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24/05/2013

Parceria com instituto de pesquisa americano pode levar à descoberta de novos medicamentos para malária cerebral

Danielle Monteiro


A Fiocruz desenvolve uma série de ações de cooperação com institutos de pesquisa norte americanos. Uma delas é o projeto denominado Reposição de Óxido Nítrico e Detoxificação de Heme como Terapias Adjuvantes para Malária Cerebral (Nitric Oxide Restoration & Heme Detoxification as Adjunctive Therapies for Cerebral Malaria, em inglês), uma parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o Centro de Pesquisas em Malária (Center for Malaria Research, em inglês) do Instituto de Bioengenharia La Jolla (La Jolla Bioengineering Institute, LJBI) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo é financiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (National Institute of Allergy and Infectious Diseases, Niaid) dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health, NIH).

Nascida em 2009 com apoio do Centro de Relações Internacionais (Cris/Fiocruz), a iniciativa, que busca identificar os mecanismos de dano vascular no cérebro infectado por malária cerebral – uma das mais frequentes e sérias complicações da malária provocada pelo parasita Plasmodium falciparum – tem feito descobertas que podem levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra a doença. A enfermidade mata mais de um milhão de pessoas no mundo anualmente e atinge principalmente crianças menores de cinco anos. O pesquisador do IOC Leonardo Carvalho, que está à frente da iniciativa, contou ao Crisinforma como ela tem sido conduzida e revelou as novidades desse projeto que promete salvar milhares de vidas.

Como surgiu a ideia de se formar uma parceria com o NIH no desenvolvimento de estudos sobre a malária cerebral?
Carvalho:
Em 2007 fui convidado a coordenar um projeto de pesquisa sobre patogenia de malária cerebral no La Jolla Bioengineering Institute (LJBI), em San Diego, na California. Em janeiro de 2008, me licenciei da Fiocruz e assumi a coordenação do projeto. Naquele mesmo ano submeti uma nova proposta de projeto, desta vez junto ao National Institute of Allergy and Infectious Diseases (Niaid-NIH). Nele, criamos uma colaboração com Claudio Tadeu Daniel Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária do IOC e com Marcelo Torres Bozza, chefe do Laboratório de Inflamação e Imunidade do Instituto de Microbiologia da UFRJ. Essa colaboração previa a realização de uma das abordagens do projeto na Fiocruz e na UFRJ. O projeto foi aprovado em 2009 e naquele mesmo ano foram assinados convênios de cooperação LJBI-Fiocruz e LJBI-UFRJ e também subcontratos para transferência de recursos de projeto do LJBI para a Fiocruz e UFRJ.

A malária cerebral leva à morte milhares de indivíduos em todo o mundo. Quais são os objetivos do projeto e quais foram as principais descobertas até então alcançadas?
Carvalho:
O objetivo de nossos projetos é identificar os mecanismos de dano vascular na malária cerebral e desenvolver estratégias terapêuticas para a reversão desse processo e, assim, salvar vidas. Para isso utilizamos um modelo experimental de infecção de camundongos por Plasmodium berghei ANKA, que induz em roedores uma síndrome neurológica fatal que guarda similaridades com a malária cerebral humana causada por P. falciparum, em particular os fenômenos patológicos vasculares citados acima. Nossos estudos envolvem em grande parte a utilização de microscopia intravital de cérebro, uma metodologia que nos permite visualizar os vasos cerebrais de animais vivos, e mensurar fenômenos causados pela infecção plasmodial e por intervenções terapêuticas.

Entre nossas descobertas mais importantes, descrevemos que a patogenia da malária cerebral experimental está associada a um processo de vasoconstrição cerebral e que a administração de uma droga bloqueadora de canais de cálcio (que induz vasodilatação), a nimodipina, reverte parcialmente esse processo vasoconstritivo e aumenta a sobrevida de animais com malária cerebral avançada quando administrada juntamente com a droga antimalárica artemeter. Esse trabalho foi listado entre os top 10 papers em medicina no site Faculty of 1000 Medicine em março de 2010. Mostramos também que animais com malária cerebral apresentam disfunção de uma enzima denominada óxido nítrico sintase, e que intervenções que melhoram a função de diferentes isoformas dessa enzima revertem parcialmente a vasoconstrição cerebral, melhorando o fluxo sanguíneo. Mais importante, identificamos pelos menos dois compostos que, ao reverter o processo de vasoconstrição cerebral, aumentam a sobrevida de animais com malária cerebral e, portanto, tem grande potencial terapêutico.

Segundo estimativas, a malária matou somente em 2010 cerca de 1,2 milhão de pessoas em todo o mundo, a grande maioria crianças menores de 5 anos na África. As complicações mais comuns de malária que levam a esses números impressionantes e inaceitáveis são a malária cerebral e a anemia grave. No caso de malária cerebral, mesmo com a hospitalização e administração imediata de derivados de artemisinina, em particular o artesunato, 10-20% dos pacientes morrem. Além disso, cerca de 25% dos sobreviventes vão apresentar sequelas neurológicas, desde deficits cognitivos até – mais raramente – danos motores graves. Por isso, intervenções terapêuticas que aumentem a sobrevida e diminuam a incidência de sequelas teriam um enorme impacto sobre as populações afetadas pela malária.

