a pobreza em escala global, os demais fatores que causam morbidade não serão superados”, garantiu.

Como conclusão, Barreto mostrou que o Brasil conquistou avanços importantes na área da Saúde, mas reforçou que o quadro atual ainda é marcado pela superposição de velhos problemas ainda não resolvidos e outros novos, recém criados. “O futuro do setor Saúde e do SUS depende da implementação de um conjunto de políticas com alto grau de equidade e eficiência, que incluam Atenção Primária à Saúde, proteção social, políticas ambientais e urbanas e ações regulatórias dirigidas a indústrias como as de tabaco, alimentos e medicamentos”, afirmou.

Envelhecimento sem cuidados

O sanitarista José Carvalho de Noronha, coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã e pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), aprofundou questões relativas ao sistema de cuidados. Dentre elas, destacou as mudanças de prioridade para o setor Saúde, à medida que o perfil demográfico brasileiro deixa de ter o formato de uma pirâmide, com mais jovens e menos idosos, para ganhar os contornos de um barril, com a base cada vez mais reduzida.

Noronha recorreu a estudos recentes realizados pela rede Brasil Saúde Amanhã para evidenciar como os últimos anos foram marcados pela alteração profunda no perfil de mortalidade no Brasil. “Analisamos a distribuição da população no território para compreender não só como ela cresce e envelhece, mas como se movimenta. Identificamos áreas de esvaziamento populacional, como a Região Sul do país, e outras áreas que caminham na direção oposta. As tendências verificadas nos estudos realizados por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que integram nossa rede de prospecção de futuro devem nortear adaptações nas ofertas de serviços para as zonas de esvaziamento e de crescimento”, recomendou o pesquisador.

Para Noronha, as regiões do país que já vivem o envelhecimento populacional exigem uma abordagem diferenciada, do ponto de vista da lógica do cuidado, em relação àquelas onde a população ainda é predominantemente jovem. No entanto, o mapeamento mostra que a disponibilidade de serviços no território brasileiro permanece desigual. “Apenas 91 municípios dispõem de ofertas de nível cinco de complexidade, capazes de responder aos problemas que surgem por conta do envelhecimento”, alertou o pesquisador.

De acordo com o coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã, os cenários que despontam no horizonte dos próximos 20 anos são pouco otimistas, sobretudo em função do subfinanciamento do setor público, aprofundado pela recente aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), que impõe teto para o gasto público com setores estratégicos ao desenvolvimento nacional, como a Saúde e a Educação. “Nossos estudos de prospecção apontam para o acirramento da competição entre os entes federados; para uma tendência de inviabilização da organização em rede de serviços, com o aumento da fragmentação e segmentação dos cuidados; para a redução da capacidade de investimentos; para a queda da qualidade e da segurança dos cuidados prestados; para o aumento da desigualdade territorial e por renda; e para a expansão de novos arranjos privados”, concluiu.

Assista à síntese do painel Desenvolvimento, Saúde e Proteção Social no site do Saúde Amanhã

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