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30/01/2019

A Vale e o governo não aprenderam nada com Fundão?

Léo Heller*


Barragens não se rompem por um desígnio divino. Os rompimentos são provocados por fatores físicos, mecânicos. E esses fatores somente provocam desastres frente a um quadro de negligência e omissão. Ou seja, nem Deus nem Newton devem ser culpados pelas tragédias dos rompimentos de barragens, mas as empresas negligentes e o estado omisso e permissivo.

Após a tragédia da Samarco em novembro de 2015, os relatores especiais das Nações Unidas para os direitos humanos advertiram e cobraram por diversas vezes do governo brasileiro e das empresas – Samarco, Vale e BHP-Biliton – que a gestão do desastre deveria colocar o marco dos direitos humanos à frente de qualquer medida.

Em suas várias comunicações, exigiram que o governo brasileiro tratasse da remediação dos efeitos do desastre com base nos direitos humanos das vítimas, instaram o governo a assegurar o acesso à água segura às pessoas que sofreram restrições no abastecimento, questionaram acordos judiciais sem transparência e sem participação dos atingidos. Um ano após o desastre cobraram do governo brasileiro e das companhias envolvidas que solucionassem imediatamente os numerosos impactos nos direitos humanos em curso. Afirmaram que “as medidas adotadas eram simplesmente insuficientes para lidar com a massiva extensão dos custos humanos e ambientais do colapso”. 

A tragédia da Samarco mostrou que o tempo é aliado dos violadores dos direitos humanos. Mostrou ainda que os mecanismos disponíveis no país – classificação de riscos de barragens, licenciamento ambiental, fiscalização – são abstrações incapazes de prevenir tais tragédias. Porém, muitos esperávamos que Fundão cumprisse um papel pedagógico, ficando para sempre gravada na memória dos agentes institucionais e empresariais e os ensinando o que não se deve fazer.

Três anos depois, no entanto, Feijão desmente as expectativas: a lição não foi aprendida.

Mais uma barragem se rompe. Como a anterior, também classificada como de baixo risco, e, pior, detentora de licenciamento ambiental para sua expansão em um processo estranhamente expedito. Rompe sem sirenes e em total desproteção aos trabalhadores diretos e terceirizados. Desta vez, não se falam em dezenas de mortos, mas em centenas. O efeito é devastador, trágico, desolador.  Os próximos dias serão de crescente identificação de pessoas mortas, de manifestação de desespero de famílias e de explicações inconvincentes.

O momento é de solidarizar com as vítimas e de apoiá-las. Mas também é momento de dizer em alto e bom tom que os governos mineiro e brasileiro não serão desculpados se não tratarem os desdobramentos desta tragédia com absoluto respeito aos direitos humanos das vítimas. Tempo de dizer que a Vale e as outras mineradoras devem colocar à frente de sua gana produtiva a séria e consequente avaliação dos riscos das barragens existentes e implementar fortes medidas preventivas. Também de dizer que cabe uma moratória no licenciamento de novas barragens e a imediata reversão da permissividade dos licenciamentos. E esperar do governo federal e do governo mineiro sinceras desculpas por terem cogitado a ideia de relaxar a política ambiental, em prol de um progresso para poucos.

*Pesquisador da Fiocruz Minas e relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário.

O texto foi originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo (30/1/2019). 

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