No Brasil, casos de malária por Plasmodium vivax  são mais frequentes do que por Plasmodium falciparium. A malária cerebral é decorrência dos dois tipos de malária? E qual a importância deste estudo para as pessoas que sofrem com a doença e seu impacto para o Brasil?
Carvalho:
A grande maioria dos casos graves e fatais de malária, inclusive malária cerebral, é causada por P. falciparum. Casos de malária grave por P. vivax tem sido descritos com cada vez mais frequência, mas ainda são relativamente raros. No Brasil, cerca de 85% dos casos de malária são causados por P. vivax. Além disso, o Brasil conta com um bom sistema de diagnóstico e tratamento (gratuitos) de malária na área endêmica da doença, a região Amazônica, onde são registrados 99,8% dos casos de malária no Brasil.

Esses fatores fazem com que a ocorrência de casos graves e fatais seja infrequente no Brasil. Paradoxalmente, casos graves de malária no Brasil ocorrem com mais frequência fora da área endêmica. Isso acontece porque um indivíduo que viaja de uma região não endêmica para a Amazônia (ou para outras localidades endêmicas de malária, como a África e o Sudeste Asiático) e contrai malária, ao retornar ao seu local de residência com sintomas, o diagnóstico é dificultado porque malária não é comum nessas regiões e pode ser facilmente confundida com outras síndromes febris. Esses casos mais graves seriam os maiores beneficiários de uma terapia adjuvante eficaz.

A partir do estudo, descobriu-se que o Resveratrol, um componente que reúne alimentos anti-oxidantes como uvas e algumas plantas, não previne a malária cerebral.  Há previsão de novos experimentos com outros componentes ou substâncias?
Carvalho:
A malária cerebral, como várias outras patologias vasculares inflamatórias, tem um forte componente pró-oxidativo. Resveratrol é de fato um composto anti-oxidante, mas nas condições de nossos experimentos não foi capaz de prevenir o desenvolvimento de malária cerebral em camundongos. Mas tais resultados negativos não significam necessariamente que o composto não tenha potencial. Resveratrol é apenas um dos vários compostos com que vimos trabalhando e é fato que a maioria não mostra os benefícios esperados. Mas até o momento pelo menos dois compostos, inclusive nimodipina, mostraram resultados muito promissores como tratamento adjuvante com derivados de artemisinina. À medida que entendemos melhor os mecanismos de patogenia, vamos também identificando alvos para terapia.

A partir das descobertas já feitas pelo estudo, quais são os próximos passos que serão tomados?
Carvalho:
Com nossos resultados até o momento, temos muita confiança de que estamos no caminho certo ao elegermos a disfunção vascular como alvo prioritário para uma terapia adjuvante para malária cerebral. Os próximos passos envolvem essencialmente duas frentes de pesquisa: primeiramente, aprofundar o entendimento dos mecanismos da disfunção vascular e, depois, baseado nesses achados, definir compostos com potencial para reverter os danos observados e restaurar a fisiologia normal da microcirculação cerebral. Drogas que sejam eficazes em animais poderão eventualmente ser encaminhadas para ensaios clínicos. O objetivo último dessas intervenções é proporcionar ao paciente em condição mais grave um tempo precioso sustentando a vida até que o tratamento antimalárico surta efeito, permitindo sua recuperação.

Qual a previsão de obtenção dos resultados finais e quando eles serão divulgados?
Carvalho:
O desenvolvimento de projetos de pesquisa dessa natureza é dinâmico e a divulgação dos resultados ocorre de forma continuada. Estritamente dentro dessa colaboração Fiocruz-LJBI, já publicamos nove artigos em revistas indexadas e tivemos essa semana mais um aceito pela revista Plos Pathogens.

Este projeto também inclui o intercâmbio de treinamento para transferência de tecnologia. Em que consiste essa iniciativa?
Carvalho:
Essa interação Fiocruz-LJBI-UFRJ permitiu que investíssemos na formação de um doutor, um pós-doutor (concluídos) e dois mestres (em andamento). Além da colaboração que já mantemos com Claudio Ribeiro no IOC, com Graziela Zanini no IPEC e com Marcelo Bozza na UFRJ, estabelecemos recentemente uma interação com Eduardo Tibiriçá e Vanessa Estato, do Laboratório de Investigação Cardiovascular (IOC), que já detêm o expertise em microscopia intravital de cérebro. Em junho próximo, Vanessa irá ao LJBI para viabilizar a transferência de uma nova tecnologia de microscopia intravital, desenvolvida por nós, para a Fiocruz. Temos feito contato com outros grupos dentro e fora da Fiocruz e espero que possamos ampliar essas colaborações.

O projeto vai ser finalizado em dezembro desse ano.  Depois disso, há previsão de novas parcerias com o NIH no combate à malária cerebral?
Carvalho: A ideia é submeter uma nova proposta para a continuação desse projeto. Em julho participarei também de um encontro organizado pelo NIH em Bethesda, nos Estados Unidos, com o objetivo de elaborar recomendações para auxiliar o NIH a desenvolver iniciativas de financiamento de pesquisa em malária. Creio que a Fiocruz só tem a ganhar com o estreitamento das interações com instituições como o LJBI, e o suporte do Cris/Fiocruz foi e tem sido fundamental para permitir que tais interações internacionais sejam viabilizadas. Gostaria de citar aqui o amplo apoio que temos tido de funcionários do Cris, como Norma Brandão e Daniel Federer.

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