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21/11/2017

Palestra aborda responsabilidade e uso racional da biodiversidade brasileira

Kath Lousada (VPPCB/Fiocruz)


Promovida (8/11) pela Fiocruz, pela Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina), pela Agência UFRJ de Inovação e pelo Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo) - com o apoio da L ́Oréal Brasil -, a oficina Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado: a Lei da Biodiversidade contou com uma apresentação do presidente do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente, Rafael da Sá Marques. Ao afirmar ser o objetivo de sua palestra refletir sobre o que se pode fazer a partir de um marco legal funcional, ressaltou que “o SisGen [Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado] é um procedimento que espelha uma regra e, idealmente, é preciso que seja aprimorado em conjunto, com todos os atores da sociedade, para que fique mais fácil tanto respeitar a lei, como fiscalizá-la.” 

Para Marques, ter uma legislação como esta é importante justamente para contemplar os interesses de todos os envolvidos neste tema (foto: Kath Lousada)

 

De acordo com Marques, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) está se organizando para construir um caminho que favoreça o uso racional socioambientalmente responsável da biodiversidade brasileira, desenvolvendo uma economia que faça uso desta biodiversidade para gerar retorno para a sociedade. Incluindo, sobretudo, os povos e as comunidades não somente como provedores, mas também como setor produtivo. “Do meu ponto de vista, nós temos uma legislação que é funcional o suficiente para que a nossa sociedade consiga exercer a convergência entre os setores. Pode parecer difícil de acreditar, pois os interesses podem não ser compatíveis, mas acredito que pode, sim, haver a convergência e o desenvolvimento integrado dos três setores. É uma situação ganha-ganha e não ganha-perde”, ressaltou. 

Para Marques, ter uma legislação como esta é importante justamente para contemplar os interesses de todos os envolvidos neste tema. “Essa consciência faz com empresas adotem um novo modelo e busquem respeitar não só os direitos dos povos e comunidades como também as regras, que tem o objetivo de garantir a conservação ambiental”. 

O Brasil possui uma vantagem comparativa sem igual no mundo para explorar a sua biodiversidade de forma socioambientalmente responsável e organizada. Rafael Marques indica os dados: o Brasil detém cerca de 22% da biodiversidade do planeta; possui mais de 305 etnias indígenas e mais de 40 denominações de comunidades tradicionais; tem produção científica em biodiversidade e predisposição às parcerias internacionais; está na vanguarda de uma legislação específica com foco na inovação; apesar de tempos de crise, cosméticos, fármacos, agricultura e energia têm crescido acima da média; e por fim, a característica do consumidor atual, cada vez mais exigente e consciente. 

“O mundo está clamando por produtos orgânicos, produtos que sejam ambientalmente responsáveis, que tenham responsabilidade social. O consumidor está pedindo isso. É uma oportunidade de tal forma, que em quase todos os mapas prospectivos de macrotendências alguns destes temas aparecem: a biotecnologia, os ativos da flora, o meio ambiente, a responsabilidade. Tudo isto faz parte do mapa de oportunidades para o futuro”, comentou. 

Neste cenário promissor, o presidente do CGEN aponta um sério risco. É imperativo a gestão dos recursos naturais, pois, se este é o foco do futuro, há de se preocupar com a conservação tanto da biodiversidade, quanto dos conhecimentos tradicionais que estão envolvidos com esta diversidade biológica. Para ele, o patrimônio genético in situ (condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características) é o ativo básico da inovação em biotecnologia.

Segundo Marques, os povos e as comunidades tradicionais entendem a importância da conservação da biodiversidade in situ. Mas a realidade das áreas urbanas não é a mesma do meio rural. Em ambientes formados por prédios e asfaltos não se percebe a perda ou a diminuição da biodiversidade. Entretanto, comunidades estão desaparecendo. Um relatório da Unesco (Atlas das línguas em perigo no mundo) mostra as línguas que estão desparecendo do mundo, em que quantidade e que velocidade. “Uma biblioteca desaparece cada vez uma comunidade desta desaparece”, destaca Marques. Além disso, a própria biodiversidade está desaparecendo. Entre os mamíferos, um a cada quatro estão em risco de extinção, aves e peixes são 3% e anfíbios, 41%. “Para o MMA a conservação in situ é a chave. Conservar em coleção é importante também, mas não é o que vai garantir a sobrevivência das espécies. E aqui está também a importância do SisGen, para a rastreabilidade e o cumprimento da legislação ambiental”. 

Princípios da reforma legal

O Brasil ratificou a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) nos anos 90. A obrigação de repartição de benefícios, a soberania dos países sobre os seus recursos de patrimônio genético e de conhecimentos tradicionais já existem desde então. Na Medida Provisória 2.186/2001, a obrigação também já existia. Mas, em 2015 buscou-se reconhecer que nem as comunidades estavam recebendo a repartição dos benefícios no momento da legislação anterior, nem os pesquisadores estavam tendo interesse em pesquisar a biodiversidade brasileira – os dados do CNPq mostravam a queda na pesquisa. 

Ao expor este breve histórico, Rafael Marques relatou terem sido realizadas reuniões de trabalho com os setores da sociedade, entre os ministérios e com os parlamentares com o intuito de “lembrar de alguns princípios básicos: repartição de benefícios tem legitimidade, não é um custo, é um investimento na inovação do futuro. Se não houver repartição de benefício, não há como conservar o elemento base da inovação, e não haverá sobre o que pesquisar”. Além disso, os encaminhamentos da análise apontavam para a necessidade de processos simples e ágeis; de segurança jurídica para usuários e provedores – lembrando que povos e comunidades também são setor produtivo; estímulo ao uso sustentável da biodiversidade como estratégia de desenvolvimento econômico – o que significa integração de política pública; e estímulo à convergência entre os setores. 

Sendo este último o principal ponto do Departamento de Patrimônio Genético do MMA, no qual a missão é desenvolver a convergência entre os diversos atores para desenvolver o uso da biodiversidade. “O foco é construir cadeias produtivas que não prescindam das florestas. Fortalecer cadeias que envolvam as comunidades que moram nas florestas, gerar renda para estes povos, ajudar a conservar os seus modos de vida por meio de uma troca nas fontes de renda daquela comunidade para que ela tenha mais qualidade de vida, e não dependa tanto de políticas públicas e nem de atividades que não sejam ambientalmente sustentáveis”, explicou.

Para encerrar a sua participação no evento, Rafael Marques afirmou ser preciso dar continuidade a um trabalho de consenso, mas “com o desafio de encontrar os indicadores que melhor vão nos ajudar a guiar este caminho, num discurso harmonizado tanto para o setor produtivo, governo, a sociedade civil em geral”.

Leia mais sobre o evento:

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