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31/01/2019

Para aprender com Brumadinho

Carlos Machado de Freitas*


Em pouco mais de três anos, o Brasil vivenciou os dois maiores desastres do mundo envolvendo barragens de mineração desde os anos 1960. O primeiro, em novembro de 2015, tendo origem na barragem de Fundão, em Mariana (MG), da mineradora Samarco, uma empresa joint-venture da companhia Vale S.A e da anglo-australiana BHP-Billiton. Foi o maior desastre em termos de quantidade de material lançado no meio ambiente e de extensão territorial (650 kms) dos danos humanos e ambientais, atingindo 31 municípios em Minas e três no Espírito Santo, impactando a Bacia do Rio Doce.

Em vídeo, o pesquisador também conversou com o blog do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz sobre os principais impactos da tragédia na barragem de Brumadinho

 

O segundo agora, em janeiro de 2018, tendo origem na barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), da companhia Vale S.A. Ainda que não se tenha o número total de óbitos, se considerarmos os corpos já encontrados com as mais de 250 pessoas que continuam desaparecidas, com poucas chances de ainda serem encontrados sobreviventes, tudo indica que o número de óbitos ultrapassará 300. Será não só um dos maiores desastres dos últimos 80 anos em termos de óbitos, mas também o maior acidente de trabalho já registrado no Brasil. Além dos impactos humanos, há ainda os ambientais e que estão em curso, uma vez que foram lançados 13 milhões de metros cúbicos, e o impacto sobre o Rio Paraopebas tem o potencial de se ampliar sobre a Bacia do São Francisco.

Não são eventos isolados, mas que fazem parte dos riscos sistêmicos e amplos que envolvem um universo de mais de 24 mil barragens cadastradas pela Agência Nacional de Águas, sendo que as barragens de mineração e cavas exauridas cadastradas no DNPM ultrapassavam 660 presentes em cerca de 160 municípios do país. Esses riscos sistêmicos resultam de um modelo do desenvolvimento obsoleto e com altos custos ambientais e humanos. Temos que mudar esse quadro e já.

Embora o Brasil tenha em março de 2015 adotado Marco de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres 2015-2030 (Marco de Sendai), pouco se avançou no país. Junto com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, integra a Agenda para o mundo até 2030.

Futuros seguros e sustentáveis exigem ainda mais atenção e aprendizagem quando os momentos não parecem tão propícios. Se queremos para o país, em 2030, um futuro diferente, esse deve iniciar já. O Marco de Sendai fornece um caminho. Exige a reformulação da situação atual dos modelos de compreensão e governança dos riscos, com o fortalecimento dos órgãos governamentais (com recursos humanos, técnicos e financeiros necessários) e ampliação da participação da sociedade através das representações das comunidades expostas e afetadas, ONGs relacionadas ao tema e instituições acadêmicas.

Esse caminho envolve: prevenir riscos pela criação de novas barragens com tecnologias obsoletas e perigosas; reduzir os riscos existentes através da ampla fiscalização e auditorias nas mais de 24 mil barragens existentes (cerca de 42% não possuem outorga ou licenciamento); ter planos de emergências que não sejam só no papel e que envolvam a participação efetiva de trabalhadores e comunidades (apenas cerca de 3% possuem planos); estruturar sistemas de alerta e alarme que efetivamente contribuam para salvar vidas com exercícios regulares; fortalecer as capacidades de preparação e respostas nos municípios vulneráveis aos riscos de barragens; garantir que os processos de recuperação dos ecossistemas e da saúde dos trabalhadores e populações afetadas, assim como de reconstrução melhor e mais segura das condições de vida para e com as pessoas afetadas.

*Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e integrante da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres.

O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo (31/1/2019)

